Por PEDRO VALLS FEU ROSA
Há algum tempo noticiou-se o caso de um caminhão carregado de caixas de cerveja que acidentou-se em uma estrada brasileira. Chocou, na notícia, a descrição do saque que se seguiu ao acidente: motoristas que passavam pelo local estacionavam ao lado da carreta tombada e enchiam os bancos e porta-malas dos seus carros de garrafas e engradados de cerveja. Eis algo que nos coloca a pensar: não eram pobres miseráveis lutando por comida, mas sim pessoas que tinham meios de subsistência (ou não teriam veículos) carregando bebida alcoólica!
Este episódio me trouxe à memória um outro, ocorrido há alguns anos na rica Inglaterra. Um navio encalhou na praia de Branscombe, em Devon. E eis que os moradores da região, detentores de um dos bons padrões de vida do planeta, saquearam a carga, carregando pacotes de fraldas, caixas de vinho e até mesmo 15 motocicletas da marca BMW! Ainda naquele pais, a BBC News divulgou pesquisa segundo a qual os furtos em lojas custam 2,1 bilhões de Libras a cada ano, já tendo causado a falência de várias empresas.
Curioso, isto: algumas pessoas educadas, que tiveram melhores chances na vida, e que deveriam dar o exemplo, são exatamente as que mais cometem crimes! A propósito, publicou-se, em 2007, os resultados de uma pesquisa segundo a qual os brasileiros de maior renda e escolaridade são os que mais adquirem produtos falsificados. Há também um estudo da Universidade da Flórida (EUA) segundo o qual 28% das pessoas que furtam cigarros nos Estados Unidos pertencem à classe alta, e 45% das que carregam roupas de lojas são da classe média. Somadas, as classes média e alta superam os furtos praticados pelos integrantes das camadas mais baixas da população!
Ainda mais chocante foi um levantamento divulgado pelo Governo da Bahia há poucos anos: dos 298 donos de BMW do Estado, 32% não pagaram os impostos devidos, contra apenas 18% dos proprietários de veículos populares. Coincidência? Não: 27% dos donos de Alfa Romeo e 30% dos proprietários dos Mazda japoneses sonegaram tributos, contra 20% dos que têm na garagem o modelo mais barato da Fiat.
E que dizer da instalação de câmeras de vigilância em luxuosos salões de recepção, noticiada como meio de impedir furtos durante festas? Ao que me consta, pobres não freqüentam estes salões! Aliás, recente notícia publicada no Brasil traz a declaração dos proprietários de um requintado buffet no sentido de que "o prejuízo mensal com os materiais roubados é significativo e os maiores problemas são nas festas mais luxuosas". Realmente intrigante, isto.
Outros dados impressionantes: nos Estados Unidos um carrinho de supermercado é furtado a cada 90 segundos, 9,5 caixas de correio são furtadas a cada ano, 10 mil computadores portáteis são furtados em aeroportos a cada semana e, segundo divulgou a AXN Channel, "furtos em lojas respondem por quase metade dos crimes cometidos nos EUA". Enquanto isso, em Londres, um restaurante perdeu 25 mil cinzeiros, furtados por clientes ao longo de 10 anos. Enquanto isso, no tradicional Bar Bracarense, do Rio de Janeiro, 800 canecas de chope são furtadas a cada mês por clientes. Vale acentuar: estes delitos são praticados, via de regra, por pessoas que têm recursos - miseráveis não freqüentam bares, restauramtes, supermercados ou aeroportos.
Confirmando as claras suspeitas que este quadro levanta, em 2002 uma ampla pesquisa realizada nos Estados Unidos constatou que os crimes praticados por ricos, tais como fraudes e sonegação fiscal, dão um prejuízo à sociedade 12 a 14 vezes maior do que os crimes de rua (roubos e furtos).
Outro crime exclusivo das classes mais abastadas é o comércio de obras de arte roubadas. Coisa rara? Pense duas vezes: este crime movimenta mais de US$ 5 bilhões a cada ano, sendo o quarto mais rentável do planeta.
E é assim, diante desta ganância desmedida, desta total falta de vergonha e escrúpulos, que nos vêm à mente a lição de Blaise Pascal: de que vale ao homem conquistar o mundo se perde a alma?
PEDRO VALLS FEU ROSA é Desembargador do Poder Judiciário Brasileiro e Presidente do Tribunal Eleitoral do Estado do Espírito Santo.
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