Com a abertura do debate público sob os auspícios do prof. Freitas do Amaral, conhecido mestre de direito administrativo mas principalmente um político de primeira grandeza, a discussão sobre prisões em Portugal saiu do plano técnico e funcional para o plano político, para logo se fechar sobre si própria.
Faria bem a Freitas do Amaral ouvir o Dr. João Salgueiro e pensar em que medida aquilo de que fala lhe diz respeito. As elites em Portugal, cito de cor, definem como metas assemelhar-se aos outros países europeus daqui a tantos anos que se perdem de vista, em vez de tratarem os assuntos de forma substantiva e ambiciosa. Por isso Salgueiro culpa-as de querem manter aquilo que têm, em vez de desejarem o desenvolvimento do país, com os riscos inerentes a todas as mudanças, mas também com os benefícios que os povos europeus já colhem. O prof. faz parte da elite portuguesa à muitos anos e, infelizmente para aqueles, em que nos incluímos, que tiveram a esperança de que tivesse aceite o cargo de coordenar o trabalho de reforma prisional para aproveitar a oportunidade de modernização da execução de penas em Portugal, teve o cuidado de manifestar a sua indisponibilidade para tal objectivo, no debate da SIC-Notícias de Junho de 2003.
Como é possível pensar em prisões sem pensar nas finalidades das penas? Ainda por cima quando ninguém acredita na capacidade de ressocialização do encarceramento, pela simples e excelente razão de que nenhum sistema prisional do mundo foi bem sucedido nessa tarefa. Ainda por cima num tempo em que tal fracasso tem vindo a ser aproveitado pelos fundamentalistas da civilização ocidental, que V.Exa. tão energicamente denunciou a propósito dos instintos belicistas imperialistas fora da lei, para tornar os sistemas prisionais em fontes de lucro e de discriminação social organizada pelo estado. Será que não o impressiona a declaração, nesse mesmo programa de televisão, por parte do director geral, de que a lei não "pode ser cumprida" nas prisões portuguesas?
Repensar as prisões é repensar as finalidades das penas não só no sentido doutrinário mas principalmente no seu modo de aplicação útil, sob pena de frustrar qualquer hipótese de eficácia da reforma. Como as outras, ficará no papel das leis mais avançadas do mundo, em contraste com as práticas mais ilegais e corruptas do mundo. Para esse peditório já demos. Temos que continuar a dar, prof.? Seria boa política se a comissão pudesse assumir plenamente o carácter político da sua tarefa. Se assim não for, não se compreende como e porque é que terá aceite tal cargo, dado não ser especialista na matéria. Ou por outra, terá que se concluir que aceitou a missão de tentar enterrar por mais quinze anos o incómodo debate sobre os sistemas de execução de penas em Portugal, remetendo para o fundo a discussão tardiamente iniciada pelo relatório de Menéres Pimentel em 1996, na qualidade de Provedor de Justiça, e apenas desbloqueada depois de longos meses de lutas - e mortes escandalosas - nas prisões, para denunciar as barbaridades que lá se passam e continuam a passar.
Na esperança de que esta interpelação possa não cair em saco roto, deixamos aqui um desafio para discussão. Se é a sério que o Prof. e a sua comissão levam o desígnio humanista do encarceramento, doutrinariamente vertido em lei à mais de um século, a ideia mais simples para, outra vez, tentar executar o método progressivo penitenciário, eventualmente com sucesso, será a de tornar o modo regular de cumprimento de pena de prisão os regimes abertos, actualmente testados em Portugal. Isso permitiria ao mesmo tempo acabar com os regimes de isolamento - que têm servido para encobrir inúmeros crimes - substituídos pelo regime normal actual, compensar o estado dos custos com o sistema prisional através da contribuição obrigatória do detido para o sistema, manter o financiamento da vida de dependentes dos detidos pelo seu próprio trabalho, manter o emprego àqueles que estavam a trabalhar na altura da condenação.
Também os custos de saúde, assim como os riscos para a saúde pública, seriam significativamente reduzidos por efeitos directos da nova qualidade de vida dos reclusos e por contribuição de outros sistemas de saúde para suportarem os custos actualmente suportados apenas pelos serviços prisionais. Assim, talvez sobrasse alguma atenção e dinheiro para aumentar a capacidade das alas livres de droga, em articulação com os CAT, no apoio aos toxicodependentes que desejem tratamento.
Excelente Prof., será preciso esperar quinze anos para fazer esta discussão?
A Direcção da ACED
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