Impulso de hegemonia dos Estados Unidos no mundo

By Gaither Stewart

(Roma) É um paradoxo que o americanismo, do qual os estadunidenses são tão ciosos, seja fonte de antiamericanismo pandêmico ao redor do mundo. Precisamente o mesmo americanismo do qual os estadunidenses se vangloriam gera uma antipatia mundial em relação a eles. E, nos dias de hoje, não apenas em relação ao governo dos Estados Unidos, mas em muitos lugares - começando com o Iraque, como testemunhado por escritores de blog de lá - essa antipatia, esse ódio, estão voltados contra estadunidenses em geral.

"Temos ódio dos estadunidenses!"

É de indagar se há algum grande equívoco em cena. Será uma questão cultural? Uma falta de informações verdadeiras a respeito do americanismo e do que ele significa? São os estadunidenses simplesmente incompreendidos no mundo?

O que possa ser, as naturezas do americanismo tal como entendido pela maioria dos estadunidenses e tal como percebido e experimentado por não-estadunidenses são tão diametralmente opostas que, por vezes, os dois conceitos parecem dizer respeito a diferentes épocas históricas e diferentes locais geográficos; os estadunidenses e os outros parecem habitar mundos diferentes.

Muito bem, então o que é ele, esse americanismo? De minha perspectiva privilegiada, experimento formas de americanismo principalmente no contexto de tendências hegemônicas, globalização intimidadora, arrogância, militarismo e imperialismo dos Estados Unidos da América.

Um exemplo conspícuo, arrogante, é a construção de mais outra base militar dos Estados Unidos na velha cidade de Vicenza no norte da Itália, onde (anacronicamente) soldados estadunidenses em roupa militar correm em ritmo lento pelas ruas de pavimento de pedra do centro da cidade, como se fosse tempo de guerra, como se fossem deles, passando por catedrais e arquitetura de Palladio, dando voltas e esquivando-se entre mulheres e crianças.

Essa exibição militar é uma forma de o americanismo tornar-se antiamericanismo na Europa. Nesse caso particular a insistência em tornar a pequena e subordinada Itália num porta-aviões a serviço dos Estados Unidos imperialistas já alienou muito do norte da Itália.

Ao falar, entretanto, de americanismo, não tenho em mente apenas o militarismo estadunidense e suas guerras preventivas! Pois há algo no patriotismo exagerado do próprio torrão natal que as outras pessoas de fora experimentam em primeira mão.

Essas outras pessoas que conhecem bem os Estados Unidos detestam os Estados Unidos superpatrióticos, Amerika über alles — os especialistas estrangeiros e jornalistas e acadêmicos e cientistas residentes nos Estados Unidos, até aqueles estrangeiros nas artes, atraídos por um dos admiráveis aspectos da "América" — nos dias atuais cada vez mais difícil de encontrar — isto é, a velocidade e os altos tetos concedidos às idéias novas.

Até turistas não-estadunidenses deslumbrados do tipo que visita a Disneylândia e Las Vegas, que pouco sabem da vida estadunidense, instintivamente vêem a agitação superpatriótica de bandeiras, a entoação do hino A Bandeira Coruscante de Estrelas dos Estados Unidos como expressões vulgares de americanismo. Finalmente, tais visões de mundo coincidem com o americanismo identificado, analisado e criticado por um grupo pequeno, mas crescente, de estadunidenses conscientes.

As implicações da palavra americanismo haviam de há muito pervagado em minha mente antes de, recentemente, eu ter ouvido essa palavra usada num programa italiano de entrevistas com referência às guerras externas dos Estados Unidos. Meu pensamento espontâneo foi, OK, mas isso é muito redutivo. A coisa é, uma vez que você use a palavra só naquele contexto, é como abrir a caixa de Pandora; você tem que estar disposto a dar o próximo passo e perquirir o que o americanismo realmente é.

Je vous demande pardon! se começo imediatamente a debruar em excesso ao longo das orlas. Minha desculpa é que o tema é ameaçadoramente amplo demais para ser abarcado num único artigo. Ainda assim, digressões por vezes levam inevitavelmente direto ao cerne do assunto. Ou, para usar a velha expressão dos marujos italianos, avanzare di ritorno — avançar retornando. E, por falar nisso, o primeiro parágrafo anterior já localiza o alvo.

ONDE PROBLEMAS SE DERRETEM COMO GOTAS DE LIMÃO

"Em algum lugar, acima do arco-íris

Muito acima
Há uma terra acerca da qual ouvi

Uma vez numa canção de ninar."

A imagem excessivamente doce, excessivamente otimista retorna como um leitmotiv. Ao mesmo tempo repele e atrai, a terra da qual ouvi falar, a terra que existe apenas nas imagens dos sonhadores. O que tenho em mente é um tema favorito, o famoso ir-à-guerra-pelo "estilo de vida estadunidense," o qual, para mim, sublinha as persistentes reivindicações dos Estados Unidos do monopólio da moralidade.

O que é ela, a moralidade estadunidense? Essa retidão? Ela é nossas raízes religiosas na fábula dos colonos puritanos, aquelas pessoas super-religiosas que, em sua desventura eram intolerantes, talvez também praticantes do incesto e racistas logo transformadas em chauvinistas dogmáticas que muito cedo rotularam seus dissidentes e os que pensavam diferente de bruxas e demônios.

Pré-americanismo! O mesmo americanismo então iniciado o qual, hoje, promove os direitos dos ricos se tornarem mais ricos, dos fortes de tripudiar sobre os fracos e o desdém por, e o esmagamento de, qualquer coisa que cheire a social em nosso país, reais sindicatos de trabalhadores e, queira Deus que não, assistência universal de saúde.

Enquanto isso, lá longe no império, desde que seja distante, o legado puritano instila cegueira quanto ao uso de bombas de fragmentação a partir da estratosfera e tortura oculta em lugares com nomes estrangeiros como Guantánamo e Abu Ghraib ... e enquanto isso nossos vizinhos do Haiti comem caca, literalmente?

 Nesse sentido a diferença entre americanismo e antiamericanismo é como os dois lados da mesma moeda. Os dois conceitos são o preto e o branco. O americanismo torna-se o lado de trás da Lua. Em italiano é comum o uso da palavra Americanata para definir uma ação ostentosa, negativa e com a qual não se pode contar; uma Americanata revela a nuança negativa do americanismo. Um mau filme estadunidense é sempre uma Americanata. 

A dura verdade é que o americanismo de muitos estadunidenses os quais, embainhados em sua falsa consciência, acreditam que são excepcionais e a inveja do mundo, é uma ilusão. Uma ilusão! Uma miragem no deserto. Para os de fora, há algo de infantil na fé cega deles em seu supostamente superior estilo de vida e sua falsa democracia, que por vezes até despertam um sentimento de comiseração e de piedade em outros povos, que tendem a considerá-los na melhor das hipóteses crianças malcomportadas e, não obstante, perigosas.

E eles continuam a cantar onde os problemas se derretem como gotas de limão....

Houve um tempo, depois da Segunda Guerra Mundial, em que os outros povos imitavam a maneira de falar, vestir, andar e pensar dos estadunidenses. Não mais! No passado, os estadunidenses eram bem-vindos em toda parte. Não mais! A aura do "sonho estadunidense" no passado fez do americanismo um culto. Agora, as outras pessoas não entendem por que não se sentem bem-vindas nos Estados Unidos; não compreendem a mania reinante de terrorismo; não conseguem entender as guerras.

Embora os estadunidenses sempre tenham sido mimados, os estrangeiros já estão notando que as antigas liberdades pessoais que no passado eram o fundamento do americanismo diminuíram. (Perdoem-me essas generalizações mas, por vezes, em assuntos da espécie levantamentos e pesquisas  e dados são inúteis.) Embora sem comparar gráficos e escalas de salários e aluguéis e aspectos econômicos da vida, os europeus percebem que seu próprio padrão de vida é superior. Possivelmente, por outro lado, ainda não se fazem idéia das dificuldades ou da extensão dos percalços que muitos estadunidenses enfrentam — desemprego e emprego precário, falta de serviços básicos de saúde, falta de habitação.

Para estrangeiros que chegam, dez impressões digitais e  revista corporal nos pontos de entrada dos Estados Unidos servem para acentuar a sensação de  "Estados-Unidos-fortaleza-contra-o-mundo" e para tornar exacerbado o ímpeto de globalização-imperialismo dos Estados Unidos. Os sentimentos antigamente positivos, de inveja, dos europeus em relação aos Estados Unidos desvaneceram-se no redemoinho e no vórtice do militarismo dos Estados Unidos. A realidade é que, exceto em casos pessoais, poucos europeus aspiram a viver nos Estados Unidos nos dias de hoje. Via de regra, apenas os muito pobres do mundo procuram imigrar para os Estados Unidos.

Antes do 11/9, tive ocasião de viver em New York City durante alguns anos, num edifício de apartamentos no Upper West Side onde a equipe de 16 homens de pessoal de serviço era toda formada de latino-americanos, vivendo frugalmente com baixa remunderação. Cada um deles confessou seu sonho de voltar "para casa" no México ou na República Dominicana ou no Peru logo que acumulasse economias suficientes para comprar uma casa ou abrir um negócio  lá..

Naquele microcosmo de imigrantes, o "sonho estadunidense" estava morto e enterrado.

Posto que a maioria das pessoas do mundo parece estar infectada com a doença, o antiamericanismo é um bom ponto de partida para o entendimento do americanismo. Primeiro, porém, há que perguntar por que o antiamericanismo contaminou o mundo. No passado, o governo dos Estados Unidos colocava a culpa na nefasta Esquerda Européia, na Esquerda Festiva e nos comunistas e também no fato de os europeus ficarem verdes de inveja diante do estilo de vida estadunidense.

Que a real Esquerda Européia de Sartre em diante sempre foi desconfiada em relação aos Estados Unidos é verdade, mas nunca como atualmente.

As reais razões, entretanto,como vistas a partir da Europa e da América do Sul, radicam antes de tudo na estúpida, arrogante e autodestruidora política externa dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, os franceses ou holandeses quase não conseguem acreditar na ignorância e ingenuidade dos estadunidenses a respeito do mundo.

Embora muitos estadunidenses jactem-se de seu antiintelectualismo e o Presidente deles tenha dificuldade para encontrar lugares estranhos como o Quênia ou o Afeganistão no mapa, a mídia "verde" informa os franceses e os italianos que o desperdício e o consumismo nos Estados Unidos estão destruindo o planeta Terra, e os alemães e escandinavos estão percebendo que a democracia estadunidense é uma empulhação que distorce a própria palavra.

As pessoas estão cada vez mais conscientes de que a Lei Patriota - Patriot Act e a legislação subsequente ao 11/9 erodiram as liberdades civis dos Estados Unidos.

De que a lacuna entre ricos e pobres nunca foi mais profunda, de que a palavra "social" é tabu, e de que o capitalismo estadunidense tornou-se cada vez mais selvagem e vicioso. Para muitas outras pessoas, a cultura estadunidense parece estar limitada a compras no centro comercial e a programas esportivos de TV, enquanto que as absurdas teorias estadunidenses de exportação da democracia e globalização como solução para a pobreza do mundo são amplamente ridicularizadas: a exportação da democracia significa guerra, e a globalização significa perda de empregos na Itália ou França.

Gaither Stewart
Editor Colaborador Sênior do Journal/Tantmieux de Cyrano, é novelista e jornalista residente na Itália. Há longo tempo estudioso da cultura russa, devota especial interesse a acontecimentos que afetem a Rússia. Seus ensaios e despachos são lidos amplamente em muitos locais eminentes da Internet. Suas coleções de ficção, Icy Current Compulsive Course, To Be A Stranger e Once In Berlin são publicadas pela Wind River Press. ( www.windriverpress.com ). Seu recente romance, Asheville, é publicado pela Wastelandrunes, ( www.wastelandrunes.com ).

 Tradução da versão inglesa  Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme [email protected]
[email protected]

 

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Author`s name Lulko Luba
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