O jornal O Estado de São Paulo, sisudo porta-voz das forças conservadoras, publica nesta 4ª feira (12) um editorial com críticas ao Mercosul para, no final, resgatar a ideia defendida pelo pré-candidato tucano à Presidência, José Serra, de rebaixar a condição do bloco de união aduaneira para um acordo de livre comércio.
As declarações do ex-governador de São Paulo sobre o tema pegaram mal, mereceram uma enxurrada de críticas e Serra, que considerou o Mercosul simplesmente uma farsa, tentou voltar atrás. Procurou amenizar as críticas e esconder o jogo. O editorial do Estadão reflete de forma mais clara o real pensamento das forças conservadoras, que constituem a base política e social da candidatura tucana, sobre o tema. O pano de fundo é a política externa progressista do governo Lula, as iniciativas para a integração dos países latino-americanos e a rejeição da ALCA.
Carregando na tinta
O diário paulista utiliza o pretexto de medidas que estariam sendo cogitadas pelo governo argentino para proteger sua agricultura, contra a importação de alimentos com similares nacionais, cujo alvo declarado é a União Europeia.
O impacto das possíveis restrições no Brasil, que tem uma balança superavitária com o vizinho e exporta principalmente produtos manufaturados, não seria grande, mas o editorialista carrega na tinta para justificar a conclusão de que o Mercosul vem-se tornando um trambolho para o comércio exterior brasileiro. Por esta razão, o melhor seria abandonar a união aduaneira e reduzir o Mercosul à condição de área de livre comércio, já que isto permitiria ao Brasil firmar acordos isolados de livre comércio com as potências capitalistas, nomeadamente EUA e União Europeia.
Balanço positivo
O balanço do Mercosul é amplamente favorável ao Brasil, conforme notou recentemente o jornal argentino Clarin, em editorial que critica as opiniões equívocas de José Serra sobre o bloco. O grosso das exportações industriais do país tem como destinatários países da América Latina. Segundo estatísticas oficiais, 90% das vendas de produtos manufaturados do Brasil no mundo ocorrem no Mercosul e em mercados latinoamericanos, argumenta o jornal.
Foi o Mercosul que transformou a Argentina na terceira maior parceira comercial do Brasil, atrás apenas da China (1ª) e dos EUA (2ª). O valor das trocas de mercadorias entre os dois vizinhos subiu a 9,1 bilhões de dólares de janeiro a abril deste ano, 49,4% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando o comércio sofreu forte contração em função da crise econômica mundial.
No período, as exportações brasileiras para a Argentina somaram US$ 4,85 bilhões, superando em 58,5% o resultado do mesmo período do ano anterior, de US$ 3,06 bilhões. A pauta foi composta por 88,2% de bens manufaturados, 2,6% de semimanufaturados e 5,8% de básicos. As compras brasileiras provenientes da Argentina atingiram US$ 4,3 bilhões no acumulado do primeiro quadrimestre contra US$ 3,04 bilhões em igual intervalo de 2009, implicando em um acréscimo de 40,4%. A pauta de importações no mesmo período foi representada por 79,7% de produtos manufaturados, 3,2% de semimanufaturados e 17,2% de básicos.
Regressão à ALCA
Conforme Renato Martins, doutor em Ciências Políticas pela USP, a idéia defendida por Serra de flexibilizar o Mercosul por meio da regressão a uma área de livre comércio representa, na prática, uma maneira de reabrir a discussão sobre tratados de livre comércio e fomentar o retorno da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Com o ingresso da Venezuela o Mercosul passará a contar com uma população de 270 milhões de habitantes, PIB de US$ 2,3 trilhões e território de 12,7 milhões de quilômetros quadrados, da Patagônia ao Caribe.
Não há precedente de experiência integracionista mais exitosa da região, fruto do trabalho de sucessivos e diferentes governos democráticos nos últimos vinte anos, sustenta o especialista. A idéia de flexibilizar o Mercosul por meio da regressão a uma área de livre comércio representa, na prática, uma maneira de reabrir a discussão sobre tratados de livre comércio e fomentar o retorno da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
Subserviência aos EUA
As mudanças pretendidas pelas forças conservadoras, que fizeram de tudo para impedir o ingresso da Venezuela no Mercosul (por pura intolerância ideológica), não se resumem ao Mercosul. Associada aos interesses do imperialismo norte-americano, que ainda mantém fortes laços de influência com setores das classes dominantes brasileiras (lembremos as Organizações Globo, que chegaram ao ponto de defender os EUA na disputa comercial com o Brasil em torno do algodão), a direita brasileira não se conforma com o sucesso da política externa soberana praticada hoje pelo Itamaraty, substancialmente distinta da diplomacia dos pés descalços do governo FHC.
A política externa reduziu nossa dependência do mercado norte-americano e contribuiu para amortecer os impactos da crise, o que não ocorreu com países que atrelaram seu destino comercial ao do Tio Sam, como o México, que amargou uma severa recessão em 2009.
No fundo, o que as forças pró-Serra querem é o retrocesso à postura subserviente do país diante dos Estados Unidos e da União Europeia; um modelo de integração regional neoliberal como o da União Europeia, que em absoluto não interessa aos povos da região e, de resto, parece à beira do colapso; uma postura agressiva e mesmo guerreira diante dos nossos vizinhos mais pobres, em contraposição à sabujice em relação aos ricos, insuflando conflitos com Venezuela, Bolívia, Paraguai e Argentina e fechando acordos de livre comércio com as potências capitalistas.
O personagem para viabilizar o retrocesso chama-se José Serra, um lobo em pele de cordeiro. Mas, não é disto que a nação precisa. E não há de ser este o projeto que vai prevalecer.
Da redação, Umberto Martins, com agências
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