Te liga, usurpador! Te cala, coisa ruim!

Te liga, usurpador! Te cala, coisa ruim!

por Fernando Soares Campos



Eu estava em casa, quando me informaram pelo interfone que um rapaz queria falar comigo:

- Seu Fernando, ele falou que o nome dele é Tiliga. Pode subir?!

- É amigo do meu filho, mas fala pra ele que o João não está em casa.

- Já falei, eu vi quando o João saiu faz pouco tempo, mas ele disse que quer falar com o senhor.

- Então, tá, pode subir sim.

Um minuto depois, o Tiliga, um jovem negro de 19 anos de idade, estava ali sentado no sofá.

- E aí, Tiliga, como vão as coisas?

- Manero, seu Fernando.

 

- Já voltou a trabalhar?

- Não... quer dizer, não com carteira assinada, como eu estava até bem pouco tempo, mas tenho feito uns bicos.

- Bicos? Que tipo de bico?

- O de sempre...

- De sempre?

- Sim, uns ganhos... O senhor sabe...

- Eu sei?! O que é que eu sei?

- O João nunca lhe contou?

- Contar o quê, Tiliga? Bom, ele já me contou que você plantou numa boca tempos atrás, mas que estava fora, não queria mais se envolver com o tráfico. E nós aqui ficamos contentes. Você voltou a atuar no ramo?

- Não, isso não. Tou fora, não quero mais saber disso, é muito perigoso. Trabalhei uns tempos naquele escritório que um amigo do João me apresentou. Mas os negócios andavam pra baixo, e tiveram que fazer uns cortes. Eu dancei.

- Aí resolveu fazer esses bicos... ou ganhos. É isso?

- Sim.

- Bom, espero que você esteja se dando bem, pelo menos faturando pro almoço e jantar...

- Às vezes dá pro gasto, o problema é quando tem que repartir com outras pessoas...

- Repartir?

- Sim, o senhor sabe...

- Peralá, Tiliga, dá um tempo nessa de que eu sei de tudo. Eu não tou ligado em quase nada do que você tá falando. Se quiser me explicar melhor, tudo bem, tou aqui pra ouvir.

Tiliga se levantou, foi até a sacada, deu uma sacada de leve na vizinhança, voltou e sentou-se novamente no sofá. Eu fui até a geladeira, peguei duas latinhas de refrigerante, servi uma a ele, abri a minha e beberiquei. Ele fez o mesmo.

- Seu Fernando, eu num vou negar pro senhor, eu tou numas paradas meio sinistras... é... O senhor sabe...

- Acho que sei! Você está fazendo treinamento para entrar pro Corpo de Bombeiros. É isso?

- Coé, seu Fernando! Eu não tenho estudo pra ser bombeiro!

- Então, me diga aí que parada sinistra é essa em que você anda se metendo.

- É depenar carro, dá bote no sinal de trânsito, fazer saidinha de banco... Essas paradas...

Ainda pensei em começar a fazer uma preleção moral, adverti-lo para as consequências daquilo em que estava se metendo, dizer que ele podia contar com o nosso apoio para enfrentar certas dificuldades, que não precisava se envolver com aquilo; mas notei que, se me adiantasse nesse sentido, provavelmente ele não iria me contar alguma coisa que eu estava percebendo que ele queria me dizer.

- Você sabe que isso é uma atividade muito perigosa, não é?

- Sei, seu Fernando, e sei que o senhor não aprova isso, não. Mas eu queria lhe contar uma coisa estranha que aconteceu nesses dias.

- Fique à vontade. Se isso vai lhe fazer bem...

- Num é nada demais, não, é só meio estranho.

- Melhor assim.

- O Bronca, amigo meu, foi quem armou a parada. Foi lá no Santos Dumont, no Aterro, o senhor conhece, né?

- Sim, conheço o Aeroporto Santos Dumont. Continue.

- O Bronca e mais outro parceiro dero cobertura. Um cara saiu do táxi, deixou a porta de trás aberta e uma mochila de marca, bacanona, em cima do banco e foi pagar a corrida. Ele nem me viu, dei o bote e parti pra Cinelândia. Nas passage ninguém desconfiou, todo mundo pensava que eu tava correndo apenas pra atravessar as ruas. Da Carioca pra cima, até a Frei Caneca, nem precisei correr. Aí peguei um busão pra Tijuca, subi o Borel e tava em casa.

- Bom, só espero que não acusem o Chico Buarque de ser o engenheiro dos planos de fuga de sua patota.

- Que foi que o senhor disse?

- Nada demais, esquece. Fale do ganho. Não vá me dizer que na mochila tinha pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador...

- Não! Nada disso! Mas tinha muita grana! Real e até dola!

- Dólar?!

- Sim, dola. Mas era mais real, só alguns dola. Também tinha muito papel, papel pra caramba!

- Documentos?!

- Não, era só papelada, muita coisa escrita, até conta de telefone, mas nada de documento, nem identidade, nem título, essas coisas, não.

- Tinha cartões de crédito?

- Não, só dinheiro e papel.

- E por que você queria me contar essa parada? Só posso lhe dizer que está no caminho errado. Sei que você não esperava minha aprovação. Por que me contou?

Tiliga levantou-se mais uma vez, foi novamente até a sacada, olhou para os lados, esticou o pescoço para observar as janelas vizinhas, voltou, botou a mão no bolso, sacou uma folha de papel dobrada e me entregou. Sentou-se.

- Seu Fernando, eu queria que o senhor lesse isso aí. Minha prima leu tudinho, umas duas vez, a gente riu muito, de tão engraçado que é. A gente não entendeu por que alguém escreveu essas coisa, por isso eu trouxe pro senhor ler e me dizer o que entendeu.

A folha era nova, estava apenas muito amassada devido ao dobramento.

Li e também ri em alguns trechos.

- Veja bem, Tiliga. Isso aqui é uma carta de pessoas que também estão envolvidas em atividades criminosas, mas as paradas deles são muito mais sinistras que as de vocês.

- Foi mais ou menos o que a gente sacou, seu Fernando. Mas por que esse cara que escreveu não mandou pela internet? Podia também dizer tudo isso por telefone...

- Tiliga, a coisa aqui tá preta! A internet e os telefones não são meios de comunicação tão confiáveis. Num caso desses é melhor não se arriscar. Entrega em mãos é mais seguro.

- Eu também não confio em certas coisas. Tinha uns caras lá no morro que viviam botando foto deles na internet, tudo armado e com as minas deles. Isso é vacilação, os home foram lá e foi tudo em cana.

- É isso aí, Tiliga, você tá ligado, hoje não dá pra vacilar. Posso ficar com essa carta?

- Se o senhor quiser, pode ficar, pois pra mim num vale nada.

Tiliga se foi, e eu resolvi postar essa carta, pois não sei a quem eu poderia encaminhá-la. Sei que o autor deve estar preocupado, querendo resgatar o escrito ou, pelo menos, saber que destino tomou.

Aí está. Se é sua, pode vir buscar o original, ou imprimir e mandar outro portador entregar ao destinatário.

De: Eder Obolg, Rio

Para: Lehcim Remet, Brasília.

Lehcim, seu incompetente! Você é um estúpido! Não passa de um parvo metido a besta. Só você não entende que este ano não pode ter indulto natalino. Os seus comparsas vão ter que esperar até a prisão do sapo barbudo. Depois disso, tudo é válido. Vocês podem até criar o indulto de carnaval.

 

Lembra quando deflagramos o escândalo do mensalão? Pois é, o acidental presidente da República, que naquele momento vivia na esbórnia, estava assistindo filmes pornôs, então, mudou de canal, levantou-se, foi até o seu gabinete e tomou a primeira atitude com total autonomia, coisa nunca antes acontecida desde que ele havia assumido o governo: demitiu o ministro das Comunicações, homem de confiança do Palocci. O ministro era conterrâneo e amigo de juventude da Jeany Mary Corner, a cafetina que havia voltado a liderar os negócios de cafetinagem de meninas de luxo para políticos e empresários em Brasília. Coisa que ela já fazia com muita competência há alguns anos.

A queda do ministro das Comunicações nem foi muito comemorada, mantivemos certa cautela, porque o que a gente queria mesmo era a cabeça do Palocci e do Dirceu, o resto seria lucro, os vassalos do segundo escalão a baixo são chimpanzés que a gente abate e usa como ração pras nossas hienas.

Hoje, você, apesar de nossas advertências, insiste que o plano está dando certo, que tudo está perfeito, não vê que, em muitos casos, as porções de Agente Laranja que a gente despeja no Planalto atingem nossas próprias tropas de choque, eliminam muitos dos nossos guerreiros, são vitórias de Pirro, seu estúpido!

Mas, não, seu orgulho e egoísmo não permitem que você enxergue nada disso. O resultado é que, a cada mentira que plantamos, somos obrigados a criar outras e mais outras e tantas outras, cada uma por todas e todas por uma.

É provável que exista entre nós alguns traíras, gente que desde o princípio sabia de tudo, mas ficou na encolha. Estamos de olho, desconfiamos até da nossa sombra. Não podemos negar, menos ainda esquecer, que temos entre nós os mais habilidosos chantagistas do País. Muitos de nossos colaboradores andam olhando atravessado para suas mulheres e filhos, comparam fisionomias, gestos, hábitos...

Agora estamos numa enrascada dos diabos. Nossa audiência despencou de 75 pontos tempos atrás para os minguados vinte e pouco de hoje. O povo já não assiste aos nossos telejornais como antigamente, os gatos pingados que ainda se ligam na nossa programação parece que estão assistindo e peidando. A cada rodada de pesquisas, o "ex" sobe, os nossos caem, são cada vez mais rejeitados.

Já tentamos de tudo. Os nossos justiceiros estão fazendo seus papéis. O povo pede a prisão de todos os corruptos. Mas, como?! Não dá pra mandar pra cadeia gente como Aécio, Serra, Alckmin e tantos outros. Outro tanto já deu sua cota de sacrifício. Estão todos felizes, já estão até tirando as tornozeleiras, sabem que nada mais pode acontecer a eles. 


A nós só interessa o espetáculo das prisões de petistas autênticos, nossos verdadeiros inimigos. Querem que a gente prenda um Aécio desses?! Tá louco, sô! Aécio não é um Dirceu qualquer. Querem que a gente prenda um Serra, um Alckmin ou mesmo um Azeredo? Ora, a lei não obriga a que sacrifiquemos a nós mesmos. Azeredo, por exemplo, foi condenado em primeira instância, mas a coisa pode demorar tanto a ser resolvida na segunda instância que dá até pra prescrever. Quem sabe o infeliz bucha morre antes de prescrever, hein?!

Te liga, usurpador! Te cala, coisa ruim!

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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