por Dioclécio Campos Júnior
Duas pandemias assolam o Brasil de hoje. Uma de origem suína. Outra de origem humana. A primeira tem nomes diferentes. Ora é gripe, ora influenza A. A segunda, um só. É a violência. A doença que vem do porco é causada por vírus. Um micro-organismo difuso, mal conhecido, que se espalha pelo ar e se transmite também pelas mãos. Gosta do frio e dos jovens. Tem marca registrada, H1N1. Vem de fora. Foi importado. Chegou no período da crise econômica em que os brasileiros tinham parado de importar. Venceu o cerco sanitário e instalou-se entre nós.
Já a pandemia de violência que vivemos tem natureza diversa. É a expressão de uma doença social que se expande muito no Brasil. Por ser variante brasileira, deveria chamar-se violenza B. Tem causas conhecidas e se difunde mais facilmente que a gripe suína. Circula livre há muito tempo, já não causa pânico. A sociedade habituou-se a conviver com ela. Ninguém deixa de viajar por conta do risco de ser alvo da violenza B. Nem as aulas têm início protelado para proteger os alunos contra as armadilhas do mal. Tampouco se aconselha as pessoas a evitarem as aglomerações humanas. É como se nenhum risco houvesse.
Da mesma forma que a influenza A, a violenza B gera muito emprego. Os agentes de saúde de uma equivalem aos agentes policiais da outra. As ambulâncias que transportam os cuidadores e as vítimas de ambas são as mesmas. As viaturas da polícia integram o equipamento contratado para fazer o cerco sanguinário à violenza B. Os hospitais estão superlotados, assim como as unidades prisionais. Mas nem o cerco sanitário nem o sanguinário conseguem conter o avanço das respectivas pandemias.
A população há de se adaptar à gripe suína. É questão de tempo. Perderá o medo. Não se emocionará mais com as mortes registradas. Seguirá na automedicação, cujo efeito placebo beneficia o psiquismo e enseja a autoilusão.
Assim ocorre com a violência. Ninguém mais se apavora. Instalam-se câmeras ocultas nos prédios, cercas eletrificadas nas casas, contratam-se seguranças e criam-se pit bulls. A indústria agradece e a violência só cresce.
Para as duas pandemias há a perspectiva de uma vacina específica. A porcina está prestes a se tornar disponível. Haverá filas nas unidades de saúde para a imunização em massa. A vacina contra a violenza B tem composição mais complexa. É uma mistura de antígenos da desigualdade social. Aplicada à sociedade, gerará anticorpos capazes de neutralizar a violência. As iniquidades desaparecerão, as oportunidades serão iguais para todos os indivíduos. Talvez por isso não se admita tal vacinação no Brasil, apesar de ser conhecida há muito tempo e de ter eficácia comprovada. Os beneficiários da desigualdade social entendem que a violência a que se expõem é menor que os privilégios de que desfrutam. Rejeitam a vacina. Preferem ações curativas às medidas de prevenção.
A gripe suína tem assustado pelas mortes que provoca. Já são mais de 300 em cinco meses de circulação do vírus nas terras tupiniquins. Preocupa, ademais, as autoridades o fato de que a doença atinge mais diretamente a população jovem, com muitos óbitos entre mulheres grávidas. São as particularidades do novo agente viral que passam a ser mais bem conhecidas.
A pandemia de violência não assusta tanto. Está entre nós há décadas. Tem características próprias, todas do nosso conhecimento. Seu alvo preferencial é também a população jovem. Estudo recente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro estima que, mantida a pandemia de violência no país, 33 mil jovens e adolescentes serão assassinados no Brasil até 2012. Ou seja, uma média de 11 mil óbitos por ano. Vale dizer que a violenza B mata bem mais que a influenza A. Mesmo as jovens grávidas são frequentemente vítimas de balas perdidas ou de outras tragédias que tais, repetindo peculiaridade epidemiológica da influenza A.
O Ministério da Saúde tem atuado com afinco para conter os estragos potenciais da pandemia de origem suína. O mesmo não se pode dizer das outras pastas às quais cabe reverter a terrível pandemia de violenza B, de origem humana, que acomete o país. Claro que sozinhas podem pouco. Mas, têm condições de desencadear campanha para a vacinação da sociedade contra as desigualdades geradoras de tanto sofrimento. Caso não adotem a estratégia recomendada, aumentará o número de cidades que optarão pelo toque de recolher para jovens. E as pessoas só deverão sair às ruas com coletes à prova de bala, única máscara com algum efeito protetor contra a violenza B.
Dioclécio Campos Júnior
Médico, professor titular da UnB e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
[email protected]
http://www.guiasaojose.com.br/novo/coluna/index_novo.asp?id=3168
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