O fim da era Arafat significa a redução do papel da Rússia no Médio Oriente?

O fim da era Arafat coloca Moscovo perante um dilema e concede-lhe também novas possibilidades. Esta nova possibilidade consiste no facto de a Rússia poder afirmar-se como elemento importante no diálogo israelo-palestiniano, elemento que será mais neutro do que a União Soviética pró-árabe e mais seguro do que a administração americana unilateralmente orientada.

O dilema consiste em como realizar o objectivo colocado. É necessário fazê-lo respeitando a herança política de Arafat; ao mesmo tempo, a Rússia não deve opor-se aos aliados dos árabes e pôr em causa as relações do Presidente Vladimir Putin com George Bush. Este dilema tem-se colocado perante o Kremlin desde o fim da guerra fria. Mas depois do atentado terrorista praticado em Setembro contra a escola de Beslan ele pôs-se de maneira especialmente premente, dado que Putin proclamou que todos os terroristas internacionais eram seus inimigos.

Para aproveitar a possibilidade surgida, será necessário pôr em prática uma diplomacia activa e, ao mesmo tempo, prudente. A Rússia necessitará da cooperação ou, pelo menos, da compreensão da Casa Branca nesta questão. É plenamente possível que a Rússia não o consiga. Então o falecimento de Arafat significará o fim da época da participação de Moscovo no processo pacífico. A morte de Arafat pode provocar o caos e, neste caso, a participação dos emissários russos será inteiramente desnecessária. Além disso, os EUA e Israel podem "afastar" a Rússia do processo negocial.

Isso causará enormes danos à frágil influência da Rússia no mundo e à sua ideia de si própria e, ao mesmo tempo, desacreditará e criará um perigo potencial para todos os esforços de paz. Independentemente das ambições pessoais de Putin, a Rússia está muito próxima geograficamente do Médio Oriente e empenhou demasiados esforços nesta região para ser simplesmente afastada dela.

Em 1948, o dirigente soviético José Estaline apoiou os esforços da ONU com vista à formação do Estado de Israel devido, principalmente, ao seu desejo de obter a sua própria ponta de lança nesta região instável nos primórdios da guerra fria. Pouco tempo após a direcção soviética passou para o lado do mundo árabe, estabeleceu regimes amigáveis no Médio Oriente e começou a prestar assistência militar à causa árabe. Mahmoud Abbas, que durante muito tempo era o número dois de Arafat e durante algum tempo se considerou sucessor do líder palestiniano, foi um dos milhares de árabes que adquiriram formação nas universidades ou outros estabelecimentos de ensino da URSS (Abbas defendeu uma tese científica sobre a história do sionismo no Instituto de Estudos Orientais de Moscovo).

O papel de Moscovo reduziu-se de certo modo depois da vitória de Israel em 1973 quando o Egipto caiu na esfera dos interesses da política americana. Quando se iniciou a desintegração da União Soviética, Moscovo tornou-se em 1991 fundadora da Conferência de Madrid, que levou pela primeira vez Israel e a Palestina à mesa de conversações. A Rússia continuou a ser medianeira oficial no processo de regularização, no entanto, depois da desintegração da URSS que reduziu a influência global e as possibilidades financeiras de Moscovo, o seu papel tornou-se ainda menos significativo.

A Rússia intensificou a sua participação neste processo em 2003, ano em que foi assinado o plano Roteiro da Paz, que previa medidas para a formação do Estado Palestiniano. O então ministro dos Negócios Estrangeiros Igor Ivanov ajudou a realizar as conversações em formato quadrilateral com a participação da Rússia, EUA, ONU e União Europeia.

Enquanto isso, a atitude da Rússia para com Israel tornou-se menos hostil. Ela renunciou ao anti-semitismo, estimulado anteriormente pelo Estado. O fim das limitações à emigração deu aos cidadãos russos a possibilidade de partir livremente para Israel. Ao mesmo tempo, aumentou a hostilidade dos habitantes da Rússia e dos seus dirigentes em relação aos extremistas islâmicos, pois a década de guerra na Chechénia provocou toda uma série de actos terroristas contra a população civil do país.

Depois do ataque de 11 de Setembro aos EUA Putin fez a sua escolha e juntou-se a Bush na sua guerra contra o terrorismo, o que levou à reconsideração da política de Moscovo no Médio Oriente. A tomada de reféns em Beslan reforçou ainda mais a escolha de Putin. A Rússia ampliou os contactos com os serviços israelitas de segurança na luta contra os terroristas kamikazes. Putin declarou que a Rússia se encontrava em estado de guerra contra todos os terroristas internacionais. Isso significou que até mesmo as forças que a Rússia considerava em luta por uma justa causa, inclusive os palestinianos, foram colocados no mesmo plano que os combatentes da Chechénia. Putin apoiou Bush durante as eleições dizendo que os terroristas procuravam afastar Bush do poder e elogiou os americanos por eles não terem cedido ao medo.

No Médio Oriente, no entanto, a realização do Roteiro da Paz não progride. A ausência de Arafat quase não muda nada; depois de 40 anos de poder ele transformou-se num símbolo da causa palestiniana e os seus colegas aplicarão zelosamente a sua política. No entanto, muitos dos palestinianos e israelitas esperam que o sucessor de Arafat abra caminho a novas conversações.

A Jordânia e alguns países árabes insistem no aumento do papel da Rússia no processo de regularização pacífica, apesar da política de Putin na Rússia e da sua aproximação a Bush. Putin já falou sobre o aproveitamento das relações russas com os palestinianos e sobre o grande número de imigrantes de expressão russa em Israel dizendo que estes dois factores podem contribuir para o fortalecimento da confiança entre ambas as partes.

Bush, no entanto, que depois da sua vitória nas eleições ganhou nova confiança, pode considerar ter recebido um mandato para a aplicação de uma política ainda mais unilateral. Os EUA podem aproveitar-se do vácuo de poder para procurar promover os seus interesses na região. Putin pode prosseguir as tentativas de manter o papel da Rússia no Médio Oriente apoiando a política dos EUA. Neste caso, no entanto, ele terá de actuar com grande prudência para que os palestinianos não o considerem como lacaio de Bush.

Afinal de contas, o papel da Rússia dependerá dos palestinianos e dos israelitas. Se eles conseguirem transmitir pacificamente o poder uns aos outros, poderemos considerar realizada a maior parte do trabalho dos medianeiros internacionais nas conversações.

Angela Charlton © RIAN

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