Caos ou estabilidade depois de Arafat?

Foi assim durante quarenta anos, assim é e, talvez, assim será ainda por muito tempo. A doença grave do líder palestiniano Yasser Arafat reacendeu os debates sobre a evolução da situação na Autoridade Palestiniana e sobre o que a espera: o caos ou a estabilidade? Haverá ou não progresso na regularização do longo conflito israelo-palestiniano?

A situação é, sem dúvida, complexa, pois existem muitos factores que a influenciam. O único ponto em que convergem todos os observadores e analistas é que não existe entre os palestinianos outra figura igual a Arafat.

Yasser Arafat é um grande político e isto reconhecem tanto os seus partidários como os adversários. O presidente do Congresso Hebraico Russo e presidente do Instituto para os Problemas de Israel e Médio Oriente, Evgueni Satanovski, que não pode ser suspeito de simpatias por Arafat, observou um dia ao observador da RIA "Novosti" que "Arafat é um homem surpreendente, único no seu género, grande personalidade no mundo árabe, grande líder do povo palestiniano, o homem que criou o povo palestiniano e criou também a Palestina". Convém acrescentar que Arafat foi primeiro político palestiniano a reconhecer oficialmente o direito de Israel a existir como Estado. Nos últimos anos a comunidade internacional de políticos e analistas dividiu-se em dois campos. Uns afirmam que Yasser Arafat é o maior obstáculo à paz na região, outros sustentam que é o único entre os palestinianos que pode alcançar a paz. Tanto uns como outros têm razão.

Em Dezembro de 2003 um alto diplomata russo revelou numa conversa com o observador da RIA "Novosti" ser impossível contar com o progresso nas conversações entre Palestina e Israel enquanto estiverem no poder Yasser Arafat e o primeiro-ministro Ariel Sharon. Ao contrário de Israel e dos Estados Unidos, a Rússia não pôde deixar de reconhecer a legitimidade de Yasser Arafat e o seu papel determinante e decisivo na solução do conflito entre dois países adversários. Moscovo compreende bem que Arafat e a sua influência sobre os palestinianos irão desempenhar um papel decisivo na Palestina não só enquanto ele estiver vivo, mas também durante muito tempo após à sua morte.

Parece impossível contestar a opinião do líder do movimento de paz de Israel, Uri Avner, de que "Arafat é o único homem que tem a autoridade moral necessária para firmar acordos de paz com Israel e, o que é ainda mais importante, fazer com que o seu povo os aceite. A questão de saber por que é que não o fez nos últimos tempos já é outra coisa. Contudo, nenhum político palestiniano tem legitimidade suficiente, apoio popular suficiente para não só para alcançar acordos com Israel mas ir ainda mais longe - quer dizer, levá-los à prática. Terá que passar muito tempo até que entre os palestinianos surja um novo líder equiparável a Arafat. Mas que líder será esse?.

Irina Zviaguelskaia, doutrora em Ciências Históricas, manifesta receios de que, talvez, o "novo Arafat" nunca venha a assinar qualquer acordo de paz. A propósito, a regularização pacífica representa um processo multifacetado e nem tudo depende dos palestinianos.

Em todo o caso, a curto prazo os palestinianos não irão pensar em conversações de paz. Nem tem sentido falar disso enquanto na Autoridade não houver um poder legítimo e firme. Arafat não tem herdeiros políticos, mas deixou algo mais importante - a Autoridade Nacional Palestiniana. A existência desta estrutura permite ter a esperança de que se consiga evitar o caos, ainda que certos distúrbios possam vir a ter lugar. Pelo menos, as principais forças políticas da Palestina declararam estarem interessadas em manter a estabilidade no território da Autoridade.

Os representantes do movimento islâmico HAMAS, conforme afirma o "site" "aljazeera.net", declararam que não irão minar as posições do partido de Arafat, FATH, na sociedade palestiniana. E isto tem a sua explicação, pois o HAMAS, tal como outras forças políticas da Palestina, não tem hoje nenhum líder que possa aglutinar e unir os palestinianos, sendo portanto preciso tempo para que tais líderes venham a surgir. Também pode acontecer que o prestígio do FATH, que nunca foi uma organização política monolítica e sempre teve à frente uma direcção com pontos de vista heterogéneos, acabe por reduzir-se sem Arafat.

Conforme uma sondagem de opinião efectuada em Junho de 2004 pela organização palestiniana "Jerusalem Media and Communication Center", 26,4 por cento dos palestinianos têm confiança no FATH e 21,7 por cento no HAMAS. A diferença - como se vê - não é grande, tendo em conta que a popularidade do FATH reflecte o prestígio de Yasser Arafat. Confiam nele 23,6 por cento da população. Depois de Arafat segue-se o ex-dirigente do FATH na Cisjordânia, Marwan Barguti, com quem simpatizam 6,3 por cento dos palestinianos. Mas este líder está agora em prisão perpétua em Israel. O ex-primeiro-ministro da Palestina, Mahmoud Abbas (Abu Mazen) a quem os analistas predizem o lugar de Arafat, arrecadou apenas 1 por cento das preferências, um pouco menos que um outro companheiro de luta de Yasser Arafat, Saiba Arikata, que obteve 1,3 por cento das simpatias. O actual primeiro-ministro palestiniano, Ahmed Qurei, nem sequer faz parte das lista, provavelmente por ter obtido menos de um por cento de simpatizantes.

A popularidade dos representantes do HAMAS também não é famosa, situando-se entre 1 e 3 por cento. Na falta de um líder único, a direcção colectiva apresenta-se como uma saída para os palestinianos, pelo menos até que sejam realizadas eleições na Autoridade Palestiniana. Para dizer a verdade, neste caminho há muitos obstáculos. Poderão ou não os principais políticos apaziguar as suas ambições insaciáveis na luta pelo poder? Irão entrar ou não em conflito para obter acesso às finanças da Autoridade? Também será difícil harmonizar duas linhas diametralmente opostas, que são a via laica e a via islâmica de desenvolvimento e os níveis diferentes de compromisso com os israelitas, tanto mais que terceiras forças - digamos, os Estados Unidos, Israel, países árabes - interferem constantemente nos assuntos internos. No que respeita à Rússia, o seu papel neste processo complexo, quando cada uma das partes quer comer o maior "pedaço do bolo", parece resumir-se à busca de compromissos entre as partes envolvidas. A União Europeia parece gravitar também para o lado da Rússia neste conflito.

Neste momento a estabilidade é vantajosa e convém a todos. No entanto, a situação, vista em profundidade, continua explosiva. Tanto os palestinianos como os israelitas têm pela frente novas e novas crises de poder, novos distúrbios, novas perturbações e novos compromissos. Afinal foi esta a via escolhida por Yasser Arafat e pelos responsáveis israelitas.

Marianna Belenkaia observadora política RIA "Novosti"

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