A CRISE DO LIBERALISMO RUSSO SEGUNDO MIKHAIL KHODORKOVSKI

Na edição de 29 de Março do jornal "Vedomosti" foi publicado o artigo de Mikhail Khodorkovski, ex-presidente da direcção e principal proprietário da companhia petrolífera YUKOS, actualmente em prisão preventiva, em que ele analisa o actual estado dos partidos de direita na Rússia.

O liberalismo russo - assinala o autor do artigo - atravessa uma crise: actualmente não restam dúvidas disso. Se há um ano me tivessem dito que a União das Forças de Direita (UFD) e o Yabloko não superariam a barreira dos 5 por cento nas eleições parlamentares de Dezembro, eu teria duvidado seriamente das capacidades de análise e previsão do meu interlocutor. Actualmente o fracasso da UFD e do Yabloko é uma realidade, pois estamos a assistir a uma capitulação evidente dos liberais. E esta capitulação não é apenas culpa dos liberais, mas também o seu infortúnio. Ela é consequência do seu medo do passado milenário temperado com um forte hábito pelo conforto da vida, adquirido na década de 90, do seu servilismo arreigado ao nível genético, da sua disposição de esquecer a Constituição para poder obter mais uma porção de esturjão com especiarias. Assim foi e assim continua a ser o liberal russo. A causa da crise do liberalismo russo - escreve o articulista - não reside nos ideais da liberdade, mesmo que compreendidos por todos à sua maneira.

Todos aqueles que receberam do destino e da história a missão de ser guardiões dos valores liberais na Rússia não conseguiram cumpri-la. A UFD e o Yabloko perderam as eleições não porque tivessem sido desacreditados pelo Kremlin, mas porque foi a primeira vez que o Gabinete do Presidente não os ajudou, pondo-os ao mesmo nível das outras forças da oposição. Irina Khakamada obteve os seus famosos 3,84 por cento dos votos nas presidenciais não contrariamente à máquina administrativa do poder, mas graças em muito ao grande interesse do Kremlin pela participação do maior número de cidadãos nas eleições.

Não quero dizer que Tchubais, Gaidar e os seus correligionários tenham colocado perante si o objectivo de enganar a Rússia. Muitos dos liberais da época de Eltsin eram pessoas sinceramente convencidas da justeza do liberalismo e da necessidade da revolução liberal num país cansado, que praticamente nunca conhecera os encantos da liberdade. Mas os liberais, que obtiveram subitamente o poder, encararam a própria revolução de maneira excessivamente superficial, para não dizer levianamente. Eles pensavam em melhorar as condições de vida e de trabalho de 10 por cento dos cidadãos russos dispostos a realizar decididas mudanças, recusando o paternalismo do Estado, e esqueceram os restantes 90 por cento. Na maioria dos casos, encobriam com enganos os trágicos fracassos da sua política. Fechavam os olhos à realidade social russa quando realizavam à pressa privatizações, desprezando as suas consequências sociais negativas e qualificando-as afectadamente de honestas, justas e sem problemas.

É sabido o que hoje pensa a população das "grandes" privatizações. Na década de 90 ninguém se ocupou das reformas da educação, da saúde pública, dos serviços municipalizados e do apoio às camadas pobres da população, das questões de cuja solução dependia e depende a vida da enorme maioria dos nossos concidadãos.

Portanto, a hora de expiar a culpa soou. Nas eleições de 2003 o povo disse sem lágrimas de pesar o seu firme "adeus!" aos liberais oficiais. E mesmo os jovens, a respeito dos quais os liberais pensavam que apoiariam as ideias da UFD e apoiassem inteiramente Tchubais, mais ainda, até estavam certos disso, votaram a favor do Partido Liberal-Democrático e do partido Pátria. Os resultados das eleições foram uma bofetada contra o famigerado abismo que se formara entre os liberais que estavam no poder e o país.

E onde se encontravam nessa altura os grandes homens de negócios? Estavam ao lado dos governantes liberais. Ajudávamo-los a cometer erros e a mentir. Claro que nunca manifestávamos admiração pelas autoridades. No entanto, não lhes objectávamos, temendo perder o nosso pedaço de pão.

O que podemos e devemos fazer hoje? Citarei - escreve Khodorkovski - alguns pontos prioritários: aprender a procurar verdade na Rússia e não no Ocidente; renunciar às insensatas tentativas de pôr em dúvida a legitimidade do Presidente; deixar de mentir a nós próprios e à sociedade; reconhecer que o projecto liberal na Rússia só pode ser realizado no contexto dos interesses nacionais; legitimar as privatizações e obrigar o grande mundo de negócios a compartilhar /os seus lucros/ com o povo; empregar o nosso dinheiro e capacidades na criação de instituições sociais completamente novas, não manchadas pela mentira do passado.

Nós próprios temos de mudar para mudar o país. Para convencer a Rússia da necessidade e da inevitabilidade do vector liberal de desenvolvimento, é preciso acabar com os complexos e fobias da década passada e com toda a história já muito conhecida do liberalismo russo - diz em conclusão o autor do artigo.

Resenha da RIA "Novosti":

O ex-presidente da YUKOS, Mikhail Khodorkovski, foi detido a 25 de Outubro de 2003. É acusado com base em sete artigos do Código Penal da Federação Russa. São-lhe incriminados, em particular, o desvio de bens alheios na composição de um grupo organizado, o não cumprimento insidioso da decisão do tribunal, a fuga aos impostos em grandes dimensões. A 19 de Março o tribunal do distrito de Basmannyi de Moscovo prorrogou a sua detenção até 25 de Maio. O próprio Khodorkovski não reconhece a sua culpa. A 3 de Novembro passado pediu demissão do cargo de presidente da direcção da companhia petrolífera YUKOS.

Comentário da RIA "Novosti":

A VOZ QUE CLAMA DA PRISÃO

Raissa ZUBOVA, observadora da RIA "Novosti"

À primeira vista, é difícil perceber os motivos da publicação do texto de Mikhail Khodorkovski "A Crise do Liberalismo na Rússia" no jornal "Vedomosti". A sua declaração não pode ser qualificada como um apelo voltado para o futuro ou como uma nova voz na análise da situação política da Rússia. A constatação dos actuais problemas e o fastidioso desmascaramento da política errada dos anteriores governos liberais orientados para a economia de mercado - tudo isto já veio tarde e é secundário apesar de algumas expressivas passagens próprias de um publicista.

O fracasso dos liberais russos foi analisado há já muito e reiteradas vezes, logo depois das eleições parlamentares de 7 de Dezembro e das presidenciais de 14 de Março. Esta análise foi feita pelos melhores politólogos da Rússia e pelas próprias vítimas do fiasco. O ponto de vista de Khodorkovski não acrescenta de facto nada de novo à análise da situação. Certas apreciações críticas especialmente maldosas feitas pelo homem de negócios detido em relação às forças de direita da Rússia parecem injustas e não muito éticas na boca deste magnata. Ora, de toda a sociedade russa só os representantes das forças de direita ousaram levantar as suas vozes, mesmo que não muito fortes, em defesa do chefe detido da YUKOS.

E por que razão o magnata chegou de repente à nítida compreensão da situação? Ora, ele próprio foi activo participantes e beneficiário das injustas privatizações, das reformas realizadas a favor dos 10 mil pessoas pertencentes à elite e de muitos outros fenómenos ocorridos no decurso da "década selvagem " de 90. É difícil acreditar que o magnata Khodorkovski, citado recentemente pela revista "Forbes" como o homem mais rico da Rússia, não tenha sabido ao longo de toda a década de 90 o que ocorria realmente no país.

A amarga verdade consiste em que hoje todos - tanto a sociedade russa como o estrangeiro - esqueceram-se do homem de negócios Mikhail Khodorkovski que sofre na prisão preventiva "Matroskaia tichina". Em Outubro do ano passado as forças de direita imaginavam de maneira diferente o futuro próximo. Naquela época elas pensavam que a detenção de Khodorkovski iria minar os mercados financeiros, provocar uma brusca queda dos investimentos estrangeiros e criar uma tensão nas relações da Rússia com o Ocidente. Alguns audaciosos analistas qualificavam Khodorkovski como a única candidatura das forças de direita às eleições presidenciais.

Mas o desenvolvimento real da situação foi diferente: a economia da Rússia fortaleceu-se, o mercado torna-se cada vez mais atraente para os investidores estrangeiros, as posições do Presidente Putin consolidaram-se. O estrangeiro, que considera os seus próprios assuntos mais importantes do que os problemas relacionados com o estado de espírito dos magnatas da Rússia, não critica muito o Kremlin pelos sofrimentos prisionais de Khodorkovski. Verificou-se que a sociedade russa está ocupada igualmente pelas suas próprias preocupações e interesses - a princípio pelas eleições parlamentares e, a seguir, pelas presidenciais, pela demissão do Governo e pela nomeação do outro, pelo novo programa de reformas. Depois das eleições alguns partidos saboreiam os frutos da sua vitória e outros analisam os seus erros. Quanto ao caso da YUKOS e dos magnatas presos, todos parecem ter-se habituado a estes factos.

Possivelmente, a essência do assunto está em que o artigo de Khodorkovski faz lembrar uma carta de arrependimento em que se lê nas entrelinhas: "Tomei consciência de tudo e prometo corrigir-me". As conclusões expostas no artigo de Khodorkovski são muito sensatas e devem ser apreciadas pela direcção do país. Ele sugere que é necessário deixar de olhar para o Ocidente e a Europa e apoiar--nos nas nossas próprias tradições e interesses nacionais, prestar atenção à fuga de cérebros, legitimar os resultados das privatizações (mesmo que com certas perdas para os homens de negócios), pôr fim às tentativas de desacreditar Putin, etc. O artigo não mostra as pretensões políticas do magnata, embora a própria situação - a carta é publicada num jornal pró-ocidental - predisponha o leitor para o tema do protesto e da "luta contra a tirania". Mas o artigo não contém nenhuma alusão a qualquer nova ordem do dia para as forças de direita nem ao desejo de Khodorkovski de apanhar a "bandeira da liberdade" deixada cair pelos liberais. Em geral, o tom do artigo não é arrogante em relação a Putin. Sente-se que o autor recomenda ao Ocidente que aceite o Presidente Putin.

Para que escreveu Khodorkovski este artigo? Os cínicos dirão que ele já está farto da prisão e de permanecer ali em pleno esquecimento e deseja sair em liberdade. Os idealistas opor-lhes-ão: Khodorkovski reflectiu e sofreu muito, deseja compartilhar os resultados das suas penosas reflexões e o futuro do país lhe não é indiferente. Os ulteriores acontecimentos permitirão, possivelmente, julgar dos verdadeiros motivos da publicação deste artigo.

A RIA "Novosti" pediu a alguns deputados do Conselho da Federação e da Duma de Estado para comentar o artigo de Mikhail Khodorkovski.

- "A posição do ex-chefe da YUKOS mudou e ele manifesta a disposição de dialogar" - foi assim que o presidente da Comissão Constitucional do Conselho da Federação, Yuri Charandin, comentou o artigo.

"Este artigo não contém um apelo directo aos homens de negócios para que mudem as regras do jogo, mas expressa a posição evidente do autor sobre a necessidade de mudar as relações entre os empresários e as autoridades" - salientou o senador.

Charandin lembrou que no seu artigo Khodorkovski "declara inequivocamente que os grandes empresários devem compartilhar os seus lucros com a população". "Qualifico isso como um entendimento evidente entre o empresário e o Presidente" - disse o senador.

Segundo Charandin, depois da leitura do artigo fica-se com a sensação de que ele foi escrito por um homem completamente diferente. "Mikhail Khodorkovski continua a sustentar a posição de que o principal objectivo dos homens de negócios é fazer dinheiro, mas ele progrediu na compreensão de que na Rússia só poderá haver actividade empresarial se existir a própria Rússia" - disse ele.

É significativo também o facto de Mikhail Khodorkovski ter decidido divulgar as novas conclusões a que chegou. "Ao ler o artigo torna-se claro que na concepção do mundo deste grande homem de negócios se operaram mudanças muito sérias" - disse Charandin.

Ao assinalar que o artigo não tem nada a ver com o componente jurídico do processo criminal contra o ex-chefe da YUKOS, Charandin salientou, porém, que este artigo pode mudar, em geral, as relações entre as autoridades e os meios de negócios.

"Se as autoridades e os meios de negócios (aliás, estes últimos num maior grau) estudarem com atenção o artigo, poderão tirar dele muitas conclusões" - considera o senador.

- A actual declaração de Mikhail Khodorkovski é o último prego cravado na tampa do caixão do liberalismo russo, proclamado e introduzido "à força" e realizado de forma estúpida. Esta opinião foi expressa por Valeri Draganov, presidente da Comissão de Política Económica, Actividade Empresarial e Turismo da Duma de Estado. Segundo as palavras do parlamentar, "ao ler o artigo sinto uma confusão, pois tudo que Khodorkovski disse tenho-o dito há já alguns anos aos meus eleitores. Quanto ao fracasso do liberalismo e à sua identificação com os métodos do bolchevismo segundo, já falei disso muito antes do actual artigo".

Draganov deseja saber se as ideias expressas por Khodorkovski são forçadas e surgidas em consequência dos seus sofrimentos na prisão ou ele chegara a esta conclusão em resultado de anteriores reflexões. "Estou certo de que ele próprio já pensara nisso, mas por que não assumiu esta posição anteriormente?" - pergunta o deputado. O presidente da comissão da Duma de Estado disse que durante muito tempo Khodorkovski considerou que os chamados liberais eram mais inteligentes e clarividentes e que lhes pertencia a missão de reformar a Rússia.

Ao mesmo tempo - chama a atenção o deputado - existe a noção das reformas que devem ser respeitadas e que as transformações económicas globais não podem ser realizadas em poucos meses.

"Em 1999, conseguimos insistir, graças a Deus, embora com um certo atraso, no actual formato das reformas económicas, sociais e políticas, pois "ainda no início da década de 90 sofríamos em consequência das políticas desastrosas" - salientou o parlamentar.

- O artigo de Mikhail Khodorkobvski é "uma declaração interessante acerca da sua futura vida política". Esta opinião foi expressa por Dmitri Rogozin, líder do grupo parlamentar do bloco Pátria na Duma de Estado. "A julgar pela sua declaração, Khodorkovski tenciona candidatar-se à presidência nas eleições de 2008, claro que se a sua pena de prisão for inferior a 4 anos" - considera Rogozin.

As vias de consecução do liberalismo no país, propostas por Khodorkovski no referido artigo, representam de facto um plano de constituição de um partido liberal de novo tipo que o próprio ex-magnata deseja formar. Eu, no entanto, "não creio que a ideologia liberal tenha possibilidade de voltar de novo ao poder - prosseguiu o deputado. - Ela existirá na Rússia dentro dos limites de 7 a 8 por cento" - acrescentou Rogozin.

Segundo o deputado, "não o interessam" as sete vias propostas por Khodorkovski no seu artigo. "Considero estas propostas como um campo minado através do qual já passou uma manada de vacas com todas as consequências que houve depois disso" - disse figuradamente o deputado. Ao mesmo tempo, Rogozin concordou com a ideia do ex-proprietário da YUKOS acerca da sua renúncia às "insensatas tentativas de pôr em dúvida a legitimidade do Presidente". "Na minha opinião, ele disse uma coisa muito curiosa e interessante, pois as eleições de 14 de Março mostraram que hoje em dia não há oposição real nem nenhuma alternativa a Putin" - salientou Rogozin.

© RIAN

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