Condenados pela História

A mediocridade da nossa democracia — juntamente com a intenção de alguns em mantê-la — produz "reportagens" como a do jornal O GLOBO desta quinta (14/4), acerca do governo Chávez e sua relação com a imprensa. Por Gustavo Barreto, abril de 2005 Manchete do jornal O GLOBO, editoria de Internacional, de 14/4/2005: "Condenada jornalista que criticou governo Chávez"; Chamada: "Justiça sentencia Patricia Poleo, do ‘El Nuevo País’, a seis meses de prisão por difamação".

Daqui pra frente, a matéria já perdeu grande parte dos leitores. Mas vamos continuar.

Do texto: "Em outubro de 2004, a jornalista publicou uma foto de um militar ao lado de um cadáver, durante a violenta revolta ocorrida em 27 de novembro de 1992. Na reportagem do ano passado, o jornal antichavista assegurou que o militar fotografado era o atual ministro do Interior, informação negada por Chacón durante o julgamento."

A jornalista admite que estava errada, mas "se recusou a pedir desculpas, pois considerou que o governo do presidente Hugo Chávez tentou silenciar informações sobre o levante militar orquestrado no mesmo ano que o presidente comandou um golpe de Estado contra o então presidente Carlos Andrés Pérez". Então, mesmo que ela tenha difamado levianamente o atual ministro do Interior, não se desculpa. Em vez disso, faz outra acusação que, logicamente, não cabe ao tribunal julgar naquele momento.

É mais ou menos como se alguém te desse um soco e você questionasse: "Mas eu não mereço um soco" e a resposta fosse "eu sei, mas você não me diz nada sobre possíveis motivos que fariam você merecer um soco, logo eu não me arrependo de ter te dado um soco".

Olha que interessante: a jornalista pode recorrer e — citando O GLOBO — , "mesmo se o tribunal ratificar a condenação, a jornalista não corre o risco de terminar atrás das grades, pois as leis venezuelanos prevêem medidas menos rigorosas para casos inferiores a cinco anos de prisão". O que o jornal diz é que ela não será presa em hipótese nenhuma. Responda cada um, para si mesmo: a manchete e a chamada são condizentes com os fatos ou são desonestas, imparciais e um exemplo de jornalismo marrom?

Aí o pai da jornalista manda ver, lá de Madrid, reforçando o que na verdade as ORGANIZAÇÕES GLOBO querem dizer, mas nunca conseguem, porque não é real: "Patricia admitiu que havia cometido um erro, como pode acontecer com qualquer jornalista. A Venezuela está vivendo uma ditadura. Daqui a pouco teremos de criar um código especial de comunicação com nossos leitores".

A cara de pau é tanta que, lá pelas tantas, O GLOBO "rebate" — não usa interlocutores para isso — Chávez: "Já o presidente Chávez acusa os meios de comunicação de terem sido cúmplices do golpe de Estado que em abril de 2002 tentou derrubar o governo. De fato, na época, os principais canais de TV e jornais do país respaldaram o efêmero governo de Pedro Carmona, que, entre outras polêmicas iniciativas, dissolveu o Congresso Nacional. Com este pano de fundo, desde que retornou ao poder e, sobretudo, desde que venceu o referendo realizado em agosto de 2004, Chávez fechou cada vez mais o cerco à imprensa".

Quer dizer o seguinte: quando é o governo Chávez que faz, trata-se de "fechar o cerco à imprensa", com medidas que lembram "uma ditadura" e são — citando — "uma série de iniciativas consideradas um atentado à liberdade de expressão por organizações locais e internacionais". Mas quando é a oposição — leia você mesmo —, trata-se de "polêmicas iniciativas". Para O GLOBO, dissolver o Congresso Nacional é uma iniciativa polêmica. Claro que não cabe a mim lembrar que este tipo de iniciativa foi apoiada por meios de comunicação da GLOBO tanto durante o nosso período de maldades nacionais, no regime militar, quanto no caso recente da Venezuela, com o respaldo do Jornal Nacional (por exemplo).

A matéria é um posicionamento claro, transparente, mas fantasiado de reportagem "jornalística". Depois, para fingir que há uma opinião por trás da "isenção", solta uma notinha na mesma página:

"VAI DE vento em popa o plano do presidente Chávez de fazer de cada venezuelano um miliciano armado para combater qualquer força que se oponha à Revolução Bolivariana: cem mil pessoas, de todas as classes e profissões, já aderiram a esse exército paralelo a serviço do presidente. ALÉM DISSO, a Venezuela estaria comprando por atacado fuzis AK-47 — arma predileta de todas as guerrilhas mundo afora — helicópteros russos, barcos de patrulha espanhóis e até aviões brasileiros. POR QUE Chávez está militarizando o governo, ou politizando as forças armadas? Difícil acreditar que seja para fortalecer a democracia".

A mediocridade da nossa democracia — juntamente com a intenção de alguns em mantê-la — produz esse tipo de coisa. Cabe aqui desprezar solenemente pessoas que, em suas eternas angústias diante dos avanços dos povos soberanos, acabam condenadas, mais cedo ou mais tarde, pela própria História.

_____________________________ Gustavo Barreto é editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ. Contato por e-mail: [email protected] _____________________________ Fontes

"Condenada jornalista que criticou governo Chávez". Jornal O GLOBO, 14/4/2005. http://oglobo.globo.com/jornal/mundo/167644456.asp

"Opinião: Para quê?". Jornal O GLOBO, 13/4/2005. http://oglobo.globo.com/jornal/mundo/167644459.asp

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X