Chechénia: Constituição ou Xariá?

As eleições para o Parlamento da Chechénia estão marcadas para Outubro de 2005 e, caso sejam realizadas, a república passará completamente para o "campo constitucional", considera o dirigente do Conselho de Estado da Chechénia, Taus Djabrailov.

Como checheno e dirigente do Conselho de Estado, este alto responsável quando refere o "campo constitucional" tem em mente a Constituição da Chechénia e não a da Rússia. Porém, isto não preocupa o Kremlin, já que na actual Constituição chechena não há nada que contradiga à da Federação Russa. Neste sentido a Chechénia já tem há mais de dois anos (desde o referendo nacional) uma nova Constituição que proclama a república como parte inalienável da Federação Russa e não se distingue portanto das duas dezenas de Leis Fundamentais das outras repúblicas do país.

O lema do "restabelecimento da legalidade e ordem constitucional" foi o objectivo fundamental em nome do qual o então Presidente da Rússia, Boris Ieltsin, enviou em 1994 contingentes federais para as montanhas e planícies da Chechénia. Para terminar de alguma forma esta guerra abominável, Moscovo menos de dois anos após o início da campanha militar teve que reconhecer de facto a saída da Chechénia do "campo constitucional" russo e conceder-lhe o chamado "estatuto adiado". Isto significa que os chechenos obtiveram da Rússia tais direitos que, por exemplo, a Geórgia não quer reconhecer às repúblicas rebeldes da Abkházia e Ossétia do Sul e a Moldávia ao Pridniestróvie. Acontece que algumas repúblicas da União Soviética, como por exemplo a Rússia, a Geórgia, a Moldávia tinham na sua estrutura territorial autonomias nacionais e, depois do fim da URSS, algumas destas autonomias proclamaram a independência. Havia para o efeito fundamentos jurídicos, pois nas constituições de então cada autonomia era designada por "Estado Socialista Soviético" e a sua incorporação em outras repúblicas e à União Soviética em geral era considerado como questão meramente voluntária.

No caso da Chechénia, a construção de um Estado independente malogrou. Se as repúblicas da Abkházia e da Ossétia do Sul, que depois dos conflitos sangrentos com a Geórgia obtiveram de facto a independência, conseguiram organizar em paz a economia, a esfera social, na Chechénia não houve nada disso.

Alguns europeus consideram que os dirigentes chechenos se guiaram pelos tratados de Emmanuel Kant e que o seu ideal de organização do Estado era a república democrática de tipo europeu. Na realidade tudo resultou ao contrário. Mal celebraram a vitória, as novas autoridades chechenas implementaram a Lei de Xariá e preconizaram a superioridade das leis islâmicas, que admitiam fuzilamentos em público e castigos com chicote.

Florescia o tráfico de pessoas e os novos dirigentes prosperavam com este comércio: por vários reféns ricos capturados em Moscovo e em outras regiões do país podia-se pedir facilmente alguns milhões de dólares. A democracia europeia não constituia o ideal de organização do Estado checheno: a organização política na república fazia mais lembrar a que existia na Península da Arábia nos tempos de Maomé. Certos chechenos sonhavam a sério repetir as façanhas do profeta na propagação da fé islâmica e criar um Califado Islâmico no Cáucaso, anexando os territórios adjacentes da Rússia. O chefe militar e mais tarde terrorista internacional Chamil Bassaev, que iniciava todos os seus discursos públicos com a expressão "Allah Akbar!" (Glória a Alá), invadiu com o seu bando e mercenários estrangeiros o Daguestão vizinho, apoderou-se de várias aldeias e localidades e resistiu por vários dias ao contingente federal e aos voluntários daguestaneses. Depois seguiram as explosões sucessivas em Moscovo e Volgodonsk, com centenas de vítimas, atentados terroristas em aviões, sequestro dos reféns em Beslam e um sem número de outras acções terroristas.

Portanto, a segunda guerra chechena tornou-se inevitável. Começou no Outono de 1999 e desenvolveu-se com mais êxito do que a primeira tanto para Moscovo como para os chechenos que não defendiam as leis islâmicas. Depois de o Exército russo derrotar as principais forças dos separatistas, as leis federais começaram a ser implementadas de novo na República Chechena. E em vários anos este processo progrediu de tal maneira que tornou possível no início de 2003 aprovar através de referendo a nova Constituição da república, mais harmonizada com a Lei Fundamental da Federação Russa e no final do mesmo ano eleger o Presidente, cujo cargo foi assumido por Ahmad Kadyrov. Esta era uma figura de compromisso: houve quem o caracterizasse como "homem do Kremlin", mas por outro lado Ahmad Kadyrov tinha sido outrora chefe militar e mufti (líder religioso) da Chechénia e chegou a bater-se contra a Rússia pela independência do seu país.

Ahmad Kadyrov morreu em Maio de 2004 vítima de um atentado terrorista e em finais de Agosto do mesmo ano o general Alu Alkhanov, que dirigia o Ministério do Interior da Chechénia, foi eleito Presidente. Contrariamente a Ahmad Kadyrov, o novo líder nunca foi separatista, nem líder religioso, nem conhecedor das Leis de Xariá. Graças a uma vasta experiência de trabalho nos órgãos policiais, Alu Alkhanov conhece bem a legislação civil da Rússia, compreende a sua essência e está disposto a pô-la em prática. "Dentro de um ano a Chechénia voltará a ser unidade administrativa da Federação Russa", declarou o general no dia da tomada de posse. Nem um ano passou sequer desde então, mas as mudanças que se têm verificado nos ânimos dos chechenos, são manifestas. Com efeito, o novo Presidente centrou-se em transformar a Chechénia "numa região comum" da Rússia e soube contagiar muitos com a sua energia inesgotável.

Há pouco Alu Alkhanov encaminhou à Comissão do Distrito Federal Sul o projecto de acordo sobre a delimitação de competências entre as autoridades regionais e federais. A essência deste documento consiste em formar na Chechénia, devastada e enfraquecida pela guerra, uma base tributária indispensável para a reconstrução da república e o desenvolvimento económico. A propósito, até há pouco os chechenos nem tinham dinheiro para pagar a luz e o gás. Quando a república dispuser dos seus próprios meios financeiros, será imprescindível formar o Parlamento de que falou o dirigente do Conselho de Estado, Taus Djabrailov. Será também necessário formar o Orçamento, controlar a sua execução, implementar a política tributária. De contrário, não é possível vir a ser uma "região comum" da Federação Russa e recolocar-se no "espaço constitucional", que atrai muito mais a maioria dos chechenos do que as leis islâmicas medievais misturadas com o tráfico de pessoas e o terrorismo internacional.

Yuri Filippov observador político RIA "Novosti"

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