Ser mulher é uma questão de risco na Guatemala
Guatemala (Prensa Latina) A violência e a criminalidade contra as mulheres, meninas e adolescentes no Guatemala cresce por dia, enquanto defensores dos direitos humanos e até autoridades estatais instam a deixar a indiferença e a inação ante essa realidade.
Parece que a maior parte das pessoas permanecem impávidas ante o que ocorre com as mulheres; a indiferença e a inação as estão minando como corpo social; o sentido de indignação deve fazê-los reagir e actuar em consequência, pediu a Procuradoria dos Direitos Humanos (PDH).
Por sua vez, a Defensoría dos Direitos Humanos da Mulher reconheceu que as estatísticas são alarmantes e provam o ritmo crescente que mantém esta problemática, sem que acabem de se conseguir avanços significativos quanto à investigação e à sanção deste delito.
Guatemala conta desde o ano 2008 com uma lei que qualifica o delito de femicidio; o de violência sexual, económica, ou outras formas de violência contra a mulher, e, ainda que regule julgados e tribunais especializados para tais delitos, pouco muda.
O país é um dos 25 do mundo nos quais se comete maior número de homicídios e qualquer forma de violência contra a mulher por questões de género, razões pelas quais também ocupa o lugar número 10 entre os 14 latinoamericanos incluídos nessa listagem, segundo ONU Mulher.
Casos de violência física e psicológica contra elas, de mortes violentas, de gravidezes produto de violações sexuais, bem como o uso permanente de seus corpos para imagens de publicidade sexista, são apenas algumas das violações quotidianas aos direitos sexuais e humanos deste sector.
De acordo com o Observatório do Grupo de Mulheres, desde o 2000 foram assassinadas quase 10 mil mulheres e 90 por cento desses crimes se mantém na impunidade, apesar de pequenos passos de formiga serem dados para acabar com a apatia deste quadro.
Relatórios do Ministério Público (MP), pela direção da promotora geral, Thelma Aldana, referem que de janeiro a novembro deste ano receberam 49 mil 397 denúncias por violência contra elas e que as assassinadas somaram 620.
Paralelo a isto a cada dia são milhares as que silenciosamente estão a ser agredidas, sobretudo em espaços familiares.
Golpes, abusos sexuais, psicológicos e económicos são quase uma forma de vida para as mulheres neste país, se considerarmos relatórios de até 12 agressões diárias e a incidência destes factos em oito em cada 10 lares.
Entretanto, analistas manifestam alerta pelo incremento dos sinais de criminalidade nos corpos das vítimas do que para muitos é uma pandemia.
Cada vez mais fica evidente que a violência contra a mulher na Guatemala tende a ser mais sangrenta, a idade das assassinadas diminuiu e os desmembramientos, enforcamentos e várias formas de tortura, são constantes.
Com o propósito de frear a impunidade ante esses casos o MP criou neste ano a 'Fiscália contra el Delito de Femicidio', e não obstante de reconhecer a prevalência de uma cultura de discriminação e de esteriótipos sexistas que permeia todas as instituições do setor de justiça.
Se antes da 'Ley contra el Femicidio y otras Formas de Violencia Contra la Mujer' não existiam condenações por estes crimes, desde 2008 até a data proliferaram as denúncias, mais apenas se conseguiram duas mil condenações.
'A cada dia a violência aumenta, deixando com isto cifras alarmantes de mulheres assassinadas, obrigadas a parir filhos, a viver em relações violentas e miseráveis, vivendo em relações doentes, tristes e com grande insegurança dentro de seus lares', denunciou o coletivo de Mujeres Artesanas de Paz.
E recordou que 'ser mulher não deve ser sinônimo de perigo, em nenhuma parte do mundo. Estamos fartas'.
OUTRAS FORMAS DE VIOLÊNCIA
'Em torno da mulher existem cinco territórios em disputa: o corpo, a terra, a natureza, a memória e a história, porque quem governaram-nos e quem nos governarão querem reescrever a história e seguir calando nossas lutas', reflexionou num diálogo com Imprensa Latina a deputada Sandra Morán.
A seu julgamento, 'a violência é e tem sido uma política de Estado, porque agora se fala de femicidios, mas as impressões que exibem os corpos das vítimas da violência são iguais às que subornavam, durante a guerra, os militares que naquela época treinavam os polícias guatemaltecos'.
Outras seguidoras do tema no país fazem questão de que tudo é parte de uma lógica sustentada por uma ordem machista e patriarcal, interpretado mal por quem não assume que o violador, o golpeador, o assediador de rua, o torturador e o assassino de mulheres, são variáveis do mesmo, em graus e formas diferentes.
Falsos moralismos vão associados a isto e amparam certos políticos, empresários, profissionais reconhecidos homens de todo o tipo que dizem defender às mulheres e contratam serviços sexuais de algumas, e inclusive de meninas, para violentarlas de dez mil maneiras.
Na Guatemala há 33 mil 800 vítimas de trato de pessoas, das que 70 por cento são mulheres e o 46 por cento menores de idade, assegurou o procurador dos Direitos Humanos, Jorge De León Duque.
Advertiu que este delito costuma andar oculto e atenta contra a dignidade das pessoas, afeta seu desenvolvimento e só se alimentam de quem recorre aos serviços daquelas que são captadas por essas redes sem parar mentiras na história de terror que existe por trás delas.
'As modalidades são variadas, como a prostituição, o turismo sexual ou a venda de meninos, mas, como em todos os casos de violações dos direitos humanos, há pessoas mais vulneráveis como as meninas, os meninos e as adolescentes', denunciou o servidor público.
Mas representantes de comunidades indígenas também vêem com preocupação que o Governo continua deixando as mulheres à sombra do subdesenvolvimento e violando seus direitos fundamentais, em particular às originarias, cuja existência está signada pelo racismo e a discriminação.
A falta de oportunidades para as mulheres é violência institucional, concordam ativistas de outras esferas e aseguram que a participação das mulheres em política continua sendo deficitaria.
O Registro Nacional de las Personas mostra que as mulheres constituem 50,6 por cento dos 17,1 milhões de habitantes da Guatemala, mas mal ocupam 0,7 por cento dos cargos de direcção e gerencias.
No entanto, o Estado também não dá importância à criação de uma política efetiva em favor da participação de nós nessa esfera e isso se expressa na escassa presença em órgãos de poder como o Congresso, onde de 158 deputados, apenas 23 são mulheres, afirmou a advogada Saknicté Racancoj.
A representante da Asociación de Abogados e Notarios Mayas de Guatemala recordou que de 238 postos de prefeitos, apenas nove estão em mãos de mulheres; enquanto na lista de carteiras ministeriais, estas só aparecem à frente de duas.
'O artigo dois da Constituição estabelece que o Estado deve garantir a vida, a liberdade, a justiça, a segurança, a paz e o desenvolvimento integral da pessoa, mas ainda é bastante pobre o reconhecimento às mulheres', sublinhou.
Racancoj questionou a eficácia do trabalho da Comisión de la Mujer del Congresso e da Defensoría de Mujeres Indígenas, e fez notar que, de 22 iniciativas legais promovidas, só cinco foram aprovadas em benefício deste grupo populacional.
Tudo isto é responsabilidade de um Estado patriarcal, racista, discriminador e, por demais corrupto, à margem de cuja existência devem ser impulsionadas campanhas em favor das mulheres, especialmente em benefício daquelas com potencialidades para cargos de relevância, concordam os consultados.
*Correspondente da Imprensa Latina
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