Intervenção do Deputado José Luis Ferreira (PEV)
Sessão solene do 25 de Abril
25 de Abril de 2016
Sr. Presidente da República
Sr. Presidente da Assembleia da República
Sr. Primeiro-ministro e demais membros do Governo
Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
Sr. Presidente do Tribunal Constitucional
Senhoras e Senhores Deputados
Valorosos Capitães de Abril
Senhoras e Senhores Convidados
25 de Abril, um dia feito de tantos dias e de tanto anos.
Tantos dias e tantos anos que foram precisos para chegar a esse abril, a esse 25.
Dias e anos de fome e perseguição, mas ainda assim, de resistência.
Dias e anos de censura e de silêncios decretados, mas ainda assim de esperança.
Dias e anos de exilio e de guerra e de destinos contrariados e tantas vezes sem regresso, mas ainda assim de sonhos e utopias.
De desejos de justiça, ainda que vigiados.
De sedes coletivas das liberdades e de paz, ainda que contidas.
De vontades de transformar, ainda que controladas.
Mas era afinal uma vontade grande que ali estava. Que aqui morava, neste jardim à beira mar plantado.
Uma vontade grande, muito grande, silenciada, porque havia sempre alguém à espreita.
Uma vontade escondida, guardada, protegida, num bolso vazio, numa algibeira rota, nuns pés descalços, nos olhos de uma criança com fome que trabalhava de sol a sol numa qualquer fábrica de um dos patrões do País, para ajudar o seu pai a pagar a renda da vida ao senhorio, o fascismo, mas que multiplicava o sofrimento da mãe que preferia vê-lo na escola e receava que tivesse o mesmo destino do irmão: a guerra colonial.
Uma vontade sentida num sentido abraço de dois amigos que se encontram numa qualquer esquina do exilio ou num brinde a dias melhores de camaradas que desgraçadamente o destino juntou no cruzamento das balas de guerras estranhas à sua vontade e aos seus interesses.
25 de Abril, um dia construído de tanto outros dias, de tanto outros anos que foram precisos para lá chegar.
Mas chegamos.
Chegamos a Abril e a Maio e ao resto do nosso futuro, com essa vontade e essa força e esse cheiro a cravos e esse desejo de ser pessoa, de ser cidadão livre e com direitos e de viver num país mais justo, onde a premissa maior seja a distribuição por todos da riqueza produzida e os recursos naturais por todos sustentavelmente partilhados.
E é essa vontade coletiva de construir um futuro para todos, em democracia e com justiça social, que importa prosseguir.
Um futuro que olhe para o ambiente e a qualidade de vida como direitos fundamentais de todos, condição de bem-estar, de equilíbrio e saúde e não como meras mercadorias para engordar os lucros de uns poucos.
Uma democracia que faça frente à crise ecológica que vivemos e que está a comprometer o ambiente e a própria sustentabilidade do futuro.
Uma crise sentida ao nível da desumanização das cidades.
Na destruição da floresta e do mundo rural.
No desordenamento do território.
Na desertificação e na erosão dos solos.
Na contaminação da água.
No desaparecimento das espécies.
Na perda de diversidade.
Nas violações consentidas das regras ambientais.
No desperdício energético.
Na segurança e na soberania alimentar.
No aumento das emissões de gases com efeito de estufa.
No aquecimento global.
Nas alterações climáticas.
Um futuro capaz de devolver aos cidadãos a confiança na democracia e nas instituições que sobre si próprias acabam por se fechar sem conseguirem interpretar os sinais de descontentamento e revolta que estão a gerar.
Uma democracia que não se limite a lamentar a pobreza e chorar as injustiças, mas que as procure contrariar.
Que não se baste com a consagração de direitos, mas que lhes dê vida, que os ponha a andar, que seja capaz de os materializar.
É este o desafio que temos pela frente e é esse o nosso compromisso. Com Abril, com as pessoas, com o povo e com o país.
È certo que ao longo da nossa história democrática, já estivemos mais perto de Abril, mas hoje, e neste Abril, podemos dizer que também já estivemos mais longe.
Na verdade, este Abril, este hoje, é um hoje de regresso. Este Abril é também um Abril de regresso. Pode ser tímido, mas não deixa de ser um regresso.
Um regresso desde logo á normalidade constitucional.
A Constituição voltou a ser respeitada.
Orçamentos de Estado inconstitucionais são coisa do passado.
Um regresso à normalidade democrática.
As ingerências na autonomia do poder local já lá vão.
Um regresso ao respeito pelas pessoas.
Hoje em vez de discutirmos quanto se corta em salários, reformas e apoios socias, discutimos quanto se devolve às famílias.
Em vez de discutirmos quantos feriados se removem do calendário, discutimos quantos se repõem.
Em vez de discutirmos qual vai ser o aumento das taxas moderadoras, discutimos qual vai ser o universo das pessoas isentas desse encargo.
Mas é também o regresso da afirmação da nossa soberania.
O Programa de Estabilidade que viajava na "carroça telecomandada" para receber o ámen da Europa antes de ser discutido entre nós, passou a ser discutido no sítio certo antes de ser enviado à Europa.
E finalmente outro regresso que certamente confirma todos os regressos que acabei de referir: o regresso dos militares de Abril á casa da Democracia.
Saúdo assim, em nome do Partido Ecologista Os Verdes, não só os corajosos Capitães de Abril, mas também o seu desejado regresso à Assembleia da República.
Como vemos são já alguns regressos, mas é preciso mais, muito mais.
É preciso combater o desemprego e a precariedade laboral.
Repor o princípio do tratamento mais favorável para quem trabalha e promover a contratação coletiva.
Combater as assimetrias regionais e a desertificação.
Trabalhar para uma mobilidade sustentável.
Investir na ferrovia.
Reforçar os serviços públicos.
Abrir tribunais encerrados e trazer de volta as freguesias extintas.
Mais justiça fiscal e taxar as operações financeiras realizadas em offshores.
É preciso investimento público de qualidade para por a economia a mexer, para por o país a produzir, a criar riqueza para podermos dar resposta às necessidades dos portugueses e aos compromissos internacionais.
E se há 42 anos os portugueses foram capaz de dar a volta ao destino, se foram capazes de fazer uma revolução para enterrar o fascismo, também serão capazes de se libertar dos atuais constrangimentos ao nosso desenvolvimento, desde logo do tratado orçamental e da divida cuja renegociação se continua a impor, como condição indispensável para o seu pagamento e para o desenvolvimento do País.
Para terminar, e porque a nossa Constituição faz 40 anos, uma referência à Lei fundamental do País, ao texto que deu expressão positiva ao sonho de Abril e que tão mal tratada foi nos últimos 4 anos.
Apesar das várias revisões, a nossa Constituição continua a conter elevados níveis de proteção de justiça social. E se dúvidas houvesse bastaria atender à importância que a Constituição teve para travar uma parte do neoliberalismo que tivemos de suportar nos últimos 4 anos.
De facto, se a regressão social não foi pior e se as desigualdades sociais não foram ainda mais acentuadas, não foi porque o Governo PSD-CDS o não desejasse, mas porque a Constituição o impediu.
No seu conteúdo consagram-se os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos, os direitos sociais como o ambiente e a qualidade de vida.
Nos princípios fundamentais da organização económica, a Constituição faz saber que o poder económico está subordinado ao poder político democrático.
Consagra o princípio do Estado de Direito Democrático e indica-nos um caminho: a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
É esse o compromisso dos Verdes, continuar a lutar por esse caminho sugerido pela Constituição.
E se a nova configuração parlamentar permitiu dizer adeus às inevitabilidades, seria até irresponsável da nossa parte não contribuir para os regressos que nos permitem aproximar de Abril.
Falta ainda muito, é verdade, mas muito foi já construído neste caminho que Os Verdes se orgulham de ajudar a desbravar.
Viva o 25 de Abril
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