A história da luta de classe trilha caminhos tortuosos e contraditórios: as vitórias eleitorais e sindicais do PSDA, somente reforçavam as posições reformistas no seu interior. Em 1912 o partido obteve mais de 4 milhões de votos, elegendo 110 deputados, tornando-se a maior bancada no parlamento alemão.
Em 1914, quando do início da Primeira Guerra Mundial, as posições de direita já haviam conquistado a maioria da direção da social-democracia alemã e européia, que acabou rasgando todas as suas resoluções anteriores, colocando uma pedra no seu passado revolucionário, ao votar favoravelmente aos créditos para a guerra imperialista. "Desde 4 de agosto de 1914, afirma Rosa, a social democracia alemã é um cadáver putrefato."
Rosa seria presa ainda em 1915 devido ao pronunciamento de um violento discurso contra a guerra e o imperialismo. Na prisão, ela escreveria a sua obra clássica "A crise da social-democracia", que ficaria conhecida como "Folheto Junius". Esta seria saudada por Lênin como sendo um "esplêndido trabalho marxista".
No mesmo período ela também escreveria "Teses sobre as tarefas da social-democracia internacional", que deveria ser uma contribuição da esquerda social-democrata alemã para a Conferência internacional de Zimmerwald. Neste folheto Rosa afirma: "A guerra esmagou a Segunda Internacional (...) os representantes oficiais dos partidos socialistas dos principais países traíram os objetivos e interesses da classe operária (...) passaram para o campo do imperialismo, constitui uma necessidade vital para o socialismo criar uma nova internacional operária, que tome em suas mãos a direção e coordenação das lutas revolucionárias de classe contra o imperialismo internacional". Libertada no inicio de 1916 ela continuaria seu trabalho revolucionário o que lhe custaria nova prisão menos de seis meses depois de sua libertação.
Em 1916 realiza-se uma conferência da esquerda social-democrata que decide pela publicação de um periódico com o nome Spartacus, nome pelo qual ficaria conhecido o grupo liderado por Rosa e Karl. Em seguida Liebknecht é expulso do grupo parlamentar social-democrata, que autoriza as autoridades alemães abrir processo contra ele.
No primeiro de maio o grupo Spartakus organiza uma grande manifestação contra a guerra imperialista. O resultado imediato é a prisão de Karl, acusado de traição a pátria. Os dois revolucionários alemães ficariam presos até que a revolução de 1918 viesse libertá-los.
A capitulação da direção diante da onda nacionalista e belicista, leva a uma fissura profunda no seio do partido; formava-se, assim, dois grupos de oposição: os "centristas" liderados por Kautsky e os "espartaquistas", que acabariam por se fundir em 1917 no Partido Social-Democrata Independente, um partido que apesar de possuir um programa internacionalista e antibelicista, graças aos centristas, atuava de forma vacilante e defensivo diante da traição da direção do PSDA. Os espartaquistas continuavam a manter sua autonomia política dentro da nova organização.
Rosa e a Revolução Russa
Em 1918 Rosa escreveria uma série de artigos nos quais defendia a revolução socialista na Rússia que estava sobe ataque cerrado da direita e do centro social-democrata, inclusive de Kautsky. A capacidade bolchevique de vencer todas as dificuldades impostas pela contra-revolução empolgava Rosa: "Os bolcheviques têm demonstrado que podem fazer tudo o que um partido verdadeiramente revolucionário pode fazer nos limites das possibilidades históricas.
Não procuram fazer milagres. E seria um milagre uma revolução proletária modelar impecável num país isolado, esgotado pela guerra, premido pelo imperialismo, traído pelo proletariado internacional (...) E é nesse sentido que o futuro pertence em toda parte ao 'bolchevismo'".
O apoio irrestrito a revolução não impediu que ela fizesse várias críticas as medidas revolucionárias adotadas pelos bolcheviques. Uma parte da crítica estava impregnada por um certo esquerdismo. Ela, por exemplo, menosprezava a necessidade da aliança com os camponeses pobres e não compreendia a proposta dos revolucionários russos em relação às nacionalidades oprimidas, ela negava a necessidade de incluir no programa revolucionário o direito a autodeterminação dos povos que estavam sob o domínio do império czarista. Considerava estas propostas como concessões perigosas a burguesia. A maior parte das críticas seria revista no ano seguinte quando ela saiu da prisão e pode ter maior contato com experiência revolucionária russa.
Mas uma crítica merece maior atenção, é aquela que trata do processo de construção da ditadura do proletário, que segundo ela era sinônimo de democracia socialista. Ela se preocupava com algumas medidas tomadas pelo governo soviético contra membros de organizações que ela considerava ainda socialistas.
Afirma Rosa: "abafando a vida política em todo país, é fatal que a vida no próprio soviete seja cada vez mais paralisada. Sem eleições gerais, sem liberdade ilimitada de imprensa e de reunião, sem luta livre de opiniões, a vida morre em todas as instituições públicas, torna-se uma vida aparente, onde a burocracia resta como único elemento ativo (...) Algumas dezenas de chefe de uma energia infatigável e de um idealismo sem limites dirigem o governo e, entre eles, o que governam de fato são uma dezena de cabeças eminentes, enquanto uma elite da classe operária é convocada de tempos em tempos para reuniões com o fim de aplaudir os discursos dos chefes e de votar unanimemente as resoluções que lhes são apresentadas (...)
Ainda mais: um tal estado de coisas deve provocar necessariamente uma 'barbarização' da vida pública, atentados, fuzilamentos de presos, etc".
Rosa não conhecia as particularidades do desenvolvimento da luta de classes na Rússia pós-revolução, por isso ela tendia a desconsiderar o papel desempenhado pelas forças contra-revolucionárias, em muitos casos, apoiadas por partidos ligados a Segunda Internacional, que ainda se diziam socialistas. Mas as medidas restritivas a democracia operária, tomadas pelos bolcheviques, deveriam também ser debitadas as difíceis condições em que vivia a jovem Rússia soviética entre 1918 e 1921, condições que ela tão bem descreveu nos seus textos escritos na prisão em 1918.
A verdadeira tragédia está no fato de que as medidas discricionárias que deveriam ser provisórias, necessárias numa fase de consolidação do socialismo contra a reação armada interna e externa, se transformaram em políticas de Estado permanentes, realizando assim as previsões mais sombrias de Rosa sobre o futuro da democracia socialista na Rússia. Se a crítica de Rosa se encontrava desfocada naqueles primeiros anos da revolução russa ela cairia como uma luva nas novas condições que se formaram na segunda metade da década de 30.
A Revolução Alemã de 1918
Na Alemanha, pouco a pouco, o sentimento nacionalista dos primeiros dias da guerra era substituído pela revolta. Nas fábricas os operários se agitavam diante do alistamento militar forçado, os constantes cortes nos salários e o racionamento. O descontentamento chega as tropas, principais vítimas da carnificina imperialista. Em junho de 1917, os marinheiros se rebelam e são violentamente reprimidos, com aval do PSDA.
Da prisão os espartaquistas conclamam "não há senão um meio de deter a carnificina dos povos e alcançar a paz: é desencadear uma luta de massas que paralise toda a economia e a indústria bélica, é instaurar através da revolução, liderada pela classe operária, uma República popular na Alemanha".
A revolução de outubro na Rússia apenas serviria para acirrar os ânimos. Nas frentes de batalha os soldados se confraternizavam, nas cidades as greves cresciam, formavam-se conselhos de operários e soldados. O governo e a monarquia eram colocados em cheque pelas massas. Em 9 de novembro de 1918, irrompe uma rebelião em Berlim e o próprio PSDA é obrigado, pela pressão dos operários, a aderir ao movimento. Os soldados recusam-se a cumprir as ordem oficiais e confraternizam-se com o povo. A revolução vencera.
O governo desaba como um castelo de carta. O Imperados Guilherme III abdica e entrega o poder ao chanceler Max Baden que por sua vez entrega a Ebert, dirigente máximo do PSDA. Para muitos a revolução parecia ter chegado ao fim. Ebert lança uma conclamação: "Cidadãos, peço-lhes que abandonem as ruas, cuidem da tranqüilidade e da ordem".
Ao mesmo tempo, contra a vontade de Ebert, outro membro de seu partido, Scheidemann, proclama a República. A poucos metros dali uma multidão de operários se concentra para ouvir Karl Liebknecht, recém libertado da prisão, que proclama a necessidade de uma república, mas não uma república burguesa disfarçada de república social, como queriam Scheidenann e Ebert, mas uma república socialista baseada nos conselhos de operários e soldados.
Ebert então se apressa para formar um novo governo do qual participam o PSDA e a ala direita do Partido Social-Democrata Independente. A pressão popular impede a participação de membros dos partidos burgueses. Liebknecht é convocado a participar do novo governo mas impõe uma condição: que todo poder fosse entregue aos conselhos operários, o que não é aceito. Então os espartaquistas, fora do governo, resolvem continuar nos seus preparativos de insurreição.
"Nós pedimos, pelo contrário, que ninguém abandone as ruas e que todos permaneçam armados. A conclamação do novo chanceler, que substituiu o derrotado imperador, procura enviar as massas para os seus lares para melhor poder estabelecer a velha ordem das coisas.
Operários e soldados: permanecei alertas!"
A luta atinge outro patamar, a burguesia se escondia por detrás de um "partido operário", justamente o partido que havia pertencido Marx e Engels. O inimigo agora se disfarçava sob o manto respeitoso de um partido socialista.
No dia 16 de dezembro, o Conselho Nacional, que congregava todos os conselhos operários, dominados pelo PSDA, decide entregar todo o poder a Assembléia Nacional Constituinte a ser eleita em janeiro. Novamente as direções operárias capitulavam diante da burguesia.
Em 29 de dezembro de 1918, diante das vacilações do Partido Social-Democrata Independente, que aceitara participar do governo, os espartaquistas rompem e fundam o Partido Comunista da Alemanha. Neste congresso aprova-se a tese de não participação nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte e a continuação dos preparativos para a insurreição armada. Tais posições não correspondiam ainda a real correlação de forças do movimento social na Alemanha, por isso tanto Rosa como Karl foram reticentes quanto a sua aprovação.
No início de 1919 um ato de provocação do governo precipita os acontecimentos. Marinheiros amotinados são brutalmente reprimidos pelo exército, os operários saem as ruas em solidariedade. O chefe da polícia, ligado a esquerda do PSI, recusa-se a reprimir as manifestações e é demitido do cargo. O PCA e a esquerda do PSI se unem e convocam manifestações de protestos contra Ebert-Scheidemann e a sua camarilha, "estes representante disfarçados dos interesses burgueses".
Uma multidão invade o distrito da imprensa, onde se encontravam os jornais reacionários. Naquela mesma noite, o PCA decide-se pela insurreição geral. No dia 9 de janeiro, num ato inesperado, os operários espartaquistas tomam o parlamento alemão, o Reichstag, mas são rapidamente desalojados pelo exército. Depois de cinco dias de violentos combates a insurreição era derrotada. No dia 13, os operários começavam a voltar ao trabalho. No dia 15, em meio a avaliação do movimento, Rosa e Karl Liebknecht, os principais líderes do levante, são seqüestrados e assassinados.
Nas últimas linhas do seu último artigo Rosa escreve: "'A ordem reina em Berlim', Esbirros estúpidos! Vossa 'ordem' é um castelo de areia. Amanhã a revolução se levantará de novo clamorosamente, e para espanto vosso proclamará: Era, sou e serei".
Epílogo
Após a sua morte, Rosa passa a ser o centro de violentas críticas, em especial, por parte dos renegados do marxismo, reformistas de toda ordem. Em sua defesa viriam as palavras firmes de Lênin:
"A esses (críticos) responderemos com um velho ditado russo:
' Às vezes as águias descem e voam entre as aves do quintal mas as aves do quintal jamais se elevarão até as nuvens'
Rosa equivocou-se em muitas coisas, a respeito da independência da Polônia, na análise dos mencheviques em 1903, na sua teoria da acumulação de capital (...) equivocou-se no que escreveu na prisão de 1918 (corrigiu a maioria desses erros no final de 1918 e início de 1919, quando voltou à liberdade). Mas, apesar de seus erros, foi para nós e continua sendo uma águia".
Augusto César Buonicore
Este artigo foi publicado originalmente na revista Debate Sindical nº30, jul-ago/1999
Diário Vermelho
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