Nessa entrevista a Mediapart, um veterano assessor do governo grego, que esteve no coração das negociações nos últimos cinco meses entre Atenas e credores internacionais, revela detalhes do que parece ser um pôquer "Dado do mentiroso" em que se joga o destino de uma nação. Esse relato oferece raro e perturbador insight no processo que levou ao prazo fatal que se esgota essa semana, para que gregos e credores cheguem a algum acordo, sem que o país saia do euro em total bancarrota.
Nosso informante fala da extraordinária provocação e abuso que sofreu (e ainda sofre) o governo grego de esquerda, por uma gangue de credores, incluindo o presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem, que chantageou diretamente o presidente e o ministro de finanças da Grécia, com ameaça de que quebraria os bancos gregos, se não aceitassem acordo de arrocho drástico. "Fomos à guerra pensando que tínhamos armas equivalentes às deles" - diz ele. - "Subestimamos aquela gente".
Semana passada, em Atenas, um veterano funcionário do governo grego e membro da equipe técnica de negociadores com os credores europeus aceitou falar com o correspondente especial de Mediapart, Christian Salmon. Falando sob a condição de que seu nome não seria divulgado, nosso entrevistado detalhou a história daquelas negociações terríveis, entre o governo do Syriza, eleito em janeiro, e emprestadores internacionais, em torno de mais um resgate.
A entrevista, que durou quase duas horas, aconteceu poucos dias antes do referendum do domingo passado, em que o plano de arrocho foi afinal rejeitado por 61,3% dos votantes gregos.
O relato de nosso entrevistado lança luz também sobre tensões pessoais que se criaram nas discussões conduzidas pelo ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, que no domingo renunciou ao cargo."
Nosso entrevistado fala da ameaças o presidente do Eurogrupo fez a Varoufakis, que afundaria todos os bancos gregos, a menos que assinassem o acordo do arrocho. E do ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble, que perguntou a Varoufakis: "Quanto dinheiro você está cobrando para sair do euro?"
Na sequência, leem-se os principais extratos da entrevista.
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"Sempre discordei de que aquilo fosse uma negociação - eu dou isso, você dá aquilo, vamos nos aproximando de um ponto de equilíbrio. O que se viu lá é que eles tinham só uns pequenos pontos a negociar, detalhes de política fiscal, condições, etc. Daí que, naquelas conversas, era o nosso governo que se aproximava cada vez mais da troika, sem que eles dessem um passo na nossa direção, e jamais discutiram a dívida: restruturação da dívida, sustentabilidade da dívida, e também, claro, financiamento. Vamos obter algum novo financiamento? O BCE vai levantar todas essas restrições, esses limites sobre o quanto cada banco pode tomar emprestado? O Estado pode tomar emprestado dos bancos? Porque não podemos tomar nenhum empréstimo.
Antes, podíamos. Até fevereiro, ainda podíamos lançar papéis do Tesouro. Curto prazo, vencimento em três meses, a maioria com vencimento em 1 ano. Mas o atual governo nunca pôde tomar nada, porque tudo já estava fechado. Nada de papéis do Tesouro. Você sabe, o problema com esses bônus é que são os bancos gregos que os compram. E o BCE resolveu que "Nem um papel do Tesouro a mais, nada." O Estado não pôde mais tomar empréstimos em nenhum banco.
Assim, a partir de março, de abril em diante, começamos a economizar, a reunir todas as reservas, de diferentes ramos, agências, autoridades locais, onde houvesse dinheiro, para conseguir pagar o FMI. Pagamos uma parcela, pagamos duas, e tínhamos também de pagar salários. Pagamos salários com as arrecadações e outras rendas do Estados. Mas já não foi possível pagar o FMI. Temos um problema com o superávit primário, não pudemos pagar o FMI, tivemos de raspar o cofre.
Assim, basicamente, criou-se uma falta de liquidez doméstica, liquidez, dinheiro. Bancos, empresas exportadoras, boas empresas, ninguém podia tomar empréstimos, ninguém podia pagar as dívidas, não podiam prorrogar as dívidas e, basicamente, o sistema de crédito começou a desintegrar-se, parou de funcionar. Claro, os bancos, eles mesmos, tinham algumas reservas de segurança, mas quando chegaram ao ponto em que eles já não podiam receber dinheiro nem do ELA(Fundo de Emergency Liquidity Assistance ELA), os bancos tiveram de fechar as portas, porque iam acabar com as próprias reservas.
[...] Empresas que não pagam os empregados por contas bancárias não estavam podendo pagar em dinheiro os empregados - e são muitas. Também houve os que disseram: "olhem aqui, estamos sem renda, podemos dar a você 500 euros, em vez dos 800 do seu pagamento, e vamos ver como ficam as coisas, depois que os bancos reabrirem."
Estamos numa situação que está escalando, como uma reação em cadeia [...] como ter um ataque cardíaco. Foi um enfarto, se você toma a liquidez, o dinheiro que circula, como o sangue da economia. No fim de semana, quando o Banco Central Europeu parou, foi o nosso enfarto. Agora estamos sofrendo os efeitos posteriores. Diferentes órgãos reagem de diferentes modos. Alguns pararam de funcionar, outros estão tentando funcionar, mas não estão recebendo sangue suficiente.
Sobre o ex-ministro das Finanças Yanis Varoufakis:
As pessoas estão perguntando por que ele seria tão impopular com o Eurogrupo e o pessoal do poder, por que não gostam dele. E muita gente diz que não gostam dele porque ele falaria como se estivesse dando aulas de economia, porque falaria com arrogância. Que o ministro pensaria que essa fosse questão acadêmica, questão econômica, ou técnica.
Pessoalmente, acho que toda essa gente - especialmente o pessoal da política, no poder, o Eurogrupo, os demais ministros -eles estão diante de um fenômeno muito diferente de tudo que encontram no meio deles, entre políticos eleitos que eles conhecem no processo político normal.
Porque Varoufakis é homem que se veste como gosta, é extremamente autoconfiante, mas, ao mesmo tempo, é caloroso, muito amistoso, muito aberto, honestíssimo. Você pergunta alguma coisa a ele e ele não diz uma palavra além das necessárias, não foge do assunto, não muda de assunto, faça diretamente com quem esteja falando com ele. Tudo isso cria dificuldades para todos, para os políticos, para os jornalistas, para a mídia. São essas coisas que explicam por que não engolem Varoufakis; mas, por outro lado, o ministro é uma celebridade. Varoufakis desperta paixões extremas, ou você o ama, ou você o detesta.
Sobre a grave crise que os bancos gregos têm pela frente:
As reservas não foram tudo. Normalmente a liquidez no mercado, o dinheiro que circula no mercado, gira em torno de 10 bilhões de euros, mas agora com tudo o que está acontecendo, com gente guardando dinheiro no colchão, esse total chega perto dos 50 bilhões. 50 bilhões de euros circulam, e o BCE parou [de fornecer dinheiro de emergência]. Significa que quem tem conta em bancos, com, digamos 2-3-4-5 mil [euros], só podem sacar 60 euros/dia. Se você tem várias contas, pode tirar 60 euros de cada uma, por dia. Mas e quem não tem conta em banco? Quem trabalha para viver do salário? No fim do mês estão já sem dinheiro algum, à espera do próximo pagamento [...] A partir de ontem, os saques foram limitados a 50 euros. Só bancos pequenos, como bancos de agências de correio, que tem poucos clientes, ainda podem entregar 60 euros/dia por cliente. Mas os grandes quatro bancos - National, Piraeus, Alpha e Eurobank - já estão sem notas de 20s, então, só podem entregar 50. Dos 60, já baixou para 50.
Mas já estão consumindo as reservas de segurança. Se todas as pessoas forem sacar seus 60 euros - mesmo que não precisem, só para ter alguma coisa - chegará um momento em que não haverá mais notas de dinheiro nos bancos. É onde começa o problema. E nesse caso, se não temos o suprimento de liquidez emergencial do BCE, não teremos alternativa além de começar a imprimir algum tipo de dinheiro [paralelo]. Claro, seria o fim da economia, porque já há medo, já há pânico, de que, mesmo que os bancos reabram, ainda será preciso recapitalizá-los. Até agora, os bancos continuam solventes.
Estavam tomando dinheiro emprestado do Fundo ELA, e deveriam poder tomar empréstimos também do BCE, mas o BCE disse "Não, de agora em diante, não aceitamos suas [garantias] colaterais. Se quiserem dinheiro, fiquem com os empréstimos do ELA, muito mais caros". Os bancos têm esses recursos, mas se acabarem as reservas deles... O Estado pagou cerca de 40 bilhões, para repor o capital que os bancos perderam depois corte dos velhos bônus gregos [2012].
A parte do segundo programa do acordo de 2012, depois do corte do PSI [Private Sector Involvement], que foi de cerca de 170 bilhões de euros, 50 bilhões dos quais foram para a recapitalização dos bancos. Claro, havia outro problema. Desde o PSI, os fundos públicos sofreram perdas, se não ainda maiores que isso, nas suas próprias reservas. Por quê? Porque foram forçados, nos termos daquela lei, a depositar suas reservas no Banco da Grécia, e o Banco da Grécia tinha o direito de usar essas fundos para comprar bônus em nome dos bancos.
Na minha avaliação, foi escândalo enorme, porque aparentemente o que aconteceu foi um bando de políticos, banqueiros, muita gente, foram e deram - eles tinham bônus dos quais haviam comprado 20% - mas foram e deram ao Banco Central da Grécia, o Banco da Grécia, como se tivessem 100%. Pegaram o dinheiro deles e, depois, os cortes vieram a público.
Basicamente, o que foram obrigados a fazer foi usar suas reservas de dinheiro, fundos de seguridade social, fundos de pensão, tudo, para comprar bônus do governo que iam ser cortados, em termos reais, em cerca de 70% do valor real. Por isso, agora, os fundos de pensão enfrentam problema até maior que o dos bancos. Os fundos de pensão têm de se planejar para 15, 20 anos adiante, para poder pagar pensões, com a idade da população aumentando e a população empregada diminuindo. E também têm de pagar ajudas-desemprego e outras. Agora, todas essas questões de dívidas voltaram à vida.
[...] Já no final de fevereiro e com certeza em meados de março, já era óbvio que os emprestadores não honrariam o acordo de 20 de fevereiro, que diz que a Grécia apresenta propostas de reformas, a troika - "as instituições", como dizem hoje - avalia e aceita e as reformas prosseguem. Nada disso aconteceu. As instituições só faziam rejeitar todas as propostas que fizéssemos, sem nem olhar. "Não. São propostas generosas demais", diziam. E Varoufakis dizia: "Por favor, vamos completar quatro ou cinco dessas reformas com as quais todos concordamos e consideramos necessárias, e nos deixem implementar e então vocês avaliam o que tiverem de avaliar".
[As instituições disseram] "Não, não. Precisamos de um acordo amplo antes de implementar essas reformas, porque se vocês implementam essas reformas será ação unilateral. Não aprovamos nada ainda. OK, estamos de acordo, mas ainda não determinamos qual tem de ser o superávit primário". Quer dizer: estávamos impedidos de fazer qualquer coisa e, ao mesmo tempo, queriam ver nossa contabilidade, porque não acreditavam nos nossos números. Eles diziam: "Queremos acesso ao Ministério das Finanças, ao Banco Central da Grécia" e tal e tal. E Varoufakis dizia: "Não. Vamos começar a partir do acordo de 20 de fevereiro, que diz que vocês não estão mais supervisionando a economia grega e não mais nos dão assistência, ou aos credores, para avaliar a viabilidade da economia, para ver se estamos gradualmente voltando a crescer. Esse era o objetivo do acordo de 20 de fevereiro: uma prorrogação do programa já existente. Emendamos, avaliamos e completamos o programa em quatro meses. 30 de junho, programa acabado."
Mas eles pararam de pôr dinheiro nos bancos, puxaram o fio da tomada e, na 3ª-feira, 30 de junho, o programa acabou. Nós hoje não temos programa algum.
Todo o dinheiro que nos devem (...) uns 17 bilhões de euros [dos quais] 10 bilhões é o que sobrou dos 50 bilhões do Fundo (grego) de Estabilidade Financeira, que, sob o acordo de 20 de fevereiro, teríamos de devolver. Desde junho do ano passado não recebemos dinheiro algum, quer dizer: há 12 meses estamos pagando cerca de 10 bilhões de euros de recursos nossos aos credores, dos nossos recursos... Sem receber deles um único euro, que eles aceitaram nos pagar, evidentemente sob algumas condições.
Já era óbvio que não iam cooperar e que nós precisávamos crescer, e esses dois problemas andavam sempre lado a lado. Eles não quiseram financiar o dinheiro que tínhamos direito de receber para poder pagar as dívidas.
Sobre o 'labirinto de pseudonegociações' e o 'assasinato' da reputação de Varoufakis:
Todos os empréstimos que recebemos, 240 a 250 bilhões de euros, vão para o serviço da dívida, de volta para os credores. O primeiro resgate foi resgate dos bancos pelo Estado. Não recebemos nenhum financiamento para pagá-los, não podíamos tomar empréstimos de curto prazo e não podíamos facilitar a liquidez na economia, porque o Banco Central Europeu só fazia impor novas e novas restrições, restrição após restrição.
Quer dizer: você tem um problema de liquidez e, ao mesmo tempo, tem um problema de financiamento. Os dois estão conectados no que, desde o início, tenho chamado de 'asfixia do crédito [grego]'.
Em meados de março, afinal, algumas fontes em Bruxelas disseram aos correspondentes em Bruxelas que "sim, as instituições - BCE, FMI, Comissão Europeia - estão aplicando asfixia do crédito, para forçar o governo a ceder, aceitar as reformas, fazê-las rapidamente etc.". Para mim, foi admitir que eles estavam usando o pior tipo de chantagem econômica contra o país. O pior tipo de sanção econômica. Veja o Iraque. Se eles tomam o Iraque e, em vez de embargo comercial, dizem "cortamos todos os ativos de vocês, os bancos de vocês ficam sem dinheiro, dólar, nada, qualquer dinheiro, vocês terão de depender de dinheiro que imprimam em casa, vocês ficarão a descoberto." No Iraque, não fizeram isso. Foi um embargo comercial, não financeiro, nem aplicaram asfixia de crédito.
Porque em algum momento, gradualmente, chega um momento em que você morre. Não se pode sobreviver a isso por muito tempo. Varoufakis chamou até de "simulação de afogamento", aquela modalidade de tortura por quase-afogamento, "waterboarding",a tortura do quase-afogamento financeiro e fiscal.
O pressuposto é que, puxando o fio da tomada aqui, eles puxam o fio da tomada, do mundo todo. Mas não aconteceu. Lamento, mas não aconteceu. Eu estava acompanhando o euro para ver como se saía, como estava reagindo, porque... eles fizeram testes, fizeram 'experimentos'. [O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang] Schäuble e Berlin não são tolos, são espertos, metem crises nas negociações, em alguns momentos, uma aqui, outra dali a pouco e põem-se a chorar que "Oh, os gregos não estão cooperando, não entenderam o que devem fazer, não nos apresentam números". Verdade é que em vez de cair, o euro está subindo. Também as bolsas de valores europeias.
[...] O governo grego só compreendeu isso na semana passada. Varoufakis fez algumas declarações, disse que nós vamos à Corte de Justiça. Mas quando se chega ao ponto de explosão de uma crise, argumentos legais já não têm qualquer validade, não ajudam em nada.
Eu disse a ele "Deixe que Tsipras vá ao Parlamento Europeu e diga lá que é assim que fomos tratados nos últimos meses. E, claro, recuse-se a aplicar essas medidas de arrocho.
O governo grego prefere perder eleições a aplicar o arrocho que as instituições querem para nós. Mas todas as vezes que tentaram a negociação política, os gregos fomos enganados, os credores nos passaram a perna: umas vinte vezes foi com a Merkel, outras cinco, com Schäuble. E quantas vezes o Eurogrupo nos disse "voltem ao trabalho técnico, às equipes técnicas, voltem a troika". O governo grego disse "não, queremos decisão política". Mas só ouviam como resposta "Nossa decisão política é voltar à decisão técnica, não se pode ter decisão política sem decisão técnica".
[...] A cada ponto da negociação eles [as instituições] tentavam minar o prestígio que o governo grego do Syriza conseguiu durante os primeiros meses de negociação. Naquele momento, o pessoal dizia "nova esperança para a Europa ... nova esperança para Alemanha, Espanha... Os gregos estão nos mostrando o mapa do caminho e indicando a pista".
Se as instituições dissessem desde o início "nada feito, está encerrado, não concordamos, nada de negociações" - o que até disseram indiretamente, por exemplo [o ministro das Finanças da Holanda e presidente do Eurogrupo Jeroen] Dijsselbloem - então teriam sido claros e haveria confronto claro: "Nós [os gregos] fomos eleitos, vocês [as instituições] não, temos prestígio, temos autoridade, vocês [as instituições] estão errados etc.".
Mas, não. Não fizeram assim. Em vez disso criaram um labirinto de pseudonegociações, para nos fazer perder tempo, e o tempo corre a favor deles. Todo o tempo, sem parar um dia, fizeram propaganda contra Varoufakis. Foi assassinato de reputação, sim, como Varoufakis ainda diz. Mas, afinal... O que Varoufakis esperava que acontecesse?
E assim aqui estamos, perdemos todo o fundamento econômico para negociar em termos reais, para chegar a novo acordo. E também perdemos a credibilidade que nos permitiria obrigá-los a negociar conosco. O governo, Tsipras, diz que quando nos apresentaram o ultimatum "pegar ou largar", o que nos impunham era pior, até, do que as medidas que impuseram ao governo anterior, de direita. [...] E o Banco Central Europeu diz no Parlamento "Tomem as medidas, ou na 2ª-feira vocês já não terão bancos". Mas nossos bancos estavam bem.
Foi quando o governo grego, e estava correto como movimento, eles foram para oreferendum, o que significa que teriam de fazer o que fizeram em Chipre por uma semana. Acreditavam que a situação os levaria mais perto de um acordo. Eles não queriam uma crise.
Mas nunca estão satisfeitos com crise global. Para eles, quanto mais crise global ou europeia, melhor; ou um colapso. Sim, as bolsas de valores caem, sim, há flutuações. A libra está subindo. Mas no final os europeus não são forçados a se aproximar.
[...] Varoufakis e Tsipras dizem que no caso de um "Não" [no referendum que aconteceria dia 5 de julho], nossa posição de barganha é fortalecida. Por isso eles dizem "Não", e não a um acordo que já nem está na mesa. É "Não" a qualquer tipo de acordo que não enfrente a reestruturação da dívida ou o ajuste fiscal. A quantia deixada para [as instituições europeias] pagar, 17 bilhões de euros - mais outros 16 ou 20 bilhões do FMI - estão perdidas. O programa acabou e você precisa de novo acordo. Basicamente, o que se faz é implorar que os europeus deem algum financiamento de emergência, através do BCE. Mas as instituições dizem que têm de ouvir os parlamentos etc. Mas é indispensável estar recapitalizado para reentrar num processo de funcionamento econômico, que permita lidar com um novo programa.
Por trás do palco com 'rei' Schäuble, e quando Dijsselbloem ameaçou afundar os bancos gregos:
Claro, até discutir a Grexit é ilegal, porque não há qualquer provisão legal nos Tratados que autorize essa discussão. [...] Não há qualquer garantia de que umaGrexit pode acontecer de modo ordeiro, negociado, pacífico, em vez de desordenadamente, com multidões saqueando os supermercados. Se você não tem um processo para sair do euro, então a saída é arma de destruição em massa. Se você ameaça alguém com a expulsão para fora da Eurozona, você o está empurrando para o limite da capacidade de suportar pressões, do sistema de bancos. Então você rapidamente destrói o sistema bancário e então você começa do zero a criar nova moeda, que exige meses para começar a existir.
Mas em vez de dizerem que a Grexit é ilegal, eles [os credores] dizem que é tão destrutiva e desastrosa para "nós como é para vocês". Está errado.
Primeiro, não concordo com essa posição porque é chantagem - "Cuidado aí, que vou explodir meus próprios miolos" - e porque põe as instituições na posição de nos acusarem de nós os estarmos chantageando. É ridículo para eles acusarem de chantagem, um país destruído por cinco anos de chantagem. Mas, de qualquer modo, antes de ser ridículo, esse é o argumento errado.
O argumento certo é que uma Grexit e todas as outras medidas que os gregos sofreram são ilegais nos termos da lei internacional, das leis do trabalho, dos tratados europeus, da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, da declaração europeia de direitos do trabalho [que faz parte da Carta Social Europeia [orig.European Social Charter].
O mais engraçado é que, no início de 2014, o Parlamento Europeu e todos eles começaram a atacar a troika, com declarações de que é ilegal, é sem transparência, segue medidas que estão destruindo direitos humanos, do trabalho. Sim, tínhamos governo [conservador] que não queria ouvir falar disso, porque estava mais interessado em atacar a oposição, não os credores. E aquele governo não viu que essa era a maior arma que tínhamos.
Para o lado fraco, só há dois métodos. Um é a lei - um recurso à legitimidade. - O outro é um recurso à verdade, quem está certo e quem está errado nos argumentos, em termos de direitos humanos. Perante a lei, todos são iguais. [...] Quero dizer: se você recorre à Corte Europeia de Justiça e diz "não estou sendo tratado como os demais membros da União Europeia, da OTAN etc.", eles não poderão desconsiderar o recurso. Especialmente se você tiver tempo justo para preparar sua ação e defender seu caso.
Se você segue a via legal - e não estou aconselhando a segui-la - a meta terá de ser a deslegitimação política [das instituições credoras]. Que todo o mundo saiba que a Eurozona está praticando um crime contra a humanidade. Demore dez anos para provar tudo, não me importa. Mas apresente seu caso de modo que as Cortes digam "até que todo o caso seja examinado, todas essas medidas ficam suspensas".
Hoje já é tarde demais. É questão de hegemonia política e ideológica. Só Varoufakis, sozinho, com seu charme e sua inteligência, conseguiu virar a maré da opinião pública na Europa, até na Alemanha. O pessoal do Eurogrupo caiu para a defesa. No início de fevereiro, [o ministro de Finanças da Holanda e presidente do Eurogrupo Jeroen] Dijsselbloem disse a Varoufakis "Ou você assina o memorandum que os outros assinaram, ou a economia do seu país entra em colapso". Como? "Vamos fazer os bancos de vocês colapsarem." O homem disse isso!
Semana passada, em entrevista ao canal [de TV pública grega] ERT, há dois dias, Varoufakis disse: "Não denunciei isso naquele momento, porque tinha expectativa de que a racionalidade prevaleceria nas negociações com todo o Eurogrupo". E ele continuou a discutir acordos e acordos. Mas a credibilidade, assim como o dinheiro, estava perdida.
[...] O Eurogrupo não é corpo que tenha funcionamento propriamente democrático. O governo grego e Alexis Tsipras outra vez descobriram isso muito tarde, quando eles [o Eurogrupo] queria a demissão de Varoufakis antes de o referendum ser anunciado. Era basicamente para humilhá-lo. Varoufakis perguntou "E quem é autoridade para decidir isso?" Dijsselbloem disse "Eu decido". Não precisa haver uma votação, não precisa haver maioria? Sim, mas nada disso está registrado, não houve minuta da conversa, não foi oficialmente gravada. Ele estava gravando, outros também. Por quê? Porque não há atas, nem minutas. Não havendo, não é reunião formal.
Ninguém pode dizer "Fui ao Eurogrupo e Itália disse isso, Chipre disse aquilo" etc. Fosse assim, qualquer um poderia dizer o que quisesse, de qualquer assunto. Todos podem sempre dizer "Você tem certeza de que disse isso? Vamos reler as minutas." Ali não havia minutas. Claro, ninguém pode aparecer com um gravador. Varoufakis disse que ele, evidentemente, tinha suas minutas e gravações, mas eram suas, para serem usadas para informar o primeiro-ministro. Assim, sem minutas, todos se puseram a gritar que "Ah, Varoufakis aceitou isso, admitiu aquilo...".
Os demais países, nesse cenário montado, devem pensar que [o ministro alemão das Finanças, Wolfgang] Schäuble é o rei, que controla os outros, então ele pode levantar a voz e dizer "não". Varoufakis contou vários incidentes que comprovam que a Eurozona é absolutamente sem democracia, quase uma ditadura euro-neofascista. Ninguém pode confiar no que aquela gente diz. Varoufakis diz que se pudesse falar com um de cada vez, por uma hora, o acordo estaria assinado num dia. Mas não pode ser assim, porque cada um tem prioridades diferentes e gente diferente para dizer "não" à Grécia.
Ninguém pode discordar muito de Schäuble. É perigoso, porque você fica sem financiamentos, os bancos alemães passam a cobrar o que você deva a eles, e assim por diante. É uma instituição onde ninguém pode falar para ser efetivamente ouvido. Nessas circunstâncias, que sentido haveria em reunir-se e falar com eles?! Varoufakis sempre falou sério e reto. Schäuble perguntou a Varoufakis "Quanto dinheiro você está cobrando para sair do euro?" Schäuble não quer a Grécia no euro, absolutamente não quer. Em 2011, foi ele quem primeiro de Grexit.
Fomos à guerra pensando que tínhamos armas equivalentes às deles" - diz X. - "Subestimamos aquela gente". [...] O poder deles entra no próprio tecido da sociedade, no modo de pensar das pessoas. É gente que controla e chantageia. Nós só temos acesso a poucas alavancas. O edifício europeu já é kafkeano [ed. (ing.) de Graham Tearse]. *****
9/7/2015, "X" fala a Christian Salmon - Mediapart (ing.) e (fr.)
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