Os seus adversários querem que ele apresente pessoalmente o pedido de demissão, passando o poder para as mãos dos novos líderes. Os seus partidários alimentam a esperança de mantê-lo no posto presidencial.
Em toda esta agitação em torno de Akaev a melhor posição tem Moscovo: ao dar abrigo ao fugitivo, ela reforçou vertiginosamente o seu papel na mediação internacional, sem a qual Bishkek não será capaz de sobreviver a esta intricada situação constitucional.
A ausência do presidente é incómodo para as novas figuras da política quirguize também de outro ponto de vista. O que fez unir a heterogénea oposição do país foi a não-aceitação de Akaev, com o seu controlo familiar sobre a economia, e o desdém em relação aos clãs tribais do sul. Agora que Akaev já não está no poder, a oposição começa a desmembrar-se e a posicionar-se em diferentes sectores do ringue político.
Trata-se em primeiro lugar dos dois políticos que já anunciaram a sua participação nas eleições presidenciais. Kurmanbek Bakiev, nomeado para o posto de primeiro-ministro e presidente interino, e Felix Kulov, coordenador dos principais ministérios do país, divergiram radicalmente em torno da questão de saber qual dos Parlamentos (o anterior e o que acaba de ser eleito) podia ser considerado legítimo. Bakiev e o Supremo Tribunal reconheciam os poderes do antigo Parlamento, enquanto Kulov e a Comissão Eleitoral Central reconheciam o Parlamento eleito em Fevereiro.
Por trás desta rivalidade adivinha-se o confronto entre o grupo de políticos que chegou ao poder e a nova elite que acabou a receber os mandatos parlamentares. Se alguém tivesse querido fazer sair esta elite da cena política, o mundo de negócio quirguize teria arranjado meios suficientes para levar o país a um caos ainda maior. Felizmente, a dualidade do poder legislativo foi ultrapassada a favor do Parlamento eleito em Fevereiro, cujos resultados originaram a "revolução das tulipas".
Em comparação com os acontecimentos na Geórgia e na Ucrânia, o comportamento da Rússia em relação ao Quirguistão é bastante mais perspicaz e ponderado. Mesmo no contexto das relações e amizade com Akaev, Moscovo mantinha ao mesmo tempo boas relações com a oposição quirguize, tendo ultimamente todas as principais figuras do Quirguistão (começando por Kurmanbek Bakiev e terminando em Felix Kulov) reconhecido que não sentem qualquer fobia em relação à Rússia e não pretendem de jogar a cartada anti-russa com objectivos nacionalistas, ao contrario do que fizeram outros líderes das ex-repúblicas soviéticas.
Por sua parte, o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, mandou prestar ajuda ao Quirguistão no sector agrícola e na recuperação das infra-estrutura de Bishkek, respondendo ao pedido das novas autoridades. Há que constatar que o Quirguistão participa em todas as manobras militares planeadas juntamente com as tropas da Rússia, Tajiquistão e Cazaquistão. Tudo isso serviu de razão a Mikhail Marguelov, chefe do Comité Internacional da Duma de Estado, declarar que os acontecimentos ocorridos no Quirguistão não significam nenhuma derrota da Rússia". No que se refere às futuras relações de Bishkek com Moscovo, Kurmanbek Bakiev declarou: "As relações que se formaram até agora são tão profundas e fortes que a situação actual não pode alterá-las".
O Quirguistão nunca foi dos países no espaço pós-soviético em que se enraizou o princípio: quanto mais empurrares Moscovo, mais simpático serás para o Ocidente. A influência que a empresa "EES Rossii" (Sistemas Energéticos Unificados da Rússia") tem no Quirguistão reforça as simpatias em relação a Moscovo. Falando em termos gerais, o mundo de negócio russo está interessado em fixar-se no terreno quirguize. As dinâmicas trocas comerciais, as duas centrais eléctricas de Kambaratinsk, que estão a ser construídas com a participação de especialistas russos, a empresa que abastece de kumys (leite de égua) toda a Ásia Central tudo isso representa um bom começo para os investimento.
Mas nas diversas avaliações dos acontecimentos no Quirguistão não são poucas as vozes dos pessimistas russos que receiam que dentro em breve no país o radicalismo islâmico pode vir a reforçar-se. Claro que, após os acontecimentos de 24 Março, a imunidade do Quirguistão contra a eventual influência dos clericais de ânimos extremistas enfraqueceu. Um segundo Afeganistão não é necessário a ninguém, e muito menos à Rússia com a sua triste experiência afegã.
Outra ameaça é a perspectiva de transformação do Vale de Fergana num corredor de tráfico de droga através do Cazaquistão e Uzbequistão para a Rússia. irão os acontecimentos em Jalalabad e Och "fazer explodir" o Fergana? Os pessimistas não excluem semelhante desenrolar dos acontecimentos. Por trás de tudo isso está o fantasma de um processo de envergadura ainda maior, denominado efeito de dominó. Os regimes vizinhos do Quirguistão não são tão presunçosos que excluam a repetição de tal tipo de acontecimentos nos seus países. O mais inabalável neste sentido parece ser o líder do Cazaquistão, Nursultan Nazarbaev, que subiu ao poder ainda nos tempos soviéticos, ocupando o posto presidencial desde 1991. O Cazaquistão de hoje é considerado o país mais estável e próspero da região, o que se deve antes de tudo aos seus recursos petrolíferos. No entanto, é precisamente este factor que pode pregar uma partida à dinastia governante. O petróleo criou e fez enriquecer a elite empresarial, a qual não irá resistir durante muito tempo à tentação do poder político.
Emomali Rakhmonov está no poder no Tajiquistão um pouco menos, desde 1994, mas já viveu uma catástrofe nacional. A guerra civil de 19992-1997 ceifou a vida de cinquenta mil pessoas tendo um terço da população sido obrigada a refugiar-se no estrangeiro. As consequência do quinquénio sangrento desmoralizaram a oposição, mas ela pode vir a recuperar, analisar a situação e constatar os já conhecidos detonadores da explosão social: a pobreza da população e o autoritarismo dos governantes.
Saparmurat Niazov governa o Turcomenistão com mão de ferro. Em 1999, foi proclamado presidente vitalício. A oposição é apresentada por uma dúzia de pessoas e nada mais. Mas é precisamente o culto de personalidade do "Pai de todos os turcomenos" e a ausência de um sucessor que podem vir a provocar surpresas pouco agradáveis. Uma situação mais o menos idêntica verifica-se no Uzbequistão e Azerbaijão, onde os presidentes Islam Karimov e Ilham Aliev, respectivamente, apresentam a ameaça islâmica como justificação para o autoritarismo do seu poder.
As tradições de amizade dos tempos da URSS e a interligação das economias nacionais têm garantido relações bastante estreitas destas repúblicas com Moscovo. A mínima alteração do "status quo" nesta região provoca a imediata inquietação de Moscovo. Os políticos russos de ânimos nacionalistas vão muito mais longe nas suas previsões, considerando que o efeito final do dominó centro-asiático será o isolamento estratégico da Rússia. Nestes círculos domina a teoria de "força exterior suave", de acordo com a qual as pedras do dominó caem não por si só, mas em resultado de um impulso por parte dos EUA e da União Europeia. Se nos casos da Geórgia e da Ucrânia esta versão pode ser fundamentada, nos acontecimentos no Quirguistão o "mão do Ocidente" não é tão óbvia. Mesmo assim, não se deverá menosprezar a existência em Bishkek e noutras cidades do país de mais de 15 mil escritórios dos mais variados fundos, organizações e estruturas ocidentais, tais como NATO, OSCE, PACE, Freedom House, etc.
Será genuíno pensar que toda esta rede de escritórios é controlada a partir de Washington. Mas devemos admitir que toda esta estrutura tem a sua lógica e dinâmica, que a obrigam a apoiar a oposição nos países do espaço pós-soviético independentemente do nível de democracia existente, preparando o terreno para as revoluções "de veludo", aguardando com paciência as eleições para induzir os oponentes do regime governante declarar as eleições ilegítimas, com os efeitos que já todos conhecemos.
O efeito de dominó, se este continuar a ganhar força ao longo das fronteiras da Rússia, deve-se tanto às características internas dos regimes, como à vontade política externa. Nestas condições, Condoleezza Rice e Serguei Ivanov podem encontrar uma linguagem comum sem problemas, apelando a recuperar no Quirguistão a legitimidade constitucional. Quer os EUA, quer a Rússia, têm interesse em não permitir o desmembramento deste país à semelhança da Jugoslávia e a sua transformação num novo Afeganistão. Mas por trás destes interesses comuns escondem-se ideias opostas dos principais observadores do drama que se desenrola no espaço pós-soviético.
Vladimir Simonov observador político RIA "Novosti"
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