FARC: Entrevista com Comandante Raul Reyes

Agradecemos-lhe a oportunidade de nos dirigirmos a seus leitores. Receber informações que gerem confiança na luta pela justiça, que reforcem a esperança de nossos povos explorados num futuro melhor é tão imprescindível como tomar um bom alimento para resistir no combate o tempo que seja necessário.

Cordialmente.

Raúl Reyes Chefe da Comissão Internacional das FARC-Exército do Povo

1 – Como está a guerra na Colômbia, as perspectivas e as baixas militares em ambos os lados, depois da implementação do Plan Patriota por Uribe e Bush?

A) A guerra na Colômbia é o cenário de uma confrontação de classes, porque, por uma parte, existe a oligarquia liberal-conservadora que se encravou no poder, se ajoelhou ante o Império, construiu umas instituições que pôs a serviço de seus interesses e, para defendê-los, fez da violência sua forma normal de governar, pois colocou as armas da República contra o povo, fazendo todo o contrário do indicado pelo Libertador Simón Bolívar. Por outra parte, está o povo, que é violentado as 24 horas do dia. Tanto é assim que podemos dizer, sem margem de dúvidas, que no século passado o povo colombiano perdeu mais de um milhão de cidadãos entre homens, mulheres, crianças, anciãos, indígenas, sacerdotes, sindicalistas, políticos de esquerda, jornalistas... a oligarquia realizou um massacre pavoroso, um genocídio. Tudo para não perder o poder.

B) Perspectivas: Nós sempre mantivemos como tarefa fundamental de nosso trabalho político a busca da solução de todos os problemas do povo colombiano, por vias diferentes à guerra, porque esta nada resolve, ao contrário, os agrava. E seguimos insistindo nesse esforço.

C) Baixas de ambos os lados. Assim é a coisa, há baixas de lado a lado. Não somos muito dados a falar de cifras, porém, segundo nossos informes, as baixas sofridas pelo exército governamental a mando dos Estados Unidos e do narco-paramilitar Uribe Vélez, são diárias e muito superiores às nossas. Ademais, é crescente o inconformismo no Exército oficial destinado ao Plan Patriota. Por outro lado, nossos homens e mulheres em armas mantêm alta a disposição combativa e plena consciência do dever revolucionário de lutar pela Paz com Justiça Social.

D) O Plan Patriota será um fracasso mais, porque nada impedirá ao povo colombiano continuar lutando até alcançar sua Segunda e Definitiva Independência.

2 – Quais são as exigências das FARC para um cessar-fogo e quais as propostas em curto prazo, em caso de negociação?/strong>

Resposta:

O atual Governo não sabe nem quer saber de diálogos, de negociação, nem de paz, nem de nada que se lhe pareça porque está convencido que vai ganhar a guerra. Sua política principal é a guerra. É um desacerto muito lamentável, um erro crasso pelo qual a oligarquia colombiana pagará custosas conseqüências. Cremos que a guerra não é a saída de que necessita a Colômbia. Nossa proposta não é a guerra, mas sim a busca da Paz com Justiça Social que se obterá através de um Novo Governo Patriótico que reconcilie e reconstrua o país, que se dedique a resolver os problemas do povo colombiano, que respeite profundamente seus direitos, começando pelo mais essencial e fundamental: O direito a viver dignamente, como seres humanos. Para isto, esse governo deve trabalhar inspirado nos grandes pensadores que nos deram a Humanidade, especialmente o Libertador Simón Bolívar.

3 – Como está a situação da troca de prisioneiros e quais os principais líderes guerrilheiros encarcerados? (e se Simón Trinidad foi preso em missão de paz)

Resposta:

Nossa proposta de Troca ou Intercâmbio Humanitário consiste em que o governo desmilitarize dois municípios do Estado [Departamento] do Valle del Cauca e que nos sentemos a dialogar cara a cara para estabelecer os termos a cumprir cada uma das partes com a finalidade de entregar os prisioneiros de guerra e políticos que temos nas montanhas e receber todas as guerrilheiras e todos os guerrilheiros que estão nos cárceres. O clamor nacional e internacional pela Troca nos demonstra que essa é a saída. Em 2004 foram seqüestrados pelo Governo de Uribe, em território de países vizinhos, os Comandantes Simón Trinidad e Ricardo; ambos andavam em exclusiva missão de paz, algo que desgosta ao senhor Uribe.

4 – Apesar da pouca simpatia urbana e da imprensa conservadora, como está o apoio às FARC entre os camponeses e qual a situação dos deslocados de suas terras pela guerra (inclusive indígenas)?

Resposta:

O povo, que sofreu tanta violência durante tantos anos, foi criando mecanismos políticos para defender-se e para organizar-se e abrir as comportas da luta revolucionária contra o Estado repressivo e violento contra os sucessivos governos que fizeram do Terrorismo de Estado uma prática recorrente de fazer política e afirmar-se no poder. Nas FARC-EP queremos arrancar o mal pela raiz, para que floresça uma Pátria digna, independente e soberana na qual o povo, com seu trabalho, possa alcançar o maior grau de felicidade possível: saúde, educação, terra, emprego, distribuição do produto das riquezas, uma aposentadoria digna etc. A esse povo podemos chamar já: Povo em armas. Os deslocados são vítimas do governo fascista, que os obriga a vender por preços irrisórios suas parcelas, porque os acusa de auxiliadores da guerrilha revolucionária.

5 – Como é a divisão e ação dos grupos que compõem as FARC (se não me engano, são 4: o exército do povo, o Partido Comunista Clandestino – de ação nas cidades, as milícias bolivarianas armadas e os apoiadores civis desarmados), e como andam as possibilidades de acordos com o ELN e o EPL para uma ação conjunta na guerra de guerrilhas?

Resposta:

Somos um Exército guerrilheiro revolucionário distribuído em mais de 60 Frentes, coordenadas por mais de sete Blocos de Frentes. Ademais, contamos com Colunas Móveis, guerrilhas urbanas e rurais e Milícias Bolivarianas. Para a organização das massas temos o Partido Comunista Clandestino e o Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia. Somos um Movimento Revolucionário nascido, crescido e fortalecido das entranhas do povo colombiano. Com as guerrilhas revolucionárias do ELN e do EPL mantemos relações fraternas, de aproximação, solidariedade e de busca da unidade estratégica para o objetivo da tomada do poder político. Em algumas regiões operamos coordenadamente sob o princípio da unidade de ação.

6 – No caso da tomada do poder no médio prazo, quais os primeiros pontos do programa político do governo das FARC-EP (haverá expropriações e estatização etc.), já quais as diferenças deste programa com a ideologia do ELN e do EPL?

Resposta:

As FARC-EP contam com uma Plataforma para um Novo Governo de Reconstrução e de Reconciliação Nacional. Podemos considerá-la como uma Plataforma que conta com os elementos fundamentais para dar início a um processo que gera novas instituições, novas formas de governo plenamente democráticas nas quais se respeite a opinião das maiorias do povo, que gere um Novo Poder, um Novo Estado com Novas Instituições. Esse Governo terá como bandeira principal a busca da solução política a todo tipo de conflito, “Deus nos guarde de que o Exército volte suas armas contra os cidadãos”, nos diz Bolívar. Com esse ponto que seja posto em prática já haveremos alcançado muito, porque estamos convencidos de que a repressão não é a solução, pois não é matando ao faminto que se soluciona o problema da fome, não é matando nem seqüestrando a quem tem propostas novas que se governa.

7 – Como lhes parece as atuações externas e internas – tantas vezes desconexas – do presidente Lula, que, por um lado, discursa pela união pela união dos países pobres, porém que quase nada tem feito de prático e profundo na política social e agrária do país (comparar com as políticas de enfrentamento de Hugo Chávez), e quais as chances reais de uma integração bolivariana na América – inclusive armada?

Resposta:

“Unamo-nos e seremos invencíveis”, nos diz o Libertador Simón Bolívar. Ademais, somos um povo com os mesmos costumes, a mesma história, temos uma mestiçagem que nos converteu num pequeno gênero humano, somos afetados pelos problemas gerados por um inimigo comum e cremos que o destino é o mesmo: A Segunda e Definitiva Independência. Nenhum de nossos países necessita das nefastas receitas do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial para alcançar seu pleno desenvolvimento. Em cada país o processo de integração tem suas próprias características. Em uns está mais avançado que em outros e cada dia é maior o espírito patriótico dessa integração a que aspiramos os povos latino-americanos e caribenhos. Unamo-nos na defesa de nossas soberanias como dignos lutadores pelas liberdades, pela paz com justiça social e pelas imensas riquezas de nossa América toda.

Comissão Internacional das FARC-Exército do Povo Janeiro de 2005

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