Europa vota Contra

Num cenário perfeito, 350 milhões de europeus bem informados teriam lido a mapa política em 2004 e teriam decidido que neste momento da história mundial, seria prudente colocar em Estrasburgo o máximo número de políticos da esquerda quanto possível, para ganhar algum peso contra a onda neo-conservadora proveniente dos Estados Unidos da América.

Contudo, como era previsível, o evento que se chama “Eleições para o Parlamento Europeu, 2004” se tornou num conto triste de apatia política escrita por uma população cada vez mais confusa e céptica em relação ao Projecto Europeu.

Primeiro, poucos são aqueles que sabem em quem estão a votar, quais são os agrupamentos em Estrasburgo, quais os poderes do Parlamento Europeu e qual a significância deste organismo sobre a sua vida quotidiana. Em Portugal, por exemplo, a coligação no governo (PSD/PP) envia seus dois partidos a lados opostos da Câmara dos Deputados em Estrasburgo, mas disputa a eleição como um bloco único.

Com a contagem e análise dos votos, o único factor comum parece ser que a Oposição, seja qual for, ganhou em quase todos os países e que a população de Europa está firmemente contra o acto de chacina chamado a Guerra contra o Iraque.

Coligações de esquerda ou centro-esquerda ganharam votos contra governos da direita em 7 dos 25 Estados-Membros: Áustria, onde o Partido de Liberdade (extrema-direita) perdeu 4 dos seus 5 lugares; em França, onde os Socialistas fizeram mais ganhos; na Itália, onde a coligação de Berlusconi viu sua percentagem do voto cair dos 29,4% até 21%; em Portugal, onde os Socialistas e Bloco de Esquerda fizeram ganhos significantes, os Comunistas mantiveram a posição e o governo de centro-direita (PSD) e da direita (PP) foi esmagado numa onda de revolta popular contra suas políticas anti-sociais e pouco populares; na Lituânia, a oposição do centro-esquerda venceu os Democratas Sociais, em Malta, os verdes e o Partido Socialista venceram o Partido nacionalista e na Estónia, o governo de centro-direita foi quem mais votos perdeu.

As forças anti-guerra desempenharam um papel fundamental em Dinamarca, onde o governo Liberal foi punido por ter apoiado a guerra pelos Democratas Sociais (pró-integração) e nos Países Baixos, onde um novo agrupamento anti-guerra, Europa Transparente, ganhou dois lugares. Com os Socialistas da Espanha a manterem sua posição e o governo pró-guerra de Portugal a ser esmagado, a Europa falou bem claro contra os sicofantas de Washington e sobre a sua posição perante a política externa de Bush, baseada em beligerância, prepotência e chantagem.

A oposição da direita política ganhou em 5 países: na Alemanha, onde os Cristãos Democratas impuseram o pior resultado desde a Segunda Guerra Mundial ao SPD de Gerhard Schroeder; na Hungria, onde a oposição conservador ganhou 13 lugares e onde o primeiro cigano foi eleito ao Parlamento Europeu; na Eslovénia, onde a oposição do centro-direita fez ganhos contra o centro-esquerda; na Letónia, o Partido Para a Pátria e Liberdade foi o vencedor e na Finlândia, o Partido Conservador da Coligação Nacional foi o que maior partilha dos votos ganhou.

Os partidos no governo mantiveram a sua porcentagem do voto em 6 países: na Bélgica, onde se efectuou uma taxa de votação de 90,08% e onde o governo Liberal-Socialista ganhou 2 lugares; na Grécia, onde o Partido Conservador no governo manteve a distância sobre os Socialistas; na Espanha, onde os Socialistas permaneceram a frente; na Eslováquia, onde o governo manteve a posição de liderança mas onde menos que 17% da população foi votar; na Irlanda, onde o Partido Fianna Fail (governo) mantém seus 5 lugares e a oposição Fine Gael seus 4 e em Luxemburgo, onde o Primeiro-ministro Jean-Claude Juncker confirmou seu estatuto como Chefe de Governo por mais tempo na União Europeia, numa taxa de votação de 85%.

Forças anti-União Europeia ou Euro-cépticos fizeram ganhos em 5 países: na república Checa (o Partido Democrático Cívico, com 9 dos 24 lugares), onde a taxa de votação foi de apenas 29% e onde os Democratas Sociais no poder venceram menos que 9% do voto; na Polónia, os Euro-cépticos e partidos da direita fizeram substanciais ganhos contra o centro-esquerda (com uma taxa de votação de menos que 20%); na Suécia a força euro-céptica Lista de Junho venceu 14% do voto; no Reino Unido, Labour e o maior partido da oposição, o Partido Conservador, perderam votos contra o novo Partido de Independência, anti-UE, que ganhou 16,1% do voto com 2, 650,000 votos, mais que o bem estabelecido Partido Liberal Democrático. Em Chipre, o voto soletrou um claro NÃO contra a unificação.

Em conclusão, um voto claro para uma Europa de Nações, juntos mas não unidos por um acordo comercial com base muito larga e flexível com muita margem de manobra e um voto contra uma Federação de Estados controlados pelos Eurocratas em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo. Ninguém perguntou à população da Europa se quiseram este modelo, ninguém sabe em quem ou em que está a votar porque ninguém nestes três cidades se motivou a explicar de forma eficaz aos cidadãos o que estão a fazer e para onde vamos.

Ninguém pode exigir que a população da Europa pratique a democracia quando as instituições em que votam são dos mais antidemocráticas em existência, pois o único organismo que é eleito directamente é o único que não detém nenhum poder executivo. Os Eurocratas fariam bem se ouvissem a vox populi, que falou de forma inequívoca e entregou-lhes uma mensagem clara: um cartão amarelo ao actual modelo. A elevada taxa de abstenção é uma prova da falta de satisfação dos cidadãos, um voto contra o sistema. Cabe aos políticos motivá-los a votar e isso se faz por acções, não palavras e omissões.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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