O LEGADO DE REAGAN

De fato, desde a década de 90 tem-se afirmado que Reagan foi o responsável pelo fim da Guerra Fria entre os EUA e a URSS: ele teria assinado importantes acordos de redução de armamento estratégico, ao mesmo tempo em que aumentou os gastos militares de seu país, forçando a União Soviética a gastar mais do que poderia e levando-a ao colapso.

A verdade, porém, é bastante diferente: todas as iniciativas e propostas de desarmamento vieram de Mikhail Gorbachev, então premier soviético, e muitas delas foram unilaterais, como a que punha fim aos testes nucleares (a URSS foi o primeiro país a parar de desenvolver novas armas atômicas, em 1986, e a Rússia mantem até hoje a mesma determinação; os EUA só fizeram o mesmo em 1992, no governo de Bill Clinton, mas em 2001 já voltaram).

Os suecos, pelo menos, foram justos, e deram o prêmio Nobel da paz a Gorbachev, e não a Reagan.

Reagan foi muito resistente a várias propostas soviéticas de desarmamento, exatamente porque ele fora eleito para mostrar força e aumentar o poderio militar dos EUA. Uma de suas principais propostas era a SDI (sigla em inglês para Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecida como "Guerra nas Estrelas"), um projeto megalomaníaco de criar um sistema de proteção contra ataques de mísseis nucleares da URSS; e diga-se que tal projeto, no qual gastaram-se alguns bilhões de dólares, era um blefe, pois simplesmente não havia tecnologia na época para algo assim.

Quanto ao aumento dos gastos militares nos EUA e o incremento da corrida armamentista, os correligionários de Reagan dizem que com isso ele levou ao fim da URSS, mas simplesmente não há nenhuma relação: nem Reagan, nem absolutamente ninguém na época, poderia imaginar que em tão pouco tempo a URSS deixaria de existir.

A pressão dos gastos militares, na tentativa de manter a paridade bélica com os EUA, sem dúvida causou problemas à economia soviética, mas não foi a causa de seu fim. Reagan não era um "profeta iluminado", que sabia o que ia acontecer em breve e estava preparando seu país para a hegemonia mundial: era simplesmente um político que, como vários outros, conseguiu apoio e votos interpretando o papel de forte e determinado.

E se os imensos gastos militares causaram problemas à economia soviética, também não deixaram incólume a norte-americana, embora esta fosse muito maior. Um dos verdadeiros legados de Reagan é o imenso déficit orçamentário: cada vez mais os EUA gastam muito mais do que arrecadam.

Este é o grande calcanhar de Aquiles da economia estadunidense, e que pode lhe levar a problemas sérios em um prazo não muito longo, se continuar assim. Os EUA só conseguem fechar as contas de seu orçamento e manter o valor de sua moeda, excessivamente impressa, graças à forte demanda mundial por dólares e porque há muitos que consideram os Estados Unidos o lugar mais seguro para investir, e estão dispostos a emprestar dinheiro a este país com juros muito baixos.

Porém, se o euro continuar tomando o lugar do dólar como moeda internacional, e se o déficit seguir crescendo (pois Bush o levou a recordes históricos), a confiança dos investidores em relação aos EUA irá cair, e as coisas se complicarão bastante para a "única superpotência do mundo".

O outro grande legado de Reagan é o neoconservadorismo, a doutrina de que os EUA são a superpotência hegemônica no mundo, que tudo pode, e que está numa cruzada contra as forças do mal, que na época eram o comunismo e a União Soviética. Bush nada mais é do que uma cópia piorada de Reagan, cujo governo já era suficientemente ruim: também aumentou imensamente os gastos militares dos EUA, ao mesmo tempo em que reduziu a cobrança de impostos aos mais ricos, e assim criou um déficit colossal; busca a hegemonia militar dos EUA, sua capacidade de derrotar qualquer adversário em qualquer lugar; e lançou uma cruzada contra as "forças do mal", desta vez o terrorismo internacional.

Bush, porém, fez pior ao abandonar qualquer tipo de busca de consenso e lançando a doutrina do "ataque preventivo" como pretexto para invadir outro país. Exceto por intervenções na Nicarágua e em Granada, pelo menos Reagan não lançou o país em nenhuma grande aventura militar.

Os verdadeiros legados de Reagan não foram nem um pouco benéficos, seja para os EUA, seja para o mundo. É um dos presidentes mais injustamente idolatrados: nada mais foi do que um político oportunista, que soube angariar votos e popularidades posando como forte, ao mesmo tempo em que buscava mostrar-se aos demais países como pacifista e a favor do desarmamento. Só o fato de ter sido o grande inspirador do atual presidente norte-americano já mostra que seu governo não pode ter sido bom.

Carlo MOIANA PRAVDA.Ru BRASIL

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