Guerra de palavras ou guerra de silêncios?

O que vale mais dinheiro, na infoguerra contra Rússia e Grécia?

Muito antes de David Cornwell (codinome, John Le Carré) ter-se aposentado de uma carreira insignificante de recolhedor de fatos no MI5 e MI6, para se dedicar à lucrativa ficção sobre espionagem, Eric Ambler (1909-1998) já criara o gênero, sem abandonar uma insignificante carreira de contador de mentiras numa agência de publicidade. No modelo de negócios de Le Carré, personalidades de várias nacionalidades próximas de nós mentem, jogam duplo e dão lições de moral a mais não poder, mas ninguém sobra para pôr a mão em dinheiro grosso, exceto Le Carré.

Ambler, em seu livro mais bem urdido, The Intercom Conspiracy [1969] [Epitáfio para um espião. Conspiração Intercom], contou a história de dois funcionários de países da OTAN, que planejam o business de publicar segredos, com o objetivo de fazer fortuna recolhendo dinheiro para parar de publicá-los. A grande sacada de Ambler foi dar-se conta de que as agências sempre em guerra, de Washington, Bruxelas, Londres e Moscou, pagarão sempre mais dinheiro pelo silêncio, do que por mentiras.

No que tenha a ver com a atual infoguerra contra a Rússia - e também contra a Grécia -, o modelo de negócio de Ambler provavelmente seria mais lucrativo que o de Le Carré. Assim sendo, por que todo o dinheiro norte-americano, da OTAN, de universidades e fundações está sendo consumido para adivinhar o que se esconde por trás das invenções de mentirosos padrão 2º ano primário? Resposta: porque na guerra, a verdade tem valor operacional zero, a menos que seja secreta; e não tem valor patrimonial, até que a guerra termine e seja vencida pelos contadores de verdades. Se você perde a guerra, como os gregos estão agora descobrindo, a verdade não tem valor de mercado. Você ficou pobre demais para pagar por ela.

Em Conspiração Intercom, um general norte-americano de uma estrela, aposentado, lança semanalmente um boletim de notícias, um newsletter; o homem é uma espécie de cruza de Philip Breedlove, atual comandante da OTAN, com Anne Applebaum, esposa de ex-político polonês: tola, vazia, sem graça, amalucada. Uma noite, depois de comer demais no jantar, o general cai morto. O jornalzinho dele é então comprado por dois oficiais da OTAN, coronéis de grupos de inteligência dos respectivos exércitos. Um é sutil demais para ser holandês; o outro, baixinho demais para ser sueco. Não são nem excêntricos como ingleses, nem obedientes como alemães. Para sermos precisos, são frios calculadores de riscos e lucros, como o genebrino médio, Ambler em pessoa. 

Sob nome codificado "Sésamo" [orig. SESAME], os segredos que os dois conspiradores fornecem ao newsletter "Intercom" começam com resultados de testes de uma nova aeronave de combate da OTAN, que revelam que o avião não alcança a velocidade anunciada e é instável em velocidade subsônica. Depois vêm notícias sobre problemas de armazenamento de combustível soviético para foguetes; especificações dos militares norte-americanos para silos de armazenamento de armas; os feitos de um sismógrafo de campo, de fabricação soviética, para detectar testes atômicos subterrâneos; o nome do agente-residente da KGB em Oslo, Noruega; e as entranhas de um torpedo britânico. 

Vários jornalistas entram em cena. Um deles, jornalista falsificado, é da CIA. A KGB aparece travestida como casal de intelectuais franceses. Os serviços britânico, alemão e francês são mais lentos de movimentos, e tem de correr atrás dos mais espertos. Quanto mais todos eles pressionam o redator da publicação, um canadense mal pago e beberrão, mais sobe o preço das ações da empresa de fachada proprietária do jornal e fornecedora dos segredos de Sésamo. Não demora até que raie a "desagradável suspeita" na mente do canadense, de que sua publicação é uma espécie de teste para a "introdução de modernos métodos de venda, da segunda profissão mais antiga do mundo". Para que ele continue a fazer o que o mandam fazer, e apaziguar os escrúpulos do homem, os proprietários oferecem-lhe um plus

Uma bofetada no rosto, uma droga para desorientar, uma concussão em colisão de carro contra um poste perto da estação ferroviária Cornavin em Genebra, são as únicas cenas de violência admitidas - do começo ao fim do livro. Sexo, nem pensar, porque a KGB mandou "uma Juno peso-meio-médio, cabelos negros grisalhando, pele morena e olhos faiscantes de tirano sanguinário". 

A única exibição pública (fingida) de moralidade fica por conta do suíço de contrainteligência. Segundo Ambler, são impelidos pela "suspeita de violação do território suíço ou de uma lei suíça promulgada para preservar a neutralidade suíça." Neutralidade suíça - ora, mas que curioso anacronismo, hoje em dia, não é? Para saberem se é ou não, vejam as fotos que publiquei dia 16/6/2014 ou leiam a correspondente coluna. 

Ambler escrevia em 1969. À parte as investigações de jornalismo investigativo do próprio Ambler que há na trama, o outro investigador desaparece do aeroporto de Genebra logo no início da história. No final, o sumiço do homem é rastreado através da fronteira suíça logo atrás do aeroporto em Ferney-Voltaire, França. O destino dele incluiu morte rápida, sem dor, com cadáver jogado num molde de peças de concreto de uma construção por ali, para jamais voltar a ser visto. Nem chegou a ser personagem, logo, ninguém chorou por ele. Ambler debita aquele desenlace à ganância temerária por informação vendável, mesmo que não se busquem exatamente verdades. 

Agora, com a Europa em guerra, será que a ação acompanha a ficção? Haverá lições sobre negócios a extrair do conto de Ambler sobre coronéis-com-informação? Quem se beneficiará da venda da verdade?

Os papéis que, no livro, cabem à newsletter "Intercom" e à fundação proprietária dele, "Fundação Interform", e por trás dela à empresa-imprensa Intercom Publishing Enterprises A.G., são representados hoje por centenas de publicações 'jornalísticas', fundações, think-tanks e corporações, inclusive órgãos do governo e entidades... eh... digamos... paraestatais, conhecidas como "universidades". Para conhecer a lista de todos os personagens em 2/2/2015, clique aqui.[1] 

Para todos aqueles personagens, a guerra contra a Rússia - guerra psicológica, infoguerra, guerra híbrida, guerra de sanções, guerra econômica - começou com uma sequência de cinco grandes eventos em 2014:

- os atiradores/matadores de precisão, em telhados em torno da praça Maidan, dias 18-20/2; 
- a derrubada do presidente Victor Yanukovich da Ucrânia, dia 21/2;
- a secessão na Crimeia, que se separou da Ucrânia e reintegrou-se à Rússia, em março;
- o início de operações armadas no Donbass, em abril; e 
- a derrubada do avião da Malaysian Airlines que fazia o voo MH17 em julho.


A verdade sobre as causas de cada um desses eventos - próximas e remotas - é muito investigada, muito noticiada, muito debatida. 

Pois apesar das investigações, notícias e debates, não houve qualquer revelação de autêntica inteligência sobre nenhum desses casos, por nenhuma das agências de governos diretamente envolvidos no que se passou. Nada em relatórios oficiais redigidos para Parlamentos, nada em vazamentos vazados por funcionários diretamente para o domínio público, nada em publicações jornalísticas. Nem um(a) sentinela tocador(a) do apito/alarme, dentre os vários milhares de empregados(as), comunicou-se com qualquer das dúzias de centros de jornalismo investigativo, cuja missão - dizem eles mesmos - é reunir e analisar provas que, sem o trabalho deles, continuariam faltando nos registros públicos. 

Para saber o quanto incompleta e inacreditável está-se provando a investigação oficial sobre a derrubada do voo MH17, leiam "Caixas pretas, buracos negros na investigação sobre o MH17 - Por que os franceses são tão ligeiros e tão reveladores, e os holandeses, tão lerdos e nada reveladores?" [6/4/2015, "Black Boxes, Black Holes In The Mh17 Investigation - Why Are The French So Swift And Revealing, The Dutch So Slow And Unrevealing?"]. 

Nem as organizações associadas a Wikileaks, a Julian Assange e a Edward Snowden divulgaram uma linha sequer, um único fato ou circunstância, que explique a paralisia  generalizada. Também não podem quebrar o silêncio. 

Como então é possível que a Europa esteja andando para a guerra já há 18 meses, com tão pouca verdade estabelecida sobre o que aconteceu - para nem falar que ninguém sabe dos pontos de desacordo que haja em todos os lados sobre como interpretar os fatos?

Segundo o romance Conspiração Intercom, a resposta é simples. O preço de compra/venda para guardar os segredos da guerra contra a Rússia provavelmente já é algum múltiplo de centenas de milhões de dólares já previsto no orçamento para fazer a infoguerra contra tudo e todos, inclusive contra o lado russo. Mas o soldo pode não bastar para garantir o silêncio de todos comprometidos com essa guerra. Sofreram lavagem cerebral? Estão com medo? São patriotas? Estarão confortáveis nos respetivos cargos, lares, férias? 

Ambler já morreu há muito para dizer qualquer coisa. Pode também ser o nosso caso. *****

 


[1] MUITO INTERESSANTE: No postado aí citado, há um mapa - "Distribuição global de think-tanks por região", citado como de http://gotothinktank.com. Infelizmente nada se encontra nesse endereço; a página pertence ao "Programa de Think-Tanks e Sociedades Civis" [orig. Think Tanks and Civil Societies Program (TTCSP)] do Lauder Institute, University of Pennsylvania.

          Mas no mapa que se vê na coluna do dia 2/2/2015 do blog "Dance with Bears" vê-se a América do Sul (Brasil incluído). E ali se vê que vivemos na região onde há a 4ª MENOR QUANTIDADE RELATIVA DE THINK-TANKS NO MUNDO (9,7%), apenas um pouquinho acima de África (8,97%) e do Oriente-Médio-Norte-da-África, MENA (7,49%); e bem acima da Oceania (0,56%).  Acho que o que o mundo conhece como 'think-tank' [para enganar que reúnem pessoas que realmente pensariam] chama-se, no Brasil, "instituto de pesquisas de opinião" [para enganar que reúnem pessoas que, de tão 'isentas', praticamente nem existem! E os institutos  de pesquisa de opiniaõ, assim, apenas 'constata(ria)m' a garantida e certificada verdade do mundo. Mais um golpe! Mais um! [NTs]

         9/7/2015, John Helmer, blog Dance with Bears, Moscou

 

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