Líbia dividida pelo ódio após a morte de Kadafi

Líbia dividida pelo ódio após a morte de Kadafi

A etnia tuaregue é uma das 140 tribos e clãs existentes na Líbia.

Simba Rousseau

Líbia dividida pelo ódio após a morte de Kadafi. 15899.jpegO fim do regime de Muammar Kadafi, que governou a Líbia com mão de ferro, durante quatro décadas, traz à tona um forte ódio racial. O objetivo dos líbios agora é construir uma democracia viável, elaborar uma nova Constituição e organizar eleições parlamentares e presidenciais.

Porém, os líderes do Conselho Nacional de Transição (CNT) ainda lutam por obter um consenso nacional.

Esta dificuldade foi reconhecida pelo primeiro-ministro interino, Mahmoud Jibril que, ao anunciar sua demissão, em 22 de outubro, assinalou que a unidade nacional seria o desafio principal, a partir deste momento.

"Tirar as armas das ruas, reatar a lei e a ordem e conseguir a união nacional são as prioridades, depois da morte de Kadafi", afirmou Jibril à imprensa, depois da reunião regional do Foro Econômico Mundial, efetuada na Jordânia.

Com mais de 140 tribos e clãs, a Líbia é considerada uma das nações mais fragmentadas do mundo árabe. Apesar da modernização, o tribalismo continua ganhando força num país agora inundado de armas.

Aproximadamente, 40 milícias independentes foram organizadas durante o levante e continuam ativas. Há dúvidas quanto à capacidade do CNT de governar sobre todos estes grupos, muitos dos quais têm interesses diferentes e contas que cobrar do passado.

Para os líbios do sul, este panorama desalentador virou realidade. Em Tawergha, a uns 64 quilômetros ao sul da cidade nortenha de Misurata, na costa ocidental do golfo de Sirte, moravam aproximadamente 20 mil pessoas. Agora, se tornou um povoado fantasma.

Segundo alguns líbios, Tawergha recebeu esse nome porque seus habitantes têm a pele escura, como a dos membros da etnia berbere tuaregue.

Os tuaregues, que habitavam as fronteiras com Chade, Níger e Argélia, eram historicamente nômades que controlavam o comércio através do deserto do Saara, e tinham a reputação de serem ladrões.

Nos anos 70, Kadafi reuniu os tuaregues e outros recrutas africanos para formar seu batalhão elite, conhecido como Al Asmar, que significa "os negros" em árabe.

Supervisionadas por Kadafi, estas milícias participavam de expedições nos países vizinhos. No início da revolta, em fevereiro deste ano, muitos tuaregues foram enviados para enfrentar os manifestantes.

Em conseqüência, o ódio racial incrementou-se, e segundo informações não confirmadas de que mercenários de outros países eram contratados por Kadafi para deter o descontentamento popular, nasceu outro inimigo comum: os africanos de raça negra.

Para os moradores de Misurata, os tuaregues são responsáveis por alguns dos piores abusos durante o cerco de Kadafi a essa cidade, entre março e abril.

Em 15 de agosto passado, considerado por organizações de direitos humanos como ataques de retaliação, forças rebeldes, sob o nome comum de "Brigada de Expurgo de Escravos de Pele Negra", tinham detido e deslocado centenas de tuaregues, enquanto outros sumiram.

"Se retornarmos a Tawergha, ficaremos a mercê dos rebeldes de Misurata", disse à Anistia Internacional uma mulher que viven numa barraca com o esposo e cinco filhos.

"Quando os rebeldes entraram em nossa cidade, em meados de agosto, bombardearam-na, e nós fugimos, levando a roupa em nossas costas. Nem sei o que aconteceu com nossas casas e nossos pertences. Agora estou aqui neste acampamento, meu filho esta doente e tenho medo de ir ao hospital da cidade. Não sei o que vai acontecer conosco agora", expressou.

Presos também no fogo da vingança estão os emigrantes econômicos e refugiados da África subsaariana. Muitos procuraram refúgio na Tunísia e no Egito.

"Temendo por suas vidas, meus pais, que são da cidade de Al Fasher, em Darfur, fugiram para Trípoli, em 1998. Eu sempre morei na Líbia. Meu pai trabalhava como cozinheiro e minha mãe era dona de casa. Antes de fugirmos, eu frequentava o terceiro ano da carreira de Medicina, na universidade", disse à IPS, Eiman, 20 anos.

"Infelizmente, o levante na Líbia teve um final sangrento porque as pessoas não respeitaram a lei e começaram a violar e a matar. Durante dois meses, minha família ficou sem sair da casa", acrescentou.

"Acusavam as pessoas de serem mercenários e matavam todos os homens negros que pegavam nas ruas. Nossa mãe nos trazia a refeição, porém, muitos dias, ficamos sem comer", contou.

No mês passado, o jornal estadunidense The Wall Street Journal citou Jibril, assinalando: "Sobre Tawergha, minha opinião é que ninguém tem direito de intervir neste assunto a não ser a população de Misurata. Este assunto não pode se resolvido através de teorias e livros sobre reconciliação nacional na África do Sul, Irlanda e Europa do Leste".

Os apelos dos grupos de direitos humanos para proteger os habitantes de raça negra na Líbia parecem não ser escutados e, infelizmente, isto é um aviso do que está por vir. (Extraído da IPS)

http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=73bf6c41e241e28b89d0fb9e0c82f9ce&cod=8876

 

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