Coimbra: A Escola da Noite estreia "Desmesura - exercício com Medeia"

Coimbra: A Escola da Noite estreia "Desmesura - exercício com Medeia"

A Escola da Noite estreia no próximo dia 10 de Outubro, quinta-feira, "Desmesura - exercício com Medeia". A peça de Hélia Correia é uma revisitação ao mito imortalizado por Eurípides, a quem a escritora a dedica, como uma homenagem. Numa temporada ligeiramente mais curta do que o habitual, o espectáculo fica em cena no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, até 27 de Outubro, de quinta a domingo.

 

A Escola da Noite partilha com Hélia Correia a profunda admiração pela cultura helénica e pelos textos clássicos. Mais de 20 anos depois de "As Troianas" (1997, com encenação de Konrad  Zchiedrich) e de "Os Persas" (1999, encenação de Pierre Voltz) e dezasseis anos depois de "O Horácio", de Heiner Müller (2003, também pela mão de Pierre Voltz), a companhia de Coimbra volta a mergulhar no universo dos grandes textos que marcam a história da cultura europeia. Medeia, a mulher do herói Jasão, sofre em Corinto a traição do marido e o peso de ser uma estrangeira, com língua e cultura diferentes. Abandonada e prestes a ser expulsa, planeia e executa a vingança, cuja atrocidade nos interpela até hoje, quase 2500 anos depois de ter sido escrita.

 

Os recônditos obscuros da alma humana

Hélia visita a versão de Eurípides e conta-nos a tragédia a partir do espaço doméstico - a cozinha da casa de Medeia e Jasão, espaço das escravas mulheres a quem dá destaque na obra. Longe de se propor fazer qualquer tipo de actualização do mito, a autora, que gosta de "pensar helenicamente" quando se debruça sobre os textos gregos, realça assim, aos olhos dos leitores e espectadores dos nossos dias, alguns dos traços essenciais do mito original: a dominação entre humanos (senhores-escravos, cidadão-bárbaro, nacional-estrangeiro, homem-mulher) e a forma como as relações de poder são construídas, alimentadas e alteradas pelo poder das palavras, mas também o lugar da paixão, dos sentimentos, da irracionalidade no comportamento humano e nas relações sociais.

"Desmesura" retrata, nas palavras da investigadora e professora da Universidade de Coimbra Fátima Sousa e Silva, aquilo que é "insondável e fluido: os recônditos obscuros da alma humana".

 

"É preciso falar. É preciso retomarmos a palavra."

A sabedoria dos gregos - afirmou Hélia Correia numa entrevista em 2012 - "é o conseguir aliar a inteligência, o pensamento e a fala sobre o pensamento - o ser livre enquanto ser falante; havia até uma fórmula: os humanos dotados de fala, ou dotados das asas da fala - com uma cosmogonia prodigiosa". Neste "exercício com Medeia" o lugar e o poder das palavras é largamente evidenciado. A quem é reconhecido o direito de falar? Quem determina a língua em que nos podemos expressar? Que poder libertador podem ter as palavras quando as tomamos e recusamos a condenação ao silêncio que outros nos querem impor? O que fazer quando não encontramos a palavra adequada para descrever o que sentimos?

Sem surpresa, nem Hélia nem a sua Medeia nos dão respostas. Antes nos desafiam, uma pela voz da outra, a continuar a contar a história, "até que um de entre vós a compreenda!". Porque "só a palavra dita, solta, dialogante, a capacidade de argumentação - esclareceu a autora numa outra entrevista recente - pode fazer pensar. É preciso falar. É preciso retomarmos a palavra".

 

Um projecto com várias vozes

Inscrita no plano quadrienal de actividades proposto pel'A Escola da Noite para 2018-2021, "Desmesura" é a 68.ª criação da companhia. À equipa habitual junta-se para este projecto um conjunto alargado de artistas, vários deles trabalhando pela primeira vez com o grupo: as actrizes Ana Teresa Santos, Daniela Marques e Lucília Raimundo interpretam as três escravas da casa de Medeia e Jasão (interpretados por Sofia Lobo e Miguel Magalhães); o artista plástico Carlos Júlio estreia-se na cenografia e assina o espaço cénico (com Sofia Lobo); o músico e compositor brasileiro Jarbas Bittencourt (que o público de Coimbra recorda de "As Orações de Mansata") assume a direcção musical, compõe a música original e cria, com Zé Diogo, o espaço sonoro que envolve o espectáculo. A encenação é partilhada entre Igor Lebreaud, Jarbas Bittencourt e Sofia Lobo.

"Desmesura" fica em cena em Coimbra até 27 de Outubro, de quinta-feira a domingo - às sextas e sábados às 21h30, aos domingos às 16h00 e às quintas-feiras às 19h00, mantendo a aposta de sucesso iniciada em Junho com "o homem que".

Os bilhetes, que já podem ser reservados pelos contactos habituais (239 718 238 / 966 302 488 / [email protected]), custam entre 5 e 10 Euros.

 

 

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