A farsa do agronegócio

Daí decorre a maior parte dos problemas lá vividos. Novo grande campo de batalha entre a elite e os trabalhadores, o tema diz respeito à dignidade da população pobre, o respeito ao meio ambiente (com previsível dano à saúde coletiva) e a fortes interesses econômicos de grandes proprietários de terra. E lá está a Veja, mais uma vez, pregando ao lado da elite econômica.

Saiu no baluarte midiático do atraso nacional a mais nova peça publicitária sobre o agronegócio. É dirigida ao brasileiro médio, que lê revista tentando achar referência para a confusão imposta pelas informações superficiais da televisão.

Despeja a revista Veja em suas páginas (Edição 1873, 29/9/2004): "Entre 1990 e 2002, o PIB agropecuário cresceu numa média de 3,20%, enquanto a economia como um todo ficou em 2,70%. Nos últimos cinco anos, o ritmo de crescimento do setor foi quase o dobro do registrado pelo país. Os agricultores brasileiros são os mais competitivos na produção de açúcar, soja, algodão e laranja. O país já é o maior exportador mundial de carne bovina e de frango. Junto, o agronegócio representa cerca de 35% da economia brasileira."

Diz ainda: "A idéia de que a grande lavoura beneficiava um número reduzido de pessoas e que a melhor arma contra a pobreza era única e exclusivamente a agricultura familiar está caindo por terra. Toda vez que a produção agrícola de um país em desenvolvimento cresce 1%, a renda dos mais pobres aumenta em uma proporção maior, 1,6%". Cita Kevin Cleaver, diretor do departamento de desenvolvimento rural do Banco Mundial, que ressalta a suposta humanidade do agronegócio.

É o MST, o maior e mais organizado movimento rural do mundo, que lembra o incauto jornalista da Veja: "A classe dominante, aliada com os grandes fazendeiros e latifundiários, continua sua propaganda sistemática de projetar o agronegócio como a solução para boa parte dos problemas do país. As fazendas se modernizam, aumentam suas exportações, produzem dólares, mas não produzem comida, empregos e nem renda para o povo brasileiro. Apenas uma minoria de fazendeiros, que se dedicam à monocultura, com altos custos para o meio ambiente, está enriquecendo".

E continua: "É importante observar que o estudo sobre as transformações tecnológicas promovido pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo) e pela Unicamp (Universidade de Capinas), revelaram que a adoção dos métodos de cultivo do agronegócio em todo país provocaria uma redução de 70% do nível de emprego de mão-de-obra agrícola."

Além disso, o professor Hamilton Octavio de Souza cita estudo realizado pela Esalq-USP, indicando que a participação média da agricultura e da agroindústria no PIB brasileiro, nos últimos anos, foi da ordem de 31% do total; dessa parte, a agricultura e a pecuária, incluindo pequena e média propriedade, ficam com 9,4%; e dessa parte apenas 3,5% são de exportações do agronegócio.

A Veja ressalta: "Em Sapezal, no oeste de Mato Grosso, o milho é plantado logo depois que as máquinas automáticas equipadas com ar-condicionado colhem a soja. Em um dia típico de trabalho, cada uma extrai cerca de 3.500 sacos. Juntos, os tratores, plantadeiras e colheitadeiras que aparecem nesta foto (abaixo) representam um investimento de 20 milhões de reais". Com habilidade, a revista Veja une a parcialidade de números soltos com a força da comunicação visual para fazer propaganda do agronegócio.

Seria apenas mais uma propaganda elitista entre tantas que se lê no semanário se o ônus para os trabalhadores não fosse tão grande. No começo do mês, por exemplo, o relator nacional para o direito humano ao meio ambiente, Jean-Pierre Leroy, visitou o estado do Mato Grosso. O objetivo era perceber casos de violação a direitos humanos e relatá-los, de forma a pressionar o poder público a tomar atitudes em defesa de pessoas e comunidades violadas. Jean-Pierre, que também é assessor da FASE (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), relatou um pouco do que viu por lá. Trata-se de violências sociais, culturais, morais e físicas do pior quilate.

"Por trás dos casos de violência organizada e crimes que viu por lá, o relator identificou claramente os velhos e incessantes interesses econômicos, que no Mato Grosso estão ligados ao cultivo de soja, à pecuária e à construção de hidrelétricas. No rol das vítimas, índios, quilombolas e pequenos agricultores despossuídos, todos avassalados pela perversidade atrasada do meio rural moderno", diz trecho do documento da FASE.

Jean-Pierre Leroy denuncia: "O grão acaba com qualquer nascente, com brejos, acaba com tudo. A gente ia pelas estradas com a bacia do Araguaia de um lado e do outro a bacia do Xingu. O que é desses rios? Nós vimos dezenas de afluentes e neles não havia mais água! Tudo secando! Nenhuma mata ciliar. É das nascentes e dos brejos que começam os rios, e todas estão acabadas. A causa primeira disso são as fazendas de pecuária, nas quais ainda sobra um pouco de mata, uma lagoa etc. Agora, quando vem a plantação de grão, ela não se contenta com uma fazenda de mil hectares. Quem planta soja quer limpar milhares de hectares de solo, então liqüida absolutamente com tudo."

Sem querer adicionar nem uma única vírgula à conclusão do próprio MST sobre a propaganda criminosa não só de Veja mas de boa parte da mídia, destaco:

"A chamada grande imprensa brasileira representa fielmente os interesses da classe dominante e dos fazendeiros exportadores, cumprindo o papel de realizar sua pregação cotidiana contra o MST e a Reforma Agrária. Qualquer pessoa que acompanhasse a realidade brasileira somente por esses veículos de comunicação ficaria convencida de que no Brasil não tem mais latifúndio, pobres, desemprego e nem fome. Se convenceria também que o MST é composto por um bando de dementes, bolcheviques fora de seu tempo que merecem a cadeia!"

E finaliza: "Tudo isso não nos assusta. A classe dominante brasileira e seus porta-vozes sempre defenderam apenas seus privilégios atacando os que lutam por justiça social. Queremos apenas o que nos pertence: terra, dignidade e o direito sagrado de trabalhar todos os dias." Gustavo Barreto, 27 de setembro, 2004

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