Índios: Resgate de tradições culturais

Povos indígenas do Xingu apresentam ao PDPI, fundo financiador de projetos, conquistas no manejo de recursos naturais, geração de renda e resgate de tradições culturais, como o aumento da produção de mel, de sementes e da cestaria tradicional.

Pouco antes de morrer, em 2001, o cacique e pajé Prepori Kaiabi deu uma missão para um de seus filhos, Tuiat: continuar seu trabalho de manter e recuperar o conhecimento tradicional de seu povo no cultivo e manejo de sementes. Tuiat, hoje cacique e pajé da aldeia Kwaruja, no Parque Indígena do Xingu (PIX), atendeu ao pedido do pai, uma das lideranças mais importantes da história dos índios Kaiabi (ver box). Tuiat é o coordenador do projeto Monowi - amendoim, em Kaiabi –, que trabalha com a multiplicação e conservação de sementes para garantir recursos genéticos, segurança alimentar e resgate da culinária tradicional para o seu povo.

Os resultados obtidos por Tuiat foram mostrados à equipe do Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI), que no início de julho esteve no parque. Desde meados do do ano passado, o PDPI, fundo vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, repassa recursos financeiros e presta consultoria às atividades desenvolvidas pelos Kaiabi. A avaliação dos técnicos foi bastante positiva. “A ênfase dada ao resgate cultural e ao manejo dos recursos naturais faz do projeto Monowi um exemplo a ser multiplicado em todo o parque”, afirma a ecóloga Maira Smith, que trabalha com 62 projetos em todo o Brasil.

A visita da equipe do PDPI coincidiu com a inauguração da Casa de Sementes do Parque Indígena do Xingu, onde as variedades são catalogadas e armazenadas, e da Casa de Comida, na aldeia Kwaruja, na qual são preparadas as receitas tradicionais dos Kaiabi. O cacique Tuiat aproveitou a ocasião para anunciar que o projeto conseguiu uma marca impressionante na multiplicação das variedades de amendoim. Do cultivo sistemático de 22 tipos de sementes, listados em 1997 pelo engenheiro agrônomo Geraldo Mossiman, pesquisador associado do Programa Xingu, do ISA, surgiram outras 18, num total de 40 variedades diferentes de amendoim.

A progressão genética das sementes de uso tradicional dos Kaiabi se dá pela forma de plantar de seus agricultores, que semeiam as diferentes variedades em talhões separados um do outro e, durante a colheita, selecionam as novas variedades que aparecem para um próximo plantio. Com isto, até variedades consideradas extintas têm ressurgido nos roçados. O aumento do número de sementes, por sua vez, possibilita a recuperação de receitas típicas da culinária deste povo – nove tipos de mingau foram servidos na oficina gastronômica realizada durante a visita, além de diversos pratos com amendoim. Ajuda também a reconstruir a história da roça Kaiabi que, segundo contam os mais velhos, surgiu a partir do sacrifício de uma senhora chamada Kupeirup, cujo corpo queimado deu origem aos diversos alimentos cultivados pelo povo.

O projeto das sementes também embute a articulação entre as aldeias Kaiabi existentes no PIX. Isso porque o trabalho da aldeia Kwaruja se concentra em fazer um roçado comunitário, independente dos roçados particulares de cada família, no qual reúnem-se pessoas de outras aldeias para preparar a terra, plantar as culturas e auxiliar na colheita e preparação da produção. O conhecimento obtido a partir daí fez com que muitas das 12 aldeias Kaiabi do PIX abrissem novas roças comunitárias. “Essa mobilização tem uma importância política que se soma ao resgate cultural dos alimentos e à dimensão espiritual dada a eles pelos Kaiabi”, diz Geraldo Mossiman, que trabalha no PIX desde 1996 e viu o projeto nascer. “No começo não passava de uma atividade familiar, mas virou uma ação coletiva graças ao empenho pessoal do cacique Tuiat que, além de tudo, é um grande cientista indígena”, elogia o pesquisador.

A equipe de técnicos do PDPI aproveitou a estada no Xingu para verificar o andamento de outros dois projetos também apoiados pelo fundo: o de Resgate Cultural da Tecelagem e Cestaria Kaiabi e o de Desenvolvimento da Apicultura no PIX. Ambas as atividades, assim como o projeto de sementes, são coordenadas pela Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) em parceria com o Instituto Socioambiental.

Os projetos contam com apoio do PDPI há cerca de um ano, mas cada um deles se encontra em um estágio diferente de desenvolvimento. O mais antigo é o de apicultura, em curso desde 1996. Hoje é um projeto realizado por seis etnias do PIX - os Kisêdjê, os Yudjá, os Ikpeng, os Kamaiurá e os Trumai, além dos Kaiabi – e que está presente em 25 aldeias na região. Em cada uma delas, existem em média 3 apicultores capacitados, responsáveis pela captura das abelhas, manutenção das colméias, cuidado com os apiários, coleta e processamento do mel.

O maior diferencial do projeto de apicultura é possibilitar a geração de renda para as comunidades envolvidas. Isso porque, das 2 toneladas de mel produzidas pelos índios em 2004, e certificadas como produto orgânico pelo Instituto Biodinâmico (IBD), 800 quilos foram comprados pela rede varejista Pão de Açucar e vendidos em todo o Brasil. A inserção no mercado nacional é a principal conquista deste projeto e motivo de muito orgulho para os povos indígenas do Xingu. Com os recursos do PDPI os apicultores puderam construir mais duas casas de mel – onde o produto é processado e purificado - que, somadas às seis existentes, formam a base da produção destinada para fora dos limites do PIX. O projeto prevê a instalação de mais duas casas nos próximos meses.

O terceiro projeto – o da cestaria e tecelagem - é, assim como o das sementes, tocado apenas pelo povo Kaiabi e voltado para o resgate cultural e manejo sustentável de recursos naturais. Visa aliar estratégias de uso sustentável do uruyp - um tipo de arumã utilizado na cestaria que está escasso no PIX - com o levantamento e disseminação dos padrões gráficos utilizados pelos Kaiabi em seu artesanato tradicional.

Para isso projeto está promovendo o intercâmbio entre os Kaiabi do Xingu com seus parentes que permaneceram nas terras antigas no Pará. Os encontros de gerações Kaiabi foram realizados em três oficinas e permitiram que os mais velhos moradores do PIX, onde o conhecimento foi melhor preservado, pudessem ensinar as técnicas aos mais jovens das aldeias de dentro e de fora do parque. Enquanto os Kaiabi do Xingu entraram com o conhecimento sobre os grafismos, seus parentes do Pará trouxeram a matéria-prima da cestaria: as fibras de arumã. Durante a oficina, 53 grafismos diferentes foram catalogados.

A herança do grande pajé O cacique Prepori Kaiabi foi um dos principais personagens da história do Parque Indígena do Xingu (PIX). Sua atuação foi decisiva para que a maioria do povo Kaiabi decidisse abandonar suas aldeias às margens dos rios dos Peixes e Teles Pires, no nordeste do Mato Grosso, onde o contato com seringueiros vinha resultando em epidemias e conflitos violentos - para citar apenas os problemas mais graves –, e tentasse a sorte em novas terras, nas quais seria fundado em 1962 o Parque Indígena do Xingu.

A primeira viagem do cacique para a região do futuro Parque Indígena do Xingu foi feita à pé, quando ele abriu uma picada ao longo de semanas com alguns familiares. Quando chegou lá, Prepori logo plantou sementes de mandioca, milho, batata, inhame, cará, amendoim e fava, entre outros alimentos típicos da sua gente, trazidos de sua área ancenstral. O gesto vinha revestido de uma mensagem clara: aquela terra seria, dali em diante, do povo Kaiabi. Prepori ainda voltaria muitas vezes para seu antigo território para trazer novas sementes e mudas utilizadas na agricultura. Com isto, conservou e ampliou uma série de recursos tradicionais de seu povo.

Prepori também colaborou para que os irmãos Cláudio e Orlando Vilas-Bôas entrassem em contato com outros povos indígenas, como os Ikpeng e os Panará, durante o processo de contato ocorrido na década de cinquenta. Dono de um espírito apaziguador, colaborou para que as 14 etnias presentes no PIX convivessem em paz para administrar a nova unidade territorial que lhes fora imposta pelo governo brasileiro.

Cortesia de: www.socioambiental.org

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