A patologia da qual Portugal sofre é cada vez mais aguda, e crónica mas é fácil de tratar. Basta um pouco de organização, senso comum, e a capacidade de formar um plano a longo prazo.
Quanto ao primeiro remédio, Portugal já demonstrou em múltiplas ocasiões que se quiser, consegue organizar-se, a EXPO 98 e ao EURO-2004 sendo dois exemplos excelentes desta capacidade.
Relativamente ao senso comum, há muitos portugueses em lugares de destaque pelo mundo fora, por isso não é por falta de senso ou massa humana que Portugal falha.
Ora bem, é precisamente na questão de formular um plano a longo prazo em que tocamos aquele nervo. O povo português não é unido, a não ser por poucos instantes, um reflexo quase epiléptico, mas legado do sangue mouro do qual o povo português é herdeiro, aparentemente muito mais que alguns pensam.
A capacidade de formular um plano e dedicar-se a ele a longo prazo é muito mais que escrever umas linhas numas folhas de papel, algo que muitos portugueses fizeram amiúde, entre os quais Luís Vaz de Camões que escreveu discutivelmente a melhor obra jamais escrita na história da literatura mundial, os Lusíadas.
Por chato que seja essa obra para o miúdo de catorze anos, esforçado a decorar quantos cânticos tem a obra (coisa que nem Cavaco Silva sabia quando era Primeiro-ministro, ele cuja esposa era professora de português), tem uma riqueza de imagens, é um dicionário de mitologia, é um documento histórico e ainda por cima obedece a regras complicadíssimas de construção, estando em verso.
A história de Portugal está repleta de figuras brilhantes, agindo de maneira individual, começando com o Rei Afonso Henriques, continuando com a Padeira de Aljubarrota, Vasco da Gama, Fernão de Magalhães e por aí fora e até na história recente, na área desportiva, Carlos Lopes e Rosa Mota ocupam o primeiro lugar nos corações dos portugueses por brilharem numa modalidade individual (corrida de longa distância).
Pelas mesmas razões que a equipa nacional de futebol fracassou no Mundial de Japão/Coreia em 2002, Portugal está fracassando como país, ano após ano, com a produtividade em termos de PIB por capita a descer de forma constante. De facto, se estudarmos as cifras, vemos que há um decréscimo constante desde a Revolução de 1974.
Irlanda saltou por cima de Portugal, seguido por Grécia. O nível de vida na Espanha está substancialmente melhor, com os salários muito mais altos e os preços mais baixos. Portugal conseguiu descer de 15º lugar na Europa de 15 para entre 18º e 19º lugar na Europa de 25. Venha a Albânia, depressa, para salvaguardar o orgulho nacional!! E já agora, não podemos incluir o Sudão, Mauritânia, Chade e Burkina Faso? Que a situação está péssima, está. E o centro-esquerda não pode culpabilizar o centro-direita porque também não soube dar a volta, enquanto o povo não pode sempre culpar os políticos porque há muita gente, principalmente no PCP e Bloco de Esquerda, que trabalha dia e noite para o povo e para o país, propondo leis e medidas que são afogados pelos dois senhores do centro-esquerda e centro-direita.
Eis o cerne da questão. Enquanto haja duas formações políticas, quase coniventes, cujos membros monopolizam todos os postos de trabalho nos quadros superiores e médios-altos do país, incluindo não só os postos que seriam políticos em qualquer outro país mas também a gestão de hospitais, de institutos, de escolas, bancos e por aí fora, o desenvolvimento de Portugal permanecerá como um yo-yo, os testículos dos portugueses agarrados nas mãos do PSD e PS.
Cada vitória do PSD é acompanhado por uma onda laranja, que varre todos os lugares de destaque no país e cada vitória do PS é seguida por uma onda rosa. Qualquer uma destas formações coloca os amigos e familiares nos tachos, alguns competentes mas muitos não, como qualquer funcionário público confirmará, e o grande plano é ganhar as próximas eleições e se não vai ganhar, são destruídos os documentos, os papéis, os planos, no shredder ou são levados para casa para que o próximo partido tenha de começar de zero para não ganhar os louros a partir do trabalho do partido anterior. Por isso onde está a continuação?
Onde está também o sentido de responsabilidade? Responsabilidade? O quê é isso? Um miúdo morre com o cérebro frito por um choque eléctrico porque um botão no semáforo estava avariado mas quem estava responsável? Um cidadão quer resolver um problema e entidade A envia-o para entidade B, que o envia de volta para entidade A, uma verdadeira bola de pingue-pongue, quem não tem experiência disso?
Enquanto os que se atrevem a chamar-se os líderes de Portugal não consigam formular um organismo onde está presente o sector público, o sector privado e a sociedade civil, de forma constante e regular, para identificar os problemas do país, estudar soluções e colocá-las em prática, discutindo sempre como havia cada parte de agir no sentido de facilitar a tarefa, nada feito.
Outros souberam fazê-lo, Irlanda com seu Forfás e Cabo Verde, que desenvolveu de País Menos Desenvolvido para País de Desenvolvimento Médio numa década.
Será que Portugal é capaz? Qualidades, tem, inegavelmente. Só que, olhando para o livro da história, será que alguma vez houve um processo verdadeiramente democrático em Portugal? Chegou alguma vez a riqueza do país ao povo? Aquele ouro que entrou, cadê? E aquelas riquezas das especiarias? Alguém teve um plano nacional alguma vez?
Parece que são horas para esse povo começar a pensar como gente grande, colectiva e não individualmente, começar a ganhar um bocado de orgulho nacional e bater o pé, fazendo algo deste rectângulo de terra que tanto tem para oferecer mas que teima em lamuriar em contos de miséria.
A solução se chama um plano nacional, envolvendo todos os sectores da sociedade em base de igualdade, num organismo de foro permanente e supra-partidário, que consegue ver por cima dos pequenos interesses políticos.
Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru
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