É importante recuperar o centro do debate. O projeto de lei que está em debate no senado não é contrário à liberação dos transgênicos, muito menos limitador à continuidade das pesquisas sobre os mesmos.
Apenas cria e garante condições básicas de biossegurança - salvaguardas de proteção à saúde humana e ao meio ambiente - como condição para a liberação comercial ou normas de uso quando aptos e liberados para uso comercial.
O lobby das grandes indústrias multinacionais como apoio de alguns ingênuos de plantão (acompanhados de plantonistas nada ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo de controle.
Para isto defendem:
Todos os poderes à CTNBio; Nenhum teste de campo em solo nacional; Anulação da funções legais da ANVISA e do IBAMA; Nenhuma rotulagem; Livre cobrança de royalties sem nenhum controle; Porteiras abertas para as multinacionais monopolizarem as sementes e insumos agrícolas.
Os Poderes da CTNBio
A CTNBio ( Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) é um colegiado de cientistas que se reúne esporadicamente para dar pareceres e emitir decisões sobre autorização de pesquisas e liberações comerciais de organismos geneticamente modificados, entre eles, os transgênicos.
É uma Comissão Técnica, sem estrutura orgânica e administrativa para acompanhar testes ou mesmo se suas determinações estão sendo corretamente executadas. Seus membros não são remunerados nem profissionalizados para o cumprimento das tarefas em tempo integral.
Como um Comitê de cientistas e especialistas em várias áreas do conhecimentos afeitos à questão seu parecer é muito importante à luz dos conhecimentos até então acumulados. Mas transferir-lhes poderes absolutos para decisões definitivas sobre uma tecnologia tão controversa como os transgênicos, sem a mínima estrutura de acompanhamentos, avaliação e fiscalização de campo, é uma aventura e uma temeridade, inclusive para os cientistas que a compõe.
O Medo dos Testes
Os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil foram "engenheirados" ( produzidos em laboratório com técnicas de engenharia genética) em países do norte do planeta, a maioria nos Estados Unidos, em regiões de climas frios e pouca variabilidade biológica e utilizando material genético de bactérias e vírus adaptados a estes ambientes.
Nosso clima é tropical e sub-tropical, nossa biodiversidade é enorme, a microbiologia de nossos solos é diferente e a interação entre os microorganismos também é diversa. Por isto que estes produtos precisam ser testados aqui, com testes sérios e independentes e avaliados com todo o pacote tecnológico e tratos culturais a que serão submetidos em estado real quando cultivados a campo.
Não bastam os relatórios de lá e não bastam as informações da empresa interessada. São insuficientes as informações dos cientistas pagos pelas empresas donas da tecnologia. Precisam ser testados por quem tem atribuição legal para tanto e se responsabiliza judicialmente pelo que escreve nos relatórios oficiais.
E isto cabe, pela legislação brasileira, à ANVISA ( Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no que tange à Saúde; ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) no que tange aos efeitos no solo, na água e natureza em geral; ao Ministério da Agricultura no que tange à certificação das sementes e ao Ministério da Pesca no que tange a reprodução de peixes transgênicos.
É difícil entender porque tanto medo destes testes em solo, clima e meio ambiente brasileiro. Será porque os próprios promotores dos transgênicos já sabem que há sérios problemas, aliás já alertados por inúmeros cientistas independentes em várias partes do mundo? Quem não deve, não teme.
E onde tem fumaça, tem fogo.
O Fim do Primeiro Encanto
Não há mais grandes entusiasmos com a soja transgênica no Rio Grande do Sul. Ainda não começou o desencanto, mas não tem mais o encanto inicial. Os custos subiram. Navios voltaram. Os preços caíram.
A eficácia do roundup diminui ano a ano. Novas pragas surgiram. Os pomares e hortas próximos da soja envenenada minguam. A transgênica sofreu mais com a estiagem. A cobrança de royalties era verdade e não invenção dos inimigos da tecnologia. A onda de fanatismo que cegou a tantos está dando lugar a uma avaliação mais serena e mais pé no chão.
Algumas multinacionais querem monopolizar de ponta a ponta as principais cadeias produtivas de alimentos. O controle da indústria de sementes e de insumos é estratégico para alcançar este objetivo. No polo oposto da dialética, uma nação com enorme potencial agrícola como o Brasil, tem que pautar seu desenvolvimento rural nas potencialidades de sua enorme agrobiodiversidade, em seus sistemas camponeses de produção e convivência com os agroecosistemas locais e na independência tecnológica, científica, industrial e comercial nesta área vital para nossa soberania e nosso desenvolvimento.
O Pavor do Rótulo
Parte da indústria de alimentos diz-se favorável aos transgênicos, mas foge do rótulo como o diabo da cruz. Mas se os transgênicos são tão bons e seguros, porque tanto medo do rótulo? Porque não fazem disto um mote propagandístico: "coma transgênico, é seguro, saboroso e barato?"
A rotulagem ainda não chegou às prateleiras dos supermercados brasileiros, mesmo transformada em lei há mais de um ano. O que está em disputa são dois modelos de desenvolvimento rural: um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes grupos multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes dos insumos químicos e o outro centrado nas pequenas e média unidades de produção agropecuária, organizado em redes de cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais, empresas públicas estratégicas e baseados na diversificação produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas.
Esta disputa de fundo é que guia as disputas imediatas. As multinacionais do agronegócio sabem o que querem e onde querem chegar. Os transgênicos são apenas mais uma importante frente de batalha para elas e para os que querem um Brasil soberano, com uma agricultura camponesa forte produzindo alimentos saudáveis e variados em grande quantidade para nossa população e para o mundo.
Frei Sérgio Antônio Görgen Secretaria nacional do MST
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