O resultado das eleições nacionais na França no último fim de semana pode indicar um novo renascer para a esquerda radical na Europa e se transformar num modelo de luta política no Brasil.
O velho jogo dos conservadores, de assustar com o extremismo de direita para impor seu candidato, deve funcionar pela última vez este ano. O centro e os setores da chamada esquerda democrática, vão ajudar a eleger o banqueiro Emmanuel Macron, para impedir a vitória de Marine Le Pen, da extrema direita, seguindo aquela máxima de Tancredi, o Príncipe de Falconieri, do livro Il Gattopardo, de Tomasi di Lampeduza, de que tudo deve mudar para que permaneça igual.
O resultado das eleições mostrou o esgotamento definitivo da farsa socialista de François Hollande, que governa atualmente a França e dos republicanos de Sarkozy, que o antecedeu e a radicalização do processo político em três vertentes: a extrema direita fascista de Marine Le Pen, o centro conservador, apoiado por eleitorado que detesta a política e que foi representado por Emmanuel Macron e a nova força política da esquerda radical francesa, Le Parti de Gauche, que se apresenta com o nome de França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon e reúne, desde o tradicional e no passado poderoso Partido Comunista Francês, até os agrupamentos mais radicais de esquerda e os movimentos setorizados em defesa da natureza e das causas feministas.
Mélenchon foi candidato nas eleições anteriores e recebeu 11,10% dos votos. Nesse ano, ele conquistou 19,62% dos votos, enquanto o centrista François Fillon ficava com 19,94%, Le Pen com 21,43 e Macron 23,86%.
A menos que Le Pen surpreenda e ganhe o segundo turno, levando a França para posições cada vez mais xenófobas e isolacionistas, o provável vencedor, Macron, cumprirá com rigor um programa que interessa aos grandes grupos empresariais.
Esse programa de integração européia há muito fez água e os sinais de sua desagregação são cada vez mais evidentes, como sinalizou a próxima saída da Inglaterra da Comunidade Econômica Européia.
As alternativas que se apresentaram até agora, são ainda mais assustadoras, como o crescimento dos partidos de direita e a vitória no plebiscito turco do Presidente Erdogan, que pretende inclusive restaurar no País a pena de morte.
A pressão das correntes migratórias da África e da Ásia, a precarização do mercado de trabalho, e o rentismo, entre outras causas, liquidaram com o modelo do estado do bem estar social nos países europeus e estão levando suas populações para escolher entre aquelas únicas opções que istván Mészaros, diz ainda ser possível: socialismo ou barbárie.
A França de Macron, certamente, se aproximará cada vez mais da barbárie, aprofundando as dificuldades econômicas dos trabalhadores franceses e pavimentará o caminho para uma vitória da esquerda radical daqui a cinco anos.
Mélenchon, que poderá comandar esse processo de radicalização política da França, é oriundo da ala esquerda do Partido Socialista, do qual se separou em 2008, para organizar a Frente de Esquerda. Nascido no Marrocos, mudou-se para a França com 11 anos. Formado em Filosofia, foi uma das lideranças no movimento estudantil francês em 1968 e chegou a Ministro da Educação no governo socialista de Lionel Jospin.
Na campanha eleitoral desse ano, defendeu entre outras propostas: o aumento das despesas públicas em 275 milhões de euros, dos quais 102 milhões seriam aplicados em obras públicas e projetos ambientais; taxação elevada do imposto de renda sobre os maiores salários, criação de 3 milhões e meio de novos empregos e aumento do salário mínimo em 16%, passando a 1.326 euros mensais e obediência rigorosa da lei da semana de trabalho de 35 horas.
No plano internacional, Mélenchon defendeu a retirada da França da OTAN "para não ser arrastada à guerras pelos Estados Unidos e união a países não alinhados, como os da Alternativa Bolivariana".
Embora, teoricamente viáveis dentro do sistema capitalista, suas propostas implicam, na prática, numa verdadeira revolução social só possível com uma intensa mobilização popular que seja capaz de desestruturar o esquema de poder das classes dominantes.
As eleições brasileiras em 2018 poderão ser um bom teste sobre até que ponto o frágil modelo político em que vivemos seria capaz de aceitar um retorno das políticas sociais que os governos do PT implantaram no País e que em muito se assemelharam ao que Mélenchon propôs na sua campanha.
Caso possa ser candidato em 2018, Lula não poderá mais se apoiar nas lideranças centristas que formaram, então, ao seu lado em 2002 e terá que fazer uma opção pela esquerda radical.
Será então a oportunidade dos brasileiros escolherem entre caminhar em direção ao socialismo ou a barbárie.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter