Déficit da previdência é fraude

Economista e professor lança provocação aos governistas e a qualquer um: debater o suposto déficit da Previdência Social.

Governo faz propaganda de déficit que não existe

J. Carlos de Assis*

O Governo Temer está gastando milhões de reais em propaganda a fim de convencer o povo brasileiro de que a Previdência Social tem um grande déficit e precisa urgentemente de reformas profundas que atingem direitos adquiridos dos trabalhadores. A alegação de que há um grande déficit previdenciário é falsa. Na verdade, a Previdência não tem déficit nenhum, é superavitária. O propósito da propaganda de televisão é dúbio. Pode ser simplesmente dar dinheiro para a TV Globo, ou disseminar a ideologia do déficit.

Como um governo pode mentir tanto, para tantos e durante tanto tempo?Simples, manipulando os conceitos constitucionais de Previdência e de Seguridade Social. Previdência Social é o sistema contributivo tradicional. Para ele contribuem todo trabalhador do setor privado, assim como os autônomos. Chama-se, apropriadamente, de Previdência contributiva. Se olharem as contas, tem sido superavitário por anos e décadas. É um mecanismo de solidariedade entre gerações: os ativos pagam pelos inativos.Seguridade Social envolve também a parte não contributiva do sistema do lado patronal. É o caso da aposentadoria do setor público, saúde, aposentadoria rural e assistência. Embora não sejam integrantes do sistema contributivo, a Constituição criou fontes de financiamento para eles, notadamente contribuição dos servidores, contribuição sobre lucro líquido, Finsocial, receita de loterias etc. Em algum momento a CPMF integrou esse sistema de financiamento, mas os bancos e os grandes interesses conseguiram revogá-la.

Qual é, pois, a origem da manipulação? Consiste em somar todos os benefícios da Seguridade Social e compará-los ao financiamento exclusivo da Previdência Social. Claro, aparecerá um déficit gigantesco porque a Previdência não foi criada para sustentar todo o sistema de seguridade, mas apenas o sistema contributivo privado. A outra parte, não tendo financiamento específico, deve ser financiada pelas contribuições da seguridade em geral e, quando isso não é suficiente, por recursos do Tesouro Nacional.

Essa questão não é apenas contábil. É a fonte de distorção da proposta de reforma previdenciária defendida pelo governo e pelos asseclas do grande capital que estão de olho na privatização da Previdência como fizeram no Chile, destruindo o sistema público. Os trabalhadores terão de resistir a isso, do contrário não terão cobertura previdenciária na velhice. Além disso, se a proposta colocada pelo governo supostamente protege direitos adquiridos, podem se preparar, na frente, para uma segunda etapa, na qual esses direitos também desaparecerão. Portanto, é fundamental resistir já, agora!Sugiro que a resistência não se restrinja a lobbies no Congresso Nacional. Isso é importante, mas não basta. Os trabalhadores poderiam, por exemplo, procurar juristas respeitados e entrar imediatamente com uma ação de improbidade administrativa contra o governo a fim de sustar a publicidade do déficit previdenciário na televisão, que pode ser classificado como propaganda enganosa. Isso teria um caráter pedagógico importante. Se quiserem, darei uma assessoria informal, gratuita. Acho que a professora Denise Gentil, a maior especialista brasileira em Seguridade Social, também dará.

Note-se que, além de manipular as contas da Seguridade, o governo rouba - e isso vem de longe - através de contingenciamentos, recursos que seriam dirigidos constitucionalmente para seu financiamento. Esse "roubo" sistemático, que vem desde o Governo FHC, é destinado a pagar juros da dívida pública, de acordo com os mecanismos fiscais socialmente perversos introduzidos nas finanças públicas brasileiras desde a inominável Lei de Responsabilidade Fiscal, da qual fui um dos principais críticos na época de sua aprovação, e que agora está destruindo estados e prefeituras.

No meu caso, aceito qualquer debate sobre déficit da Seguridade e da Previdência com qualquer pessoa de dentro ou de fora do governoPode ser economista da PUC, pode ser economista de banco, pode ser contabilista, pode ser comentarista de jornal: aceita-se o contraditório, coisa que do lado de lá nunca fazem. Tenho mais de 40 anos de experiência em economia política, mais de 20 livros publicados, mais de 5 mil artigos em grandes jornais, e, mais recentemente, na internet: jamais vi, em minha vida profissional, maior tentativa de manipulação do povo do que essa publicidade de déficit previdenciário como matéria paga pela televisão.

*J. Carlos de Assis é Jornalista, economista, do Conselho Editorial do Monitor Mercantil, coordenador do Movimento Brasil Agora.

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