O modelo, se um dia chegar à sua perfeição, é assim: o Estado não se distingue do partido, e o partido não se distingue da sociedade. Seja numa agência reguladora. Seja numa tapera no interior do Piauí.
Pertence à médica Zilda Arns o diagnóstico mais demolidor do que tem sido o governo Lula na área social. Ele aparece inteiro e com notável precisão numa entrevista concedida à jornalista Soraya Aggege, publicada no jornal O Globo na segunda, dia 5. Zilda é uma das criadoras da Pastoral da Criança, entidade internacionalmente reconhecida pela excelência de seu trabalho com menores carentes, e também representa a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) no Conselho de Segurança Alimentar. É irmã do lendário dom Paulo Evaristo Arns, com quem já trabalhou, bispo emérito de São Paulo, famoso por sua luta contra a ditadura militar e em defesa dos pobres, o que o aproximou bastante da militância petista - de que a Igreja Católica sempre foi um pilar importante.
Trata-se, pois, de uma crítica que vem qualificada pelo mesmo universo mental e de atuação política no qual sempre transitou o PT. Pois é essa médica, essa especialista, essa grande conhecedora de causa, quem acusa o governo e o seu partido de burocratizar a assistência social, de precarizar o atendimento, de criar precondições para a volta da exploração eleitoreira da miséria.
É espantoso! Lula fez do Fome Zero - originalmente, mero truque de campanha de Duda Mendonça - um vistoso cavalo de batalha eleitoral, que se quedou de fadiga tão logo o petista chegou ao poder. Como cansaram de apontar este site e sua revista, nunca existiu, de fato, o programa correspondente ao nome. Zilda vai adiante, sem que nenhuma autoridade do governo ouse contestá-la por absoluta ausência de meios. Diz ela: "As grandes mudanças foram feitas no governo passado, com o Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o projeto de amparo aos idosos e aos portadores de deficiência. Foi a grande mudança na área social".
Sobre a atuação do governo Lula, afirma: "(...) E o governo não chega realmente nos bolsões de miséria. Eu vou e pergunto, e eles dizem que não estão participando dos projetos. Eles não têm nada". Eis aí. E pensar que foi justamente o tal "social" a grande moeda eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva e seu PT. E pensar que o presidente, em suas viagens internacionais, oferece o seu Fome Zero como modelo a ser seguido em outros países. Ora, ora... O mundo certamente quer se ver livre desses carinhos de Lula.
Zilda, é claro, faz, ao lado do diagnóstico demolidor, a sua profissão de fé em certo otimismo de rigor, apostando que o governo, enfim, vai aprender a... governar. Na verdade, ela sabe que são palavras de equilíbrio, para evitar confrontos que, eventualmente, venham a prejudicar o próprio trabalho. Ocorre que a pretendida prioridade ao social e a, vamos dizer, "despolitização" da assistência simplesmente não virão. No primeiro caso, porque o PT se amarrou a um modelo de que a área social, no que respeita às verbas, é não mais do que caudatária menor; no segundo caso, porque o que quer que venha a ser aplicado terá, inequivocamente, a marca do partido que se põe como o Príncipe Moderno, a ocupar todas as áreas da vida ativa da sociedade.
Ora, sem que chame, talvez por elegância e prudência, as coisas pelo seu devido nome, Zilda evidencia que o que houve na área social foi regressão, atraso. Como aqui se afirmou na edição anterior, está em curso uma prática política reacionária. O emblema maior dessa ação regressiva é certamente o mal ressuscitado programa do leite, que faz com que a assistência social abandone o bom caminho da renda mínima, do atendimento ao necessitado que chega na forma de dinheiro - que incentiva e move o comércio local - e sua substituição pela entrega do benefício em espécie, ante-sala da troca eleitoreira, o que a história brasileira é eloqüente em evidenciar.
Desarranjo? Casualidade? Falta de experiência? Nada disso! Trata-se de um método. Há uma mesma metafísica a unir o que Zilda denuncia na área social e o que se perpetrou, nesta terça-feira, na Anatel. O modelo, se um dia chegar à sua perfeição, é assim: o Estado não se distingue do partido, e o partido não se distingue da sociedade. Seja numa agência reguladora. Seja numa tapera no interior do Piauí.
PSDB
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