O dia 14 de dezembro de 2003, ficará gravado na história do Partido dos Trabalhadores, como o dia sinistro em que a cúpula palaciana e os membros do diretório que a acompanham, decidiram expulsar quatro parlamentares pelo delito de defender as bandeiras, os compromissos e os ideais com os quais foi construído o PT durante estes últimos 23 anos. Esta atitude foi a gota d'água, uma vez que demonstra com total clareza o giro irreversível do Partido dos Trabalhadores, que converter-se em mais um Partido da ordem, aplicador do modelo neoliberal, subserviente aos desejos dos banqueiros, dos latifundiários e do FMI. Para aplicar este projeto, era necessário matar a democracia interna, calando as vozes dos que ainda defendem o velho PT das origens, dos que negam- se a abaixar as bandeiras, de todos aqueles que continuam lutando para defender os interesses dos trabalhadores e do povo pobre, dos que negam-se aos pactos com a burguesia, dos que continuam defendendo a necessidade de lutar por um Brasil e um mundo socialista.
Todos os militantes da Corrente Socialista dos Trabalhadores, saímos de cabeça erguida acompanhando a expulsão dos quatro companheiros. Assim como muitos outros companheiros, consideramos que a expulsão de Babá, Heloísa, Luciana e João é o nosso limite, e ficamos desligados do PT, do qual nos desfiliaremos formalmente nos próximos dias.
Saímos com força e coragem para continuar a luta, porque sabemos que somos muitos, milhares, os que não desistimos, e queremos juntarmos com todos estes companheiros para empreendermos juntos a tarefa de construir um novo partido que defenda de forma conseqüente as bandeiras da classe trabalhadora.
Temos recebido milhares de cartas, e-mails, de telegramas e telefonemas de apoio, solidariedade, força e sobre tudo: de compromisso em incorpora-se à árdua caminhada de construção de um novo instrumento político. Mais de 6 mil companheiros assinaram a Declaração Política, na qual rechaçamos o curso do governo Lula, repudiamos as punições e anunciamos a intenção e a necessidade de construirmos um novo partido de esquerda.
No mesmo dia das expulsões, importantes intelectuais de esquerda, como Chico de Oliveira, Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder, além do ex-deputado federal Milton Temer, anunciaram que abandonam o PT, explicitando que não existe nenhuma possibilidade de construir uma ferramenta de transformação social ficando no PT.
Agradecemos todos os companheiros que nos enviaram mensagens de solidariedade e apoio. E sobre tudo, os chamamos a não desistir, a seguirmos juntos.
Continuaremos a coleta de assinaturas na Declaração Pública, (que hoje anexamos na sua versão final, tendo colhido sugestões e contribuições de diversos companheiros) até o dia 10/01/2004, quando faremos uma edição impressa com o total de assinaturas e a distribuiremos no país inteiro. Aos companheiros/as decididos a se engajar na tarefa do movimento pelo novo partido, sugerimos que nos ajudem a colher mais assinaturas, e se for possível, conformar comitês provisórios do movimento pelo novo partido na sua empresa, cidade, bairro ou curso. Aos que queiram receber mais material sobre os debates do novo partido, pedimos que nos enviem seu endereço, para que possamos enviar textos e folhetos impressos via correio. E a todos os que decidam somar-se, por favor nos indiquem sua cidade/estado, visto que isso nos ajudará a organizar as reuniões e as viagens dos nosso deputados.
Dois mil e três foi um ano difícil, mas de um grande aprendizado. Identificamos quem está de nosso lado, e quem não. Verificamos que a coligação com a burguesia levou à direção majoritária do partido a capitular aos interesses do grande capital. E apesar de isolados no âmbito do Congresso Nacional, não nos sentimos isolados porque permanentemente temos encontrado o apoio, a solidariedade e o carinho de milhares de trabalhadores, que sentiram-se por nós representados.
Começaremos o novo ano sem mágoas nem ressentimentos, lembrando a célebre frase de Spinoza: "Nem rir nem chorar; compreender", reiterando nosso compromisso com as lutas e as necessidades da classe trabalhadora. Como nos escreveu o companheiro Deilson : "Passado o tormento, a vida segue. Estou com a coerência dos rebeldes e pronto a cerrar fileiras num caminho novo".
Ano Novo, Vida Nova!
Deputado Babá,Gabinete Deputado Babá, Corrente Socialista dos Trabalhadores
Gravação da Intervenção do companheiro Babá na reunião do Diretório Nacional do PT em 14 de dezembro de 2003, que decidiu pela sua expulsão.
Companheiros e companheiras:
Vou começar afirmando que eu nunca estive tão bem com a minha consciência como nos últimos meses. Falo isso com a tranqüilidade de um lutador que hoje vai ser expulso do Partido dos Trabalhadores, hoje reunido neste templo da burguesia, o Blue Tree Park Hotel"... 5 estrelas.
Quando eu falei deste "Blue Tree Park Hotel" (e muitos de vocês sorriram) é porque existe uma diferença brutal com aquele pavilhão de Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, onde foi criada a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, no qual cada delegado recebeu um colchonete fininho, para dormir, e sofrendo um frio brutal, fundar a Central Única dos Trabalhadores. Aliás, da delegação do Pará, a metade voltou com pneumonia daquela encontro fabuloso, que criou a CUT no berço das principais lutas operárias da qual surgiu o companheiro Lula.
Mas neste processo de anos, aconteceram mudanças brutais no PT, e esta é a grande discussão que nós estamos travando. Mas vocês escolheram se isolar nesse hotel, para que a militância não venha a perceber claramente o debate que aqui está sendo travado e que vai culminar com a nossa expulsão.
Não tenho do que me defender. Eu defendi este Partido dos Trabalhadores desde 1980, quando tive oportunidade de entrar, lá no Pará, na primeira greve da Universidade Federal do Pará, e de lá para cá, com muitos companheiros da minha corrente, a Corrente Socialista dos Trabalhadores, viemos construindo o PT e nos enfrentando com os que hoje viraram "aliados" do governo, como Jader Barbalho. Eu fui preso, quando era deputado estadual, quando era governador precisamente o Sr. Jader Barbalho. E hoje, é muito provável que o PT venha a apoiar, em Ananindeua, cidade vizinha de Belém, o filho de Jader Barbalho, que é candidato a Prefeito. Mas estas são as negociações que estão sendo feitas, com o mesmo Jader Barbalho que garantiu a sua bancada para votar a Reforma da Previdência. A mesma Reforma da Previdência, que nós todos, éramos contrários! Não era Babá, todos nós na Câmara dos Deputados, ainda no governo FHC, votamos contra, todos nós não permitimos a votação da cobrança dos inativos. Mas hoje a maioria desta bancada votou favorável a isso.
Mas não estamos questionando aqui apenas a reforma previdenciária. O nosso debate é muito mais profundo, porque neste governo está o PT, junto com o PTB, o PPB do Maluf, do PMBD de Jader Barbalho e Sarney... e depois alguns têm coragem de dizer que nós estamos do lado da direita! como o dep. Adão Pretto (PT/RS) falou infelizmente da dep. Luciana Genro.
Ora companheiros, quem não permitiu que ACM fosse cassado? Foi a partir do Gabinete da Casa Civil, das articulações que foram feitas inclusive com PMDB. Em troca, o que se viu foi o neto de ACM, arquidefensor, junto com as lideranças do governo, das Reformas, para garantir os votos do PFL do ACM.
Reforma da Previdência que contou também com os votos do PMDB de Jader Barbalho, com os votos também do PTB de Roberto Jefferson...
Esta é a realidade dos fatos... mas não pára por aí. Que política econômica é essa que estão alardeando... "que os juros caíram, que caiu o Risco País... que diminuiu o dólar". Nós já ouvimos esse discurso com FHC durante anos. Lula infelizmente afirmou, depois da aprovação da Reforma da Previdência, que está de "alma lavada"..
Alma lavada, com a cobrança dos aposentados? com a perseguição aos servidores públicos? Alma lavada com a repressão que houve na Câmara dos Deputados, quando companheiros da FASUBRA foram arrastados pelos corredores da Câmara pela polícia de Roriz, e depois, o pelotão de choque da PF, solicitado pelo ministro Berzoini, com a concordância do Palácio do Planalto que arrastou a companheira Heloísa Helena e dirigentes sindicais no prédio do INSS? Alma lavada...?
Aos companheiros da direção majoritária: acham que isso é a coisa mais correta do mundo? Não foi isso o que eu aprendi dentro deste partido; com absoluta certeza, eu aprendi a lutar, a me enfrentar, .. eu entrei no movimento sindical em 1980, e justamente a partir daí entrei no PT, e até hoje estou defendendo os trabalhadores...
Mas os mesmos que lutaram anos atrás, ao lado dos servidores públicos, fazem hoje, como o professor Luizinho (PT/SP), que abriu processo contra os servidores públicos, no dia 29 de agosto porque se sentiu "agredido", mas eu fui depor (na comissão de Sindicância) em defesa dos servidores, contra Luizinho. Não podemos mais admitir estas coisas. Será que Lula está de alma lavada de ver um milhão a mais de desempregados só este ano, por conta desta política econômica;? Que política econômica é esta que só conseguiu assentar 13 mil famílias no campo, quando tem 200 mil famílias acampadas em beira de estrada... será que Lula também está de alma lavada porque neste ano, 155 bilhões foram destinados para pagar juros aos banqueiros, enquanto que para investimentos até novembro foi gasto 1,4 bilhão; quando em saneamento básico só gastaram 2,8 % do que estava no orçamento, para pró água, 2,5%... será que esta é a política correta que os companheiros estão alardeando... ?
Correta para o capital, é óbvio, por isso o "risco país" cai, porque os que não correm risco algum, são os banqueiros, são eles que fazem esses cálculos, são eles que controlam a economia, e por isso mesmo, estão no melhor dos mundos. Esta política assim é uma clara traição ao que nós nos comprometemos durante todo o período eleitoral...
Vou ler o que o fundador do PT e brilhante sociólogo e professor da USP, Chico de Oliveira, publicou hoje, na Folha de São Paulo, anunciando seu desligamento do PT: "Afasto-me porque não votei nas ultimas eleições no Partido dos Trabalhadores, reiterando um voto que se confirma desde 1982, para vê-lo governando com um programa que não foi apresentado aos eleitores. Nem o presidente nem muitos dos que estão nos ministérios nem outros que se elegeram para a câmara dos Deputados e para o Senado da República pediram meu voto para conduzir uma política econômica desastrosa, uma reforma da Previdência anti-trabalhador e pró-sistema financeiro, uma reforma tributária mofina e oligarquizada, uma campanha de descrédito e desmoralização do funcionalismo público, uma inversão de valores republicanos em benefício do ideal liberal do êxito a qualquer preço...".
Isto reflete não apenas o pensamento de Chico de Oliveira, mas reflete o pensamento de milhões, de 7 milhões de brasileiros que, de acordo com a última pesquisa, deixaram de aceitar e acreditar no governo Lula. Ou vocês não estão percebendo isso? Um milhão de trabalhadores caíram no desemprego, e vão cair mais com a continuidade desta política econômica. Será que estão de "alma lavada" por ver 58 trabalhadores rurais assassinados no campo, por culpa de uma política econômica, na qual não há dinheiro para Reforma Agrária? ... nem há dinheiro para o Fome Zero... Me perguntaram uma vez "Você não vê nada de positivo no governo Lula?", e eu respondi: "O marketing está dez." Mas o marketing não se mantêm por muito tempo.
Vocês têm que perceber, que antes de que nós sejamos expulsos, há milhares de funcionários públicos que estão largando o PT de uma forma irreversível. E esses companheiros foram os que construíram o PT, que é verdade que surgiu no ABC, mas o Servidor Público tinha estabilidade no emprego para andar com a estrelinha, para fazer campanha de filiações.... eles foram a alma da construção desse partido, e eu me orgulho de ter formado parte desse setor, que foi agora injustamente tratado de privilegiado, desmoralizado perante a sociedade como se fosse o grande mal da nação.
Eu vou continuar junto aos companheiras Heloísa Helena, Luciana Genro e João Fontes, e todos os outros companheiros que estão saindo com a gente, e continuaremos lutando porque é necessário. Saio de cabeça erguida, vou andar na minha universidade ou onde eu queira andar, de cabeça erguida... enquanto tem companheiros deputados hoje, que não podem mais participar nas suas assembléias de base, porque traíram os compromissos assumidos com os servidores públicos durante a campanha eleitoral. Mais não se trata só dos servidores públicos. Há um problema que é a transformação brutal do PT. Não é a toa que estamos onde estamos, neste hotel 5 estrelas, porque este é mais um reflexo do "new PT". Deste "novo partido" que prefere Heloísa Helena fora do PT, para abraçar Roseana Sarney; que prefere a oligarquia nordestina, aos companheiros João Fontes e Heloísa Helena, preferem Germano Rigotto do PMDB do RS à Luciana Genro; preferem Jader Barbalho que Babá dentro do PT.
Saio tranqüilo, de cabeça erguida, não por ser superior, porque sou mais um militante comum, mas gostaria que os companheiros da esquerda do PT percebessem que cada vez mais existe uma política de filiação que permite um Flamarion Portela, a mulher do Zito de Duque de Caxias (denunciado pela sua vinculação com os grupos de extermínio) a Narriman Zito, como se fosse a coisa mais natural do mundo... e vemos e temos de pagar o preço por ver na imprensa nacional que o governador do PT Flamarion Portela está envolvido no escândalo dos gafanhotos..
Cumpri [meus compromissos] perante a classe trabalhadora, e tenham certeza, não iremos voltar para casa. Vocês mudaram a história do partido, e nossa expulsão, é parte desta nova história do PT, de um PT que nem a sombra é daquele PT que nós construímos. Mas os trabalhadores compreenderão e começarão a analisar que não adianta querer ganhar governos e prefeituras em aliança com o PMDB, com o PPB ou com o PTB.
Volto assim consciente, tranqüilo, porque vou poder olhar no olho de todos vocês, mas também vou poder olhar, olho no olho, meus companheiros da Universidade, e os de meu estado, que durante anos e anos os convenci a votarem no PT e em Lula em todas as eleições, inclusive na última que elegeu Lula Presidente.
Obrigado.
Dep. Babá
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