Esse projeto de poder passa pelas alianças políticas já fechadas e por uma coalizão empresarial. Segundo Genoino, não é possível governar o país com apenas quatro governadores e 194 prefeituras. Ele vê um cenário favorável para as eleições de 2004.
Ele diz que o partido do governo não acredita mais em soluções "milagrosas" para os problemas sociais. Genoino faz defesa contundente das medidas econômicas adotadas pelo governo, mas sustenta que o modelo já está mudando. "Se esse país tivesse quebrado na nossa mão, o nosso projeto estaria irremediavelmente comprometido", pondera.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: A oposição diz que vai "federalizar" as eleições municipais para explorar as ineficiências do governo Lula. O sr. não teme isso? Genoino: Tomara que a oposição faça isso. O PT fez isso em 1996, dois anos depois de iniciado o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, e sofreu a pior derrota de sua história. O fator determinante da eleição municipal são as questões locais. Em 1996, o PT discutia os grandes temas nacionais, (Celso) Pitta (prefeito de São Paulo entre 1997 e 2000) falava em Cingapura (projeto habitacional), Fura-fila (transporte), cinto de segurança. Em 2000, quando fizemos uma campanha oferecendo alternativas, nosso desempenho foi bem melhor.
Valor: O sr. está prevendo uma eleição fácil? Genoino: A eleição para quem governa o Brasil será dura, difícil e quem quiser ganhar vai ter que suar a camisa. Quem governa não vai fazer uma campanha agressiva, mas uma campanha afirmativa. Será uma eleição complexa porque somos governo nacional. Estou desenhando um cenário favorável, mas sem oba-oba. Com os pés no chão.
Valor: De onde vem a confiança? Genoino: Estamos fazendo pesquisas em 30 cidades e elas indicam que o PT vai bem. Temos média de aprovação nacional de 28%. Esse percentual está na média da campanha eleitoral de 2002. A rejeição caiu para 10%. No passado, chegou a 30%. Vamos chegar à campanha com 800 mil filiados - hoje, temos pouco mais de 600 mil.
Valor: Como serão as alianças? Genoino: A campanha será articulada com todos os partidos que apóiam o governo. Onde o PT tiver um nome competitivo, disputará a cabeça de chapa. Há lugares onde vamos ter disputa pesada entre aliados, como são os casos de Recife e Porto Alegre.
Valor: O aliado preferencial será mesmo o PMDB? Genoino: O PMDB é o maior partido, por isso, vamos ter um maior número de alianças com eles. A última pesquisa que fizemos em novembro, pelo Ibope, mostrou que o PMDB tem 12% de aprovação popular. Se somar o PDT, o PFL e o PSDB, chega a isso.
Valor: Em Porto Alegre, o deputado Beto Albuquerque (PSB), vice-líder do governo e um dos mais leais ao presidente Lula no Congresso, sairá candidato. Como isso será resolvido? Genoino: Lá, vai ter problema. Vamos discutir muito com Beto porque as alianças só vão fechar em maio. Beto é uma liderança que respeitamos, tem um papel importante na defesa do governo, mas, para disputar eleição no Rio Grande do Sul, você tem que ter uma estrutura partidária forte. O PT tem essa estrutura. Por outro lado, o nosso candidato - Raul Pont afirmou claramente que será o candidato do presidente Lula. Os candidatos do PT serão os maiores defensores do governo. Quem não defender o governo vai sofrer prejuízos eleitorais.
Valor: As prévias no PT estão proibidas? Genoino: Não. Vamos tentar convencer para que não haja prévias. Onde o convencimento não funcionar, aplica-se o estatuto.
Valor: Esse convencimento não é intimidatório? Genoino: Não. O convencimento é o debate. A gente conversa para saber qual é o candidato competitivo, o que está melhor nas pesquisas, o que aglutina. Não é uma visão hegemonista nem de rolo compressor. É na base do convencimento, porque o PT aprendeu. A idéia é não fazer prévia onde a gente governa. Em cidades em que o PT está bem, também não haveria prévia. Fazê-la para o sujeito ficar na mídia e depois ser candidato a vereador ou deputado não convém. Em São Paulo, não haverá prévia. Em Belo Horizonte, Belém, Porto Alegre, Aracaju, Goiânia e no Recife, onde o PT governa, também não.
Valor: O que o sr. teme tanto? Genoino: A experiência de prévia na última eleição estadual do Rio Grande do Sul não foi boa para nós. O Olívio Dutra era governador e o Tarso Genro, prefeito de Porto Alegre. O Tarso deixou a prefeitura para disputar o governo. Derrotou na prévia o Olívio, que ia para a reeleição. Os dois foram derrotados. Não foi só por causa da prévia, mas...
Valor: Indicadores econômicos negativos, como o desemprego recorde, não afetarão o desempenho do PT? Genoino: Estamos prevendo um cenário favorável porque 2004 será melhor que 2003. A economia dá sinais de recuperação, já passamos o pior. Vamos terminar a votação das duas principais reformas e dar maior agilidade aos programas sociais a partir da unificação. Vamos consolidar a maioria no Congresso com a entrada do PMDB no governo e avançar nas negociações internacionais. Portanto, será uma disputa com o país em ordem. Ainda vamos passar por um aperto orçamentário porque não perderemos essa oportunidade de dar sustentação ao crescimento econômico. O Brasil já perdeu várias oportunidades. Ao se recuperar de uma crise, o país ganhava fôlego, mas, em seguida, vinha o populismo fiscal ou cambial e, aí, o país se sacrificava. Não vamos fazer isso.
Valor: A quase paralisia da máquina pública, provocada pela meta de superávit fiscal, também não prejudicará os candidatos governistas? Genoino: A máquina pública não funciona bem em algumas áreas não é só por causa do superávit, mas porque temos uma máquina que foi desprofissionalizada, terceirizada e acomodada. O superávit primário de 4,25% do PIB é uma necessidade em função do nível de endividamento do país.
Valor: Não é uma exigência do Fundo Monetário Internacional? Genoino: Vamos deixar claro: não se trata de uma exigência do FMI. Estamos com uma dívida pública de quase R$ 1 trilhão. Temos que administrá-la sem comprometer o país. Encontramos a economia numa situação muito delicada. O país não pode ficar alternando momentos de decepção com espasmos de otimismo. Ou temos uma consistência que vá avançando de maneira segura ou então ficaremos acumulando ciclos de altos e baixos. Quando Lula fala que é preciso ser paciente, perseverante, ele tem noção do tempo.
Valor: O PT não foi eleito para mudar o que estava aí? Genoino: O PT é um partido de esquerda que hoje não é nem corporativista nem populista. Aprendemos a nos livrar desses dois problemas. Fomos eleitos para fazer as mudanças, mas processualmente. Não fomos eleitos para fazer nem a ruptura nem o confronto. Lula está sendo coerente. Dissemos que íamos mudar o Brasil respeitando contratos e acordos.
Valor: Quando o sr. diz que o PT rompeu com o populismo, está se referindo ao fato de que antes o partido criticava a política econômica que agora endossa? Genoino: Não. A crítica ao populismo é no sentido de ver que a solução para os problemas sociais tem que ter um lado estruturante na economia, uma visão de médio e longo prazo, que não se resolve com soluções milagrosas. Você tem que criar estruturas nas relações econômico-sociais que gerem oportunidades. Não adianta só o assistencialismo.
Valor: E quanto ao corporativismo? Genoino: O PT pôs tensão em sua relação com os segmentos corporativistas na reforma da Previdência. O paradigma da esquerda moderna é ser universalista, ter um projeto para todos. Sou radical em três coisas: nas questões social,republicana e democrática. São três valores que não negocio. Para mim é uma utopia e um sonho do qual não devemos abrir mão.
Valor: Vai ser possível perseguir essa utopia com o atual modelo econômico? Genoino: Já estamos mudando o modelo econômico. E estamos fazendo isso processualmente. Quando diminuímos o perfil da dívida pública em dólar, reorientamos os bancos públicos para o microcrédito e o financiamento da produção, buscamos negociações internacionais de maneira a inserir o Brasil de forma soberana no mundo, estamos mudando o modelo. A esquerda tem que procurar um outro modelo de como se relacionar com o capital, com as empresas e o investimento privado nacional e estrangeiro. Não vamos estatizá-los nem considerá-los inimigos. Não adianta pensar o modelo tradicional do socialismo planificado, estatizante e orientador dos rumos da humanidade. Isso faliu! O muro do estatismo caiu na década de 90, mas o muro do neoliberalismo também ruiu. Vamos deixar isso claro.
Valor: Onde está o espaço para mudanças? Genoino: Entre o continuísmo, que não queremos, e a aventura, temos um espaço para construir um caminho de mudança. A eleição de 2004 é fundamental porque queremos aumentar a força do PT e dos partidos aliados. Isso se refletirá no governo. Para governar o Brasil, é preciso ter muitos governadores e prefeitos. Temos que ir às ruas defender as medidas duras porque essa é uma postura de esquerda séria, correta. Se esse país tivesse quebrado na nossa mão, o nosso projeto estaria irremediavelmente comprometido.
Valor: Qual é o projeto político daqui para frente? Genoino: Eu nos comparo à imagem de uma árvore: temos uma boa copa, que é o poder central; temos raízes porque o PT tem história e militância social e política. Agora, há os galhos fortes, que não são nossos. De 27 governadores, só temos quatro. Das mais de cinco mil prefeituras, só temos 194, e não elegemos a maioria no Congresso.
Valor: Onde entram os empresários nesse projeto? Genoino: Temos um desenho do sistema de aliança para governar o Brasil que envolve uma coalizão empresarial, que é fundamental. Estamos sedimentando-a.
Valor: Ainda existe no empresariado preconceito em relação ao PT e ao Lula? Genoino: Havia. Superamos isso. Na campanha, já houve uma aliança. Muitos empresários votaram no Lula. Estamos criando agora uma relação de confiança com os empresários para fazer um pacto empresarial. Não se trata de uma aliança formal, mas de uma relação positiva, azeitada.
Valor: Internamente, o PT já está pacificado? Genoino: Somos um partido de governo. Não foi o PT que escolheu ser governo. Foi o povo que decidiu. Todos os outros partidos (da base aliada) decidiram que seriam governo. A condição de ser governo não pode ser discutida no PT, não somos um partido de oposição. É claro que o PT tem que ter autonomia para negociar com o governo, para fazer propostas, para, em questões pontuais, ter posições diferentes. O projeto do PT é maior e mais amplo que ,o do governo. Acho que hoje 90% do partido está pacificado. Há áreas de que precisamos cuidar melhor.
Valor: Por exemplo? Genoino: A relação com a intelectualidade. Alguns intelectuais estão fazendo certas críticas inaceitáveis, foram para o xingamento. Houve uma desqualificação do debate.
Valor: O PT foi criado por intelectuais, sindicalistas e pela esquerda da Igreja Católica. Por que só os intelectuais ficaram de fora do governo?
Genoino: Pode até ser, mas o papel do intelectual não é ser governista por excelência. O papel do intelectual é ser crítico, uma voz de inquietação. Mas, é preciso fazer isso dentro da idéia de que estamos num projeto. Quando você tem um governo com as características do governo Lula, que é um governo com direção de esquerda mais amplo, até o centro, esse projeto tem que dar certo. Porque, com o enfraquecimento dele, não vem a outra esquerda. Vem a direita. O PT está tendo um aprendizado muito rápido.
Valor: Em que sentido? Genoino: O PT se preparou para ganhar eleição com o Lula e governar o Brasil nos últimos cinco anos. Fizemos uma opção. Começamos em 1999, com o 2º Congresso do PT em Belo Horizonte, quando derrotamos o (movimento) "Fora FHC" e adotamos um programa amplo e de aliança com o centro. A eleição representou uma mudança no perfil do PT, na maneira de fazer campanha. O programa da campanha foi outra mudança. O Lula não escondeu nada do que está fazendo. Você acha que foi fácil para o PT botar o empresário José Alencar como vice? Foi polêmico. Outras demonstrações de mudança foram a "Carta aos Brasileiros" e os movimentos que o Lula fez depois da eleição.
Valor: Os rebeldes do PT serão expulsos neste mês? Genoino: Acho que é inevitável. Não é a primeira vez que o PT faz isso. Na primeira bancada, o PT perdeu quase a metade de deputados por causa do Colégio Eleitoral (que elegeu Tancredo Neves presidente em 1985). Os parlamentares petistas que votaram agora contra o governo desenvolveram uma ação política de ataque ao partido mais forte que a oposição de direita. Fizeram uma ruptura unilateral com o projeto do PT. Eles não se sentem dentro do projeto nem do PT nem do governo. É natural que saiam.
Valor: Isso não se enquadra na prática do "centralismo democrático"? Genoino: Não. O centralismo acontece quando se tem unidade de pensamento, coisa que o PT não tem. Mas, o PT tem unidade de ação porque, sem isso, ele se fragmenta e vira um partido de personalidades e grupos.
Valor: Com o rumo escolhido, o PT não estaria perdendo a identidade? Genoino: Não é verdade. Estamos num caminho que iniciamos para valer em 1999. O ato de governar é desafiador porque você se defronta com problemas que são mais ricos e complexos do que você previa antes de ganhar a eleição. Estamos dando curso à linha básica da nossa formulação, diante da nova realidade pelo fato de sermos governo. E, aí, há realidades materiais.
Valor: Que realidades são essas? Genoino: É preciso ter maioria e o PT não a elegeu. Você tem que se relacionar com os governadores porque só tem quatro. Há as imposições do mercado. Você não pode ser refém do mercado, mas também não pode afrontá-lo de maneira aventureira. Por outro lado, é preciso fechar uma parceria com o setor privado que é algo muito mais complexo do que se imagina. A esquerda no Brasil ou foi cooptada ou foi destruída. O PT não quer ser derrotado nem cooptado. Costumo dizer que não estamos começando do zero. O PT mudou o Brasil, mas o Brasil mudou o PT.
Valor: Nessa linha, qual foi a grande contribuição de FHC ao país? Genoino: O Brasil ensinou muito com a consolidação da sua transição para instituições democráticas consolidadas. O fato de termos tido governos, como os oito anos de FHC, com estabilidade democrática foi algo extremamente positivo.
Valor: O sr. acha que o PT está mais preparado para exercer o poder agora do que estava em 1989? Genoino: Não tenho a menor dúvida. O PT amadureceu, ganhou consistência, formou quadros, aprendeu. Lula foi o grande condutor disso. Só ele podia unir o PT, dada a diversidade ideológica do partido. Sem o Lula, essa síntese seria muito difícil de ser alcançada.
Partido dos Trabalhadores
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