A Folha de S.Paulo anunciou na edição deste sábado (23) pág. A11 que protocolou uma ação cautelar no Supremo Tribunal Federal (STF) para que tenha acesso ao processo que levou Dilma Rousseff à prisão da ditadura militar em 1970. Antes, o jornal encaminhou o pedido junto ao Superior Tribunal Militar (STM), mas o órgão suspendeu o julgamento por duas vezes.
Por Celso Marcondes, na CartaCapital
A Folha recorre agora ao STF porque tem pressa. Ela justifica a urgência dizendo que o conhecimento do caso é atualidade do interesse público. Continua: já que a candidata pode se tornar a próxima presidente. E arremata: para os leitores conhecerem o passado de Dilma.
É estranha esta ação do jornal. Todo Brasil já sabe que Dilma Rousseff ficou presa durante mais de dois anos nas masmorras da ditadura. Que foi barbaramente torturada e que pertencia a uma organização guerrilheira chamada VAR Palmares. Já lemos inúmeras matérias com declarações de seus ex-companheiros de luta e até de ex-carcereiros.
Todo mundo já sabe também o que foi a ditadura militar no Brasil. E quem defende a democracia e a liberdade deve concluir que não deve ser motivo de desonra ser integrante da lista dos que tiveram coragem de resistir a ela.
As formas e métodos empregados pelos que o fizeram, assim como as organizações e grupos que formaram para o enfrentamento clandestino contra um inimigo de tamanho descomunal podem ser discutidos e criticados. Os caminhos encontrados foram dos mais distintos. É um debate que se trava há 40 anos no País, dezenas de livros foram publicados para avaliar erros e acertos dos que resistiram àqueles tempos bárbaros.
Ele poderia ser continuado agora, durante a campanha, sem problemas. Poderíamos, por exemplo, discutir como reagiram aos militares Serra e Dilma, ambos integrantes das resistências ao arbítrio. Felizmente, nenhum dos dois candidatos tem em seu currículo a mancha do adesismo à barbárie.
Porém, o que a Folha insiste em saber agora, na última semana das eleições? Ela quer ler o processo escrito e assinado por militares que apoiaram o golpe de 64 ou juízes a seu serviço. Quer saber o que eles escreveram mais sobre a militância da provável futura presidenta do Brasil. Quer saber de quais ações ela é acusada de participar. Com detalhes.
Com estes dados em mãos, o que faria a Folha? Ela acreditaria no que ler nestes processos? Daria isso como verdade factual e divulgaria para seus leitores? E da Folha, posso supor, iria o assunto para outros jornais, para a tevê, para o rádio e a internet?
E na última semana de campanha caso o STF responda de imediato a ação cautelar que manchetes leremos na imprensa?
Já ouvi de amigos um ingênuo, mas compreensível, argumento: é meu direito saber o que ela fez, não é?. A eles, e à Folha, eu diria que sim, é seu direito saber o que Dilma fez. Mas não da boca ou dos escritos daqueles que construíram o período mais nefasto da nossa história. Estes deveriam ter sido julgados e condenados pelos crimes de lesa-humanidade que cometeram.
O Manual de Redação da Folha de S.Paulo ensina que o bom jornalista deve apoiar seus escritos em boas e confiáveis fontes. Querer reconstruir o passado de uma candidata à presidência da República com esta base e ainda recorrer ao STF para isso, não cheira nada bem. A alguns dias do pleito, então, nem se fala.
* Celso Marcondes é jornalista, editor do site e diretor de Planejamento de CartaCapital
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