Propostas do BE para Constituição Europeia

Proposta ao Governo da República Portuguesa, na sequência de solicitação do Ministro dos Negócios Estrangeiros aos Grupos Parlamentares, tendo em vista o início da Conferência Intergovernamental para revisão dos Tratados.

Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros Dr. Martins da Cruz

Respondendo à solicitação do Governo Português, vem o Bloco de Esquerda, através do seu Grupo Parlamentar, apresentar as contribuições que julga adequadas para o processo de negociação do Tratado que institui uma Constituição para a Europa, a ter lugar na próxima Conferência Intergovernamental da União.

Sem desprimor institucional, saiba que consideramos ser este um exercício de duvidosa eficácia. Depois do Governo a que pertence ter assumido que a proposta da Convenção para o Futuro da Europa é uma “boa base de trabalho”, que as alterações a sugerir são minimais e que a renegociação de quaisquer termos arrisca lesar ainda mais os supostos interesses nacionais, dificilmente terão acolhimento as propostas que hoje vos apresentamos.

Legitimidade democrática e consulta popular Como sabe, não nos revemos neste processo legislativo da União. Falta-lhe legitimidade democrática, está enviesado por duplicidades jurídicas, resulta de um arranjo inter-governista e, também por tudo isto, é inevitável expressão do caleidoscópio liberal e eurocrata que tem dirigido a União. O processo falha na autoridade política – porque visa impor uma Constituição sem processo constituinte. E fracassa no reconhecimento do papel dos cidadãos na construção de uma União que se quer democrática. Assim, o projecto em apreço produz, em nome da Europa, menos Europa. Às trombetas da propaganda sobre “o novo impulso europeu” sucederá, por isso, um novo surto de indiferença e, esperamo-lo, o crescimento das vozes de protesto.

Porque estamos convencidos de que as consequências deste processo anti-democrático são as que assinalámos, sugeriu recentemente o Bloco de Esquerda a realização de uma consulta popular antes das conclusões da CIG. Tal iniciativa é a única que pode viabilizar um real debate popular sobre as escolhas implícitas num projecto de Tratado que não é «mais um», mas um salto jurídico e simbólico que visa refundar a própria União dotando-a de uma Constituição com primazia sobre a ordem constitucional em vigor nos diferentes Estados membros.

A proposta de uma consulta popular corresponde, igualmente, a um resgate democrático: o povo português deveria ter sido ouvido sobre a mais importante escolha estratégica que o país fez nas últimas duas décadas e esse direito foi-lhe, por mais de uma vez, sonegado.

Finalmente, se o povo português, por imperativo constitucional, não pode nem deve votar o Tratado em si, vote-se, antes do facto consumado que se prenuncia, a orientação que deve assumir o Governo no desfecho da revisão do Tratado. Qualquer outro procedimento nesta matéria, obrigaria a uma dupla revisão da Constituição Portuguesa – o que não é nem razoável nem sustentável – e, na melhor das hipóteses, colocaria o povo português ante um plebiscito entre a lei de Giscard e o deserto.

O sentido das alterações que propomos Escusado será catalogar todos os críticos por anti-europeístas. A Europa que muitos pretendem, sem regresso a casulos nacionalistas, é bem outra: uma União apontada à paz, com direitos humanos e sociais avançados para quantas e quantos nela vivam, agente do direito internacional e solidária no combate aos dramas e tragédias que continuam a excluir a maioria da Humanidade de padrões mínimos de dignidade e cidadania. As contribuições que submetemos à vossa consideração não são, assim, as que traríamos para uma genuína Constituição Europeia com constituintes eleitos. Essas serão apresentadas em tempo oportuno, como explicitação das razões na consulta popular que ao povo é devida, e no debate que envolverá as próximas eleições europeias. Porque a União carece, de facto, de uma refundação democrática e democraticamente participada.

Entretanto, o projecto de Tratado que se encontra em cima da mesa, não faz mais do que atribuir valor constitucional a uma construção europeia autoritária, «iluminada» e interesseira. A Europa que esquece a soberania popular, que esmaga a democracia representativa ao esvaziar os poderes de todas as instituições parlamentares e que outorga, pela cúpula, uma carta que constitucionaliza as políticas de estabilidade e recessão, assenta num divórcio insuportável com aquelas e aqueles que deveriam ser a sua fonte legitimidade.

Se, ainda assim, apresentamos algumas propostas, é para procurar minorar as consequências da tentativa de constitucionalizar uma União já regida por um Directório intergovernamental dos países mais fortes, cuja lógica favorece políticas liberais hostis à justiça social e que é incapaz de romper com a escalada da militarização da política.

O absurdo prevalece: à beira da CIG, o país não conhece qual a estratégia do governo português. Não trouxe sequer uma carta de intenções. O não-governo é o sortilégio da nossa pequenez política europeia. À desmedida projecção internacional na guerra de ocupação do Iraque sucede a acomodação por baixo na trama da União.

É neste preciso contexto que:

• Recusamos a fraude de um Tratado que se impõe como Constituição. Tudo deve ser reconduzindo aos limites de um Tratado de União Europeia, de modo a que a Constituição da República Portuguesa continue a ter a primazia na ordem jurídica portuguesa.

• Defendemos a «competência absoluta» da União em matéria de Ambiente bem comoo a coordenação europeia em matéria de políticas sociais. Sustentamos a necessidade do tratado garantir serviços públicos gerais e pan-europeus, condições de igualdade para os imigrantes, reforço do emprego contra o despedimento sem justa causa e, por último e não menos importante, a consagração de um rendimento mínimo europeu.

• Em matéria económica e monetária, defendemos a inclusão do emprego entre os objectivos do Banco Central Europeu e o seu enquadramento orçamental pelo parlamento europeu, recusando a constitucionalização do dogma orçamental do défice zero e a impossibilidade de emissão de dívida pública europeia.

• No plano militar e de defesa consideramos que a União, enquanto tal, não deve estar vinculada à NATO, que as decisões relativas à execução da Política de Segurança e Defesa Comum devem requerer a unanimidade do Conselho de Ministros e que as missões de manutenção de paz que envolvam capacidade operacional só pelo Parlamento Europeu poderão ser adoptadas.

• Finalmente, no plano da arquitectura institucional, favorecemos a ampliação de poderes do parlamento Europeu, contrariamos a lógica inter-governamental implícita na criação da figura do Ministro dos negócios Estrangeiros da União, insistimos na manutenção das presidências rotativas do Conselho, embora em sede fixa e de um Comissário por Estado-Membro. Desde já colocamo-nos à disposição para todo o debate.

Lisboa, 25 de Setembro de 2003

Com a devida consideração, O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda

Alterações ao Projecto de Tratado que institui uma Constituição para a Europa, nos termos apresentados ao Conselho Europeu reunido em Salónica, a 20 de Julho de 2003.

Propõe-se:

1. A substituição da expressão Constituição por Tratado da União Europeia, em toda a extensão desta convenção internacional.

2. A supressão do Preâmbulo.

3. No âmbito da Parte I:

3.1. Um aditamento ao Art. 1º, 1: A União Europeia define-se, em conformidade, como uma Comunidade de Estados, no respeito pela soberania das Constituições dos Estados-Membros.

3.2. Uma nova redacção para o Artigo 5º, 1: A União respeita as estruturas políticas e constitucionais dos Estados-Membros, incluindo no que respeita à autonomia regional e local. Respeita também as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, manter a ordem pública a segurança interna. A União valoriza todas as identidades nacionais, independentemente da organização política dos Estados-Membros.

3.3. Uma nova redacção para o Artigo 10º, 1: O direito adoptado pelas instituições da União no exercício das competências que lhe são atribuídas, nos modos previstos por este Tratado, vigoram na ordem jurídica interna dos Estados-Membros.

3.4. A alteração de item no Artigo 12º, 1: substituir conservação dos recursos biológicos do mar, no âmbito da política comum de pescas por conservação dos recursos naturais.

3.5. A eliminação de parte de item no Artigo 13º, 2: política social elidindo no que se refere aos aspectos definidos na Parte III.

3.6. Uma nova redacção para o Artigo 14º, 4: A União adopta iniciativas com vista a garantir a coordenação das políticas sociais dos Estados-Membros.

3.7. A eliminação de parte do Artigo 15º, 1: incluindo a definição gradual de uma política de defesa comum que poderá conduzir a uma defesa comum

3.8. A eliminação de parte do Artigo 20º, 3: O Ministro dos Negócios Estrangeiros da União Europeia participa nos trabalhos do Conselho Europeu.

3.9. Um aditamento ao Artigo 20º, 3: As reuniões do Conselho Europeu podem ter sede fixa.

3.10. Uma nova redacção para o Artigo 21º, 1: O Conselho Europeu dispõe de um Presidente, por um mandato de meio ano, através da rotação igualitária do Chefe de Estado ou do Governo dos Estados-Membros no exercício dessa função.

3.11. A eliminação de parte do Artigo 21º, 2: O Presidente do Conselho Europeu assegura, ao seu nível e nessa qualidade, a representação externa da União nas matérias de âmbito de Política Externa e de Segurança Comum, sem prejuízo das competências do Ministério dos Negócios Estrangeiros da União.

3.12. A supressão do nº 3 do Artigo 21º.

3.13. A supressão do nº 2 do Artigo 23º.

3.14. Uma nova redacção para o nº 4 do Artigo 23º: A Presidência das diferentes formações do Conselho de Ministros, é assegurada pelos representantes dos Estados-Membros ou Conselho de Ministros, por período de meio ano, com base num sistema de rotação igualitária. O Conselho Europeu adoptará uma decisão que estabeleça as regras de rotatividade, tendo em conta os equilíbrios políticos e geográficos europeus e a diversidade dos Estados-Membros.

3.15. A eliminação do inciso do nº 2 do Artigo 24º: ou sempre que o Conselho Europeu ou o Conselho de Ministros não deliberem por iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União.

3.16. Uma nova redacção para o nº 5 do Artigo 24º: O Presidente da Comissão Europeia não participa nas votações do Conselho Europeu.

3.17. A eliminação do inciso do nº 1 do Artigo 25º: Com excepção da Política Externa e de Segurança Comum e dos restantes casos previstos na Constituição.

3.18. Uma nova redacção para o nº 3 do Artigo 25º: A Comissão é constituída por um Colégio composto pelo seu Presidente e por um número de comissários equivalente à indicação de um comissário por Estado-Membro. As funções do Comissário podem ser agrupadas por áreas de competências sem prejuízo de igual direito de voto.

3.19. A eliminação do nº 2 do Artigo 26º, dos incisos: os treze e incluindo o futuro Ministro dos Negócios Estrangeiros, bem como as personalidades designadas como Comissário sem direito a voto.

3.20. Supressão do Artigo 27º

3.21. Uma nova redacção para o nº 2 do Artigo 29º: O sistema Europeu de Bancos Centrais, dirigidos pelos órgãos de decisão do Banco Central Europeu, tem como principais objectivos apoiar um elevado nível de desenvolvimento e emprego. Nesse sentido dá apoio às políticas gerais da União. Sem prejuízo destes objectivos, zela pela estabilidade dos preços. Cumpre também as outras missões de um banco central, em conformidade com o disposto na Parte III e nos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu.

3.22. Um aditamento ao nº 3 do Artigo 25º: A Administração do BCE é efectiva por cinco anos, mediante a aprovação de programa presente ao Parlamento Europeu, sob proposta do Conselho de Ministros. O Parlamento Europeu, com uma maioria de 2/3 pode destituir a Administração do Banco Central Europeu.

3.23. Uma nova redacção para o nº 4 do Artigo 39º: A Política Externa e de Segurança Comum é executada pela Comissão, utilizando os meios nacionais e os da União.

3.24. A eliminação do inciso no nº 1 do Artigo 40º: a prevenção de conflitos e o reforço de segurança internacional

3.25. A supressão dos nos 2,3,5,6 e 7 do Artigo 40º.

3.26. A alteração do nº 4 do Artigo 40º: As decisões europeias relativas à execução da Política de Segurança e de Defesa Comum incluindo as que dizem respeito ao lançamento de uma missão referida no presente artigo, sem prejuízo das competências do parlamento europeu, serão adoptadas pelo Conselho de Ministros, deliberando por unanimidade.

3.27. Um aditamento ao nº 8 do Artigo 40º: Só o Parlamento Europeu pode aprovar missões de manutenção da paz, assentes numa capacidade operacional apoiada em meios civis e militares.

3.28. A eliminação do inciso do nº 3 do Artigo 43º: ou quando o Conselho de Ministros não delibera por iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

3.29. A supressão dos nº2 e nº5 do Artigo 52º

3.30. Um inciso novo do nº1 do Artigo 54º: ... limites dos recursos próprios, compreendendo a possibilidade de emissão da dívida pública da União

4. No âmbito da Parte II

4.1. Suprimir todas as referências a legislações e práticas nacionais

4.2. O aditamento ao nº 2 do Artigo 14º: de doze anos

4.3. A introdução de um inciso ao nº 3 do Artigo 15º: condições sociais e de trabalho

4.4. Um aditamento ao nº 1 do Artigo 17º: Nestes termos, também certas empresas podem reverter para bens públicos, no interesse comum, e nos limites fixados na lei.

4.5. Um aditamento ao Artigo 28º: Deve ser legalmente impedida a prática de lock-out.

4.6. Uma nova redacção para o Artigo 30º: Deve ser garantido a todos os trabalhadores o direito a não ser despedido sem justa causa, de acordo com o direito da União.

4.7. Um novo nº 3 para o Artigo 31º: O aumento da produtividade deve levar a uma redução gradual do máximo legal de horas de trabalho semanal.

4.8. Um aditamento ao nº 3 do Artigo 34º: Sem prejuízo de garantir a todos os cidadãos um rendimento mínimo de sobrevivência .

4.9. Uma nova epígrafe para o Artigo 36º: Acesso a Serviços Públicos

4.10. Uma nova redacção para o Artigo 36º: Todos os cidadãos têm direito a serviços públicos em todos os sectores essenciais à qualidade de vida, desenvolvimento sustentado e pleno exercício da cidadania. Os serviços públicos a prover respeitam os princípios de acesso geral e universal, controlo democrático, transparência de gestão, continuidade de prestação.

4.11. Uma nova redacção para o nº 2 do Artigo 46º: É garantida liberdade de circulação e permanência aos nacionais de países terceiros que residam no território de um Estado-Membro.

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