Era indisfarçável a cara de satisfação do presidente Lula e de sua candidata secreta Dilma Roussef com a alvissareira solução que promete pôr um ponto final nas agruras do Senado.
Segundo o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, para o presidente, a crise que envolve o Senado, e mais profundamente seu presidente, José Sarney (PMDB-AP), está em "fase de superação", após o anúncio da anulação dos 663 atos secretos, com a determinação de que os cofres públicos sejam ressarcidos dos custos gerados pelas decisões "sigilosas".
A momentosa decisão de José Sarney, antes de produzir quaisquer efeitos - até porque haverá uma comissão para "avaliar" a ordem do presidente da Casa -, se traduz num aviso aos navegantes, um recado para bons entendedores: apontem a artilharia para outro lado, ou cessem o fogo, porque meu estoque de munição e o calibre dos meus canhões são maiores, acumulados e aperfeiçoados em sessenta anos de vida pública. Tempo suficiente para colecionar meticulosamente os segredos de nove entre dez membros da política que realmente contam. Não os do baixo clero, da arraia miúda.
Durante os cinco ou seis meses de duração da crise da Casa dos Horrores brasileira, nenhum de seus membros, nem mesmo os poucos pertencentes ao grupo mais identificado com os bons princípios, chegou ao extremo de defender a anulação de todos os atos secretos, que dirá falar em ressarcimento dos prejuízos por eles gerados. Ou seja: pôr a mão no bolso, nem pensar!
Devolver ganhos auferidos durante catorze anos de pagamento de salários, inclusive a funcionários-fantasmas, horas extras, despesas médicas e uma miríade de benefícios indefensáveis não é algo que convém sequer cogitar àqueles que até hoje beneficiam a si próprios ou a apaniguados graças a decisões tomadas e mantidas em conveniente escuridão.
É possível, sim, anular os tais atos secretos e responsabilizar a todos que deles tiraram o seu naco, mas isso é tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal - apenas enquanto as apurações não esbarrarem em algum senador. Daí em diante, só o procurador-geral da República, com autorização do Supremo, é quem poderá conduzir as investigações.
Para desfazer a ilusão de que o Senado irá se depurar dessa vez basta olhar para a Câmara, que não mudou uma vírgula sequer nos procedimentos; ao contrário, pegou as verbas todas que eram questionadas e as unificou. Saiu de cena sem que o público pagante tivesse ao menos a satisfação de assistir à cassação do deputado Edmar Moreira, o do castelo.
O ex-diretor do Senado fez favores a meio mundo naquela Casa; sabe da missa muito mais da metade, e deverá se safar com relativa tranquilidade das acusações que lhe pesam - se é que pesam - nos ombros. Já o decano Sarney não apenas conhece a missa por inteiro como serviu no confessionário...
Luiz Leitão [email protected]
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