Questionado a respeito de sua intenção de disputar um eventual terceiro mandato consecutivo, o presidente Lula foi peremptório: Não se pode brincar com a democracia. Tenha sido ou não uma declaração meramente estratégica ou protocolar, o fato é que o conceito de democracia vai muito além da questão eleitoral; pressupõe o respeito à verdade e, principalmente, às instituições.
Questionado a respeito de sua intenção de disputar um eventual terceiro mandato consecutivo, o presidente Lula foi peremptório: Não se pode brincar com a democracia. Tenha sido ou não uma declaração meramente estratégica ou protocolar, o fato é que o conceito de democracia vai muito além da questão eleitoral; pressupõe o respeito à verdade e, principalmente, às instituições.
Mas a verdade, como nas guerras, tem sido a primeira sacrificada, seja pela recusa sistemática a assumir erros e responsabilidades, ou mediante o emprego de eufemismos, como fez o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Luiz Dulci, referindo-se à investigação das ONGs, ao dizer que "setores da direita e conservadores conspiram através de um combate político contra a participação dos movimentos sociais na formulação de políticas públicas". Eis aí uma elegante mentira, porque as cerca de 260 mil ONGs, que receberam por volta de RS$14,3 bilhões do governo entre 2001 e 2007, não são adequadamente fiscalizadas.
Como não faltam ralos, dutos e outros veículos pelos quais escoam gigantescas parcelas de dinheiro público, não é razoável aceitar como verdadeiras tais objeções a iniciativas que, como a CPI das ONGs, visam a identificar e estancar a hemorragia de recursos que sói acometer as finanças públicas.
Primeiro magistrado da nação, Lula não poderia jamais avalizar esse derretimento ético generalizado e se ele veio para mudar, não vale dizer em sua defesa que outros governantes fizeram e fazem coisas parecidas, ou que os fins justificam os meios. Mas o presidente não só a tudo assiste em obsequioso silêncio como comanda a vergonhosa negociação da segunda absolvição do senador Renan Calheiros, em troca dos R$ 40 bilhões que a prorrogação da CPMF proporcionará à sua administração em apenas um ano.
Ainda que com grande esforço de boa vontade alguém concorde que o governo não possa prescindir dessa dinheirama, a troca do butim do imposto do cheque pela não punição do senador alagoano é a prova inconteste do desprezo de Luiz Inácio da Silva pela democracia, e quiçá uma evidência da esqualidez de seu caráter, semelhante ao de muitos que o precederam no cargo, até aonde a memória alcança. Pergunte-se a qualquer pessoa de bons princípios que adjetivo se dá a uma negociata dessas...
Hoje, quando um senador do PSDB, Eduardo Azeredo, e um ex-ministro de Lula, Walfrido dos Mares Guia, denunciados por crime de peculato e lavagem de dinheiro, passam a fazer companhia aos acusados do esquema do Mensalão, a sociedade aprende que a esperança reside não naquele que prometeu, em vão, romper com tudo isso que está aí, mas nas instituições que resistem bravamente a essa banalização da imoralidade na vida pública: o Ministério Público e a Justiça.
Os outros dois poderes da República se fundiram na guerra de interesses menores, na disputa por parcelas crescentes de poder, em mais um tanto de verba, no pragmatismo radical que impõe à comunidade o exorbitante custo do loteamento das empresas estatais.
Não se pode amenizar a responsabilidade do presidente pelo fato de ele ter dado alguma atenção às classes menos favorecidas ou por ter seguido até aqui - com fidelidade canina a cartilha dos mandamentos da Economia estabelecida por seu antecessor.
Mas o presidente preferiu percorrer o caminho fácil, embora oneroso, da cooptação do que se valer de sua invejável popularidade para governar sem aderir aos os maus vícios da mais baixa política nacional.
O dado concreto, como diz Lula, é que ele foi eleito com a promessa de mudar, mas aderiu com inesperada desenvoltura a uma fidalguia política que não combina com a postura sóbria que se espera de quem deveria dar o melhor exemplo.
Luiz Leitão
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