José Maria Rabêlo*
Pelo menos uma lição exemplificadora ficará do segundo turno da eleição: a derrota da prepotência das oligarquias paulistas, das quais o PSDB é a mais legitima expressão política. Para elas, bastava uma figura qualquer saída de São Paulo, principalmente sendo o governador, ainda que um político provinciano de quem o resto do Brasil mal conseguia pronunciar o nome.
Para contornar o incômodo inicial, passaram a chamá-lo de Geraldo, em lugar de Alckmin, com que fizera toda sua carreira pública, como se esse simples truque marqueteiro fosse suficiente para torná-lo popular.
No início dos debates da sucessão, pesquisa da Datafolha dava a Alckmin apenas 17% dos votos, contra 43% de Lula. Serra, ao contrário, tinha 36% contra 29% do presidente. Sondagens posteriores aumentaram ainda mais a vantagem de Serra. Mas os números não impressionaram os mentores da futura candidatura tucana, certos que estavam de que podiam impor ao País quem bem entendessem.
E assim se consagrou a postulação de Geraldo (frisando o al, para dar maior ênfase). Agora, era apenas sair por aí com o ungido das oligarquias quatrocentonas, e o povo o receberia de braços abertos, como os americanos pensaram que ocorreria com suas tropas no Iraque. Aliás, não há nada mais parecido com a prepotência americana que a de certos grupos paulistas. É só ver como agem.
Quando houve a convenção do PSDB, eu perguntei, aqui mesmo, na coluna, o que estava por trás daquela estranha atitude de preterir o candidato líder nas pesquisas, amplamente conhecido, em favor de outro que, fora de seu estado natal, ninguém sabia quem era e a que vinha. O aparente enigma não duraria muito.
Ao começar a propaganda eleitoral, Geraldo foi dissipando todas as dúvidas. Surgia nas telas da TV com seu estilo antipático, petulante e autoritário, dono absoluto da verdade, como se estivesse encarregado de expurgar os pecados do mundo. Um misto de Carlos Lacerda e Fernando Collor, com temperos do Opus Dei e da TFP, diante do qual os eleitores certamente se curvariam encantados com a dialética do candidato.
Essa tem sido a tradição das elites de São Paulo através dos tempos, sempre procurando sobrepor-se aos demais. Foi o apoio de suas lideranças políticas e econômicas que fez possível o golpe de 1964, quando colocaram nas ruas centenas de milhares de pessoas nas chamadas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. Todos sabem que grande parte do financiamento à repressão saiu de lá.
Alckmin e seu PSDB, repito, são os herdeiros dessa tradição elitista, que se retratou com extrema fidelidade nas posturas do tucano durante toda a campanha e que foi possivelmente a principal razão do eleitorado para rejeitá-lo com tão grande margem no segundo turno, ao ter a oportunidade de conhecê-lo melhor. Aliás, de um turno a outro, perdeu mais de dois milhões de votos.
Era difícil defender qualquer das duas candidaturas, tão ruins e tão parecidas, tanto que muita gente se recusou a votar ou votou em branco. No Rio, os votos brancos e nulos chegaram a quase 14% do total. Em Minas, mais de 20% dos eleitores deixaram de comparecer às urnas. Mas Alckmin, com sua propaganda, mostrou que era ainda pior do que Lula.
E houve também a questão das privatizações, quando ficou claro que o PSDB é de fato o partido dos vendilhões do patrimônio público nacional.
Por tudo isso, perdõem-me a brincadeira, o Geraldo acabou ferraldo.
*José Maria Rabêlo, jornalista,
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