Tão ou mais desesperadora que a situação das famílias que tiveram suas casas destruídas em decorrência de desabamentos no Rio de Janeiro é a atual situação de grande parte da imprensa que cobriu os acontecimentos, alguns com vítimas fatais.
Gustavo Barreto, 7/10/2006
Tão ou mais desesperadora que a situação das famílias que tiveram suas casas destruídas em decorrência de desabamentos no Rio de Janeiro é a atual situação de grande parte da imprensa que cobriu os acontecimentos, alguns com vítimas fatais. As cenas de pessoas que perderam tudo é uma constante há muitos anos, com histórias trágicas e destaque para grandes deslocamentos de terras e casas completamente destruídas. A dor das pessoas também é fortemente ressaltada neste tipo de reportagem.
A grande questão aqui é que há anos se faz um jornalismo medíocre no que diz respeito às responsabilidades públicas e privadas, sem qualquer traço de preocupação com o interesse coletivo. As exceções apenas reforçam a regra.
Os desabamentos ocorrem ano após ano por conta do descaso das administrações municipais, Estadual e Federal quanto à questão da habitação. Seja qual for o motivo principal corrupção, incompetência, desentendimento político entre as esferas etc. , este é um consenso que qualquer criança de 10 anos, com 30 minutos de pesquisa, consegue descobrir. O que impressiona neste caso, em particular embora com coincidências de interpretação por toda a imprensa brasileira é que este tipo de abordagem nem passa perto da mente dos editores dos jornais.
Com isso, a Natureza passa a ser a culpada. O telejornal da Rede Globo RJTV, por exemplo, explora amplamente frases como A chuva provocou estragos (...) e O mau tempo fez mais vítimas em (...) (edição de 7/10/2006). A idéia de fatalidade vai de encontro às explicações mais desejáveis para os donos dos poderes locais e nacionais: os culpados pelos acontecimentos são, além da Natureza (no formato de chuva), os moradores que ocupam áreas que supostamente não deveriam ser ocupadas.
Tenho, com isso, duas sugestões aos editores de jornais e telejornais brasileiros. A primeira: deixar a superficialidade e abordar o tema de forma a contribuir para a prevenção das futuras tragédias, que como todo ano não deixarão de acontecer. A segunda, caso a primeira não seja possível: gravar um material básico, com personagens chorando, casas destruídas e pistas interditadas, e repeti-lo todos os anos apenas com mudanças básicas como data e município. Isso pouparia o trabalho dos editores e profissionais envolvidos nas reportagens e seria mais honesto da parte de quem não está nem aí para a chuva de descaso público a que tais famílias estão submetidas motivo mais plausível para as mortes e os desabamentos.
Gustavo Barreto é pesquisador da Escola de Comunicação da UFRJ e editor de imprensa alternativa. Contato com a redação: [email protected]
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