Intervenção do deputado António Chora, do Bloco de Esquerda
As últimas semanas têm sido marcadas por uma das mais impressionantes mobilizações populares dos últimos anos na luta contra as políticas liberais na Europa. Na Terça-Feira, milhões de jovens, trabalhadores e estudantes voltaram a encher as ruas de França num protesto contra o chamado "Contrato Primeiro Emprego", CPE.
O que através do CPE se impõe aos jovens é um período de dois anos de trabalho totalmente desprovido de direitos, em que o jovem está permanentemente ameaçado de despedimento sem justa causa. Sempre que o despedimento acontecesse, caberia, não ao patrão provar a justa causa, mas ao trabalhador provar o contrário, o que constitui um absurdo, um benefício ao infractor e uma entorse em todo o sentido do Direito do Trabalho.
Os argumentos são os do costume. O discurso que é moderno há cento e cinquenta anos, cultiva a precariedade para colher dedicação, cultiva a insegurança para colher competências, cultiva o desemprego para colher motivação. É o absurdo transformado em política.
Estes argumentos bizarros contradizem, inclusive, as modernas teorias de gestão que enfatizam a importância da estabilidade e da formação no trabalho. O discurso de modernidade associado a estas medidas é uma mentira, mil vezes desmascarada por inúmeros casos de sucesso assentes em pressupostos opostos.
A eventual aprovação de uma medida com estas características constituiria a divisão do mercado de trabalho em dois segmentos distintos, introduzindo aos poucos novas gerações de trabalhadores sem direitos e sem perspectivas e ameaçando permanentemente todos aqueles que se vejam na necessidade de encontrar novo trabalho.
É este o futuro que constroem os governos liberais de todas as cores: Jovens trabalhadores descartáveis, a quem é negada a possibilidade de desenvolver capacidades e competências especializadas. Jovens trabalhadores isolados, privados de relações de trabalho duradouras e das relações de camaradagem e amizade a elas associadas. Jovens trabalhadores explorados, cuja vida, autonomia e independência é adiada para um futuro nebuloso.
O Bloco de Esquerda manifesta aqui o seu apoio e solidariedade com a luta dos trabalhadores e os estudantes franceses. Temos consciência de que a França é o primeiro laboratório de uma modificação civilizacional que se está a anunciar:
depois da imposição de um desemprego permanente de mais de 20 milhões de homens e mulheres na Europa, o que o CPE nos anuncia com fanfarra é o fim de qualquer forma de vínculo laboral, mesmo precário. A empresa passa a ser um território extra-contratual e extra-judicial onde só vigora a lei da vontade do patrão ou do seu capataz. Esse é um mundo novo sem direitos. É uma utopia reaccionária, é um mundo assustador.
Contra essa desumanização do mundo do trabalho, juntaram-se sindicatos e estudantes, trabalhadores de todas as gerações, em nome da recusa desta política. Essa luta é também a nossa. O CPE é a expressão francesa de um política europeia, que chegou já em força a muitos países e se anuncia noutros, como a Alemanha. A Comunidade Europeia aprovou recentemente na sua Cimeira da Primavera o programa «despedir com segurança», flexibilité-securité.
Como de costume, a eliminação de todo e qualquer factor de estabilidade no trabalho é camuflada sob um discurso de sensibilidade social: precariza-se o emprego em nome do emprego, destroem-se direitos sociais em nome do estado social, invoca-se os miseráveis para tirar direitos aos remediados.
Mas são cada vez mais as vozes que se levantam contra esta suposta inevitabilidade e a hipocrisia do discurso piedoso dos políticos neo-liberais europeus. Como escreve um autor francês: "Esta precariedade é, evidentemente, o fruto da mutação profunda que vem sofrendo o capitalismo desde há trinta anos. Intervenção massiva dos accionistas, reagrupados em Fundos de Investimento, exigência de receitas bolsistas desmesuradas, sub-contratação generalizada permitindo explorar mais brutalmente a mão-de-obra, frenesim para arrancar novas zonas de lucro, tanto aos serviços públicos, quanto à protecção social tais são as características mundiais do capitalismo contemporâneo. Elas fazem do trabalho uma mercadoria cujo custo é preciso baixar e dos trabalhadores objectos comercializáveis cuja necessidade de segurança é apenas um obstáculo à realização de lucros" Acabei de citar Michel Rocard, histórico militante do Partido Socialista Francês. É pena que seja tão difícil encontrar no poder socialistas que subscrevam esta análise e com ela sejam consequentes. Em Portugal, como em França, a opção tem sido a de copiar as piores receitas do neo-liberalismo. Se, em França, foi a direita a avançar com o CPE, em Portugal são os socialistas que mantêm o Código do Trabalho da maioria de direita.
Em Portugal, o cenário é, aliás, muito difícil. O Código do Trabalho, que esta maioria socialista aceitou com retoques permite situações em que um jovem ou qualquer outro trabalhador pode estar até seis anos a trabalhar com contratos a prazo ou com contratos a tempo incerto sem limite de tempo, podendo estar-se a assim precário uma vida inteira.
Os trabalhadores activos atingiram no último trimestre de 2005 os cinco milhões, cento e trinta e três mil, sendo três milhões, oitocentos e treze mil trabalhadores por conta de outrem. Destes: - oitocentos e noventa nove mil trabalham por conta própria, o que muitas das vezes serve para ocultar falsos recibos verdes e outras situações precárias; - quinhentos e oitenta e dois mil estão com contratos a prazo.
São um milhão e meio de trabalhadores precários ou sem garantias, vítimas de um sistema que os explora e abusa, que não sabem o que vai ser o dia de amanhã. Empresa por empresa, é esta realidade que encontramos:
Senhoras e senhores deputados socialistas: é por vossa vontade, complacência e cumplicidade que esta situação se mantém. O Bloco de Esquerda repete e insiste no desafio para que o Código do Trabalho seja revogado e substituído por uma legislação moderna assente nos direitos sociais.
Terão alguma justificação, senhoras e senhores deputados socialistas, para que se continue a perder tempo aceitando a lei do desemprego, da precariedade e do ataque à contratação colectiva?
A luta dos franceses inscreve-se na melhor tradição de solidariedade e luta pela democracia. O seu resultado afecta-nos a todos e dará um sinal aos poderes da Europa sobre o que podem esperar da continuação destas políticas.
O Bloco de Esquerda quer aqui evocar essa vontade, essa luta e essa força, para que possam chegar a todos os cantos da Europa. Hoje, somos todos jovens franceses. Venceremos.
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