Enquanto os hectares destinados à monocultura se expandem e, com apoio do Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, criam um deserto verde improdutivo, camponeses e indígenas são empurrados para as cidades na esperança de uma melhor condição de vida. A história é antiga e continua sendo exaustivamente ignorada pela imprensa de grande circulação. Leia nesta reportagem especial da Revista Consciência.Net, 14/3/2006
Os telejornais diários têm obrigação moral de citar as razões pelas quais os milhares de trabalhadores e trabalhadoras rurais se movimentaram, no Rio Grande do Sul, contra a Araracruz Celulose e seu laboratório. No entanto, nenhuma palavra acerca da expansão da monocultura de eucalipto. Essa atividade vem crescendo vertiginosamente e, segundo as agricultoras presentes na ação, tem transformado a região em um deserto verde improdutivo.
Não só os movimentos campesinos são ameaçados pela produção de monoculturas como eucalipto, soja, cana-de-açúcar e a agropecuária. As comunidades indígenas são literalmente expulsas de suas terras quando se estabelece a grilagem e a corrupção dos meios de fiscalização, em qualquer parte do território Brasileiro.
A monocultura é uma típica política colonialista que impede o desenvolvimento de trabalhadores, como camponeses familiares autônomos, ao impor um alto custo de produção com retorno econômico de alto risco.
Não pense que camponeses existem somente no interior do país. Não pense que os índios estão restritos às florestas. Enquanto os hectares destinados à monocultura se expandem com apoio do Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, todas estas pessoas são empurradas para as cidades na esperança de uma melhor condição de vida. A história é antiga. Desde a 'Revolução Verde', o processo agroindustrial moderno, propagandeado intensivamente dos anos 70 em diante, encheu as cidades de todo o planeta.
Não acredite que o processo era necessário. A agricultura familiar ainda é responsável por 70% dos alimentos que o brasileiro tem no prato. A duras penas, as famílias camponesas brasileiras resistem, com as mãos sujas de terra e os dedos calejados. Elas não possuem os mesmos mecanismos de incentivo direcionados à monocultura de larga escala.
Eucalyptus globulus, uma árvore imperialista
Neste caso, o problema está no eucalipto, não somente na monocultura. A espécie é nativa da Austrália e sua expansão é controlada por vorazes coalas que apenas se alimentam de suas folhas. O eucalipto tem a característica de sugar rios, nascentes e lençóis; a plantação exclusiva de eucalipto, sem o controle biológico de coalas, representa a desertificação do território e a árvore acaba reinando soberana.
E por que o eucalipto e não outra árvore? Porque ele cresce rápido, pode ser podado várias vezes e é ótimo para fazer papel. Seu tronco é todo em lascas, fácil para moer e virar pasta de celulose. Outra grande razão é que suas folhas são beneficiadas pela indústria química e farmacêutica. O cultivo de eucalipto é uma monocultura como outra qualquer não se trata de reflorestamento, idéia passada pela edição do Jornal Nacional da TV Globo do dia 8/3/2006. Só é reflorestamento se feito com plantas nativas. A monocultura é uma típica política colonialista que impede o desenvolvimento de trabalhadores
Para quem planta eucalipto, ainda tem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que promove o plantio de árvores como forma de seqüestrar carbono. Uma leitura nos sites das empresas de celulose mostra quantos prêmios já foram conquistados por conta desse mesmo mecanismo. A constante luta dos movimentos ambientalistas contra a indústria de papel não é somente o espectro do deserto verde, mas também que as substâncias usadas por essa indústria são consideradas uma caixa de pandora para contaminação de rios e afluentes.
Plantando armas
Por mais que nos façam crer que o crescimento do país só acontecerá com a agricultura intensiva, o modelo agroindustrial, que retira a subsistência das famílias rurais, é a base da economia de guerra que países como os EUA necessitam para se manter. A quantidade de insumos químicos despejados nos países em desenvolvimento, a maquinaria moderna e o uso intensivo de energia para produção de alimentos foram as estratégias de arrecadação de verba e a maneira de controlar a economia desses países.
Todos os insumos da agroindústria fazem parte da mesma indústria, capaz de produzir armas químicas e biológicas que, na primeira Guerra Mundial, transformaram o conflito na pior guerra química enfrentada pela humanidade. Todos os armamentos de guerra utilizados, desde então, têm a mesma base industrial que uma indústria de defensivos e tratores.
Pense bem: a monocultura extensiva que se utiliza dessas propriedades é que possibilita os conflitos entre países. O uso intensivo de energia também entra no esquema, pois a base para tais produtos é o petróleo. A base da sociedade contemporânea é o petróleo e seus conflitos.
Para quem planta eucalipto, ainda tem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) que promove o plantio de árvores como forma de seqüestrar carbono.
Quando se mostra camponeses e indígenas que protestam desta maneira, destruindo sementes e laboratórios de pesquisa, não se pode colocá-los como vândalos sem justificativa. A situação extrema, que leva pessoas a cometerem tais protestos, é uma tentativa de impedir já que nenhum outro mecanismo consegue a continuação deste processo. A sociedade do petróleo está com seus dias contados. Esta mesma indústria investindo na biodiversidade é conseqüência do fim deste capítulo. O que não muda no enredo é o pensamento de dominação de pessoas sobre outras pessoas. A industrialização da vida está criando e utilizando este mesmo procedimento para impedir que 70% de nossa alimentação seja produzido por pessoas que não conferem 100% do lucro a uma dúzia de acionistas. Para eles a resistência de 70% de um mercado é uma parcela muito grande. Então vale a pena brigar por ela. Uns com a pá e outros com tratores.
Ao invadirem o laboratório destruindo as sementes, as trabalhadoras rurais expressaram seu repúdio ao modelo econômico que lhes têm roubado o sustento e a própria vida. No entanto, a ação das Sem Terra tem sido veiculada pelos telejornais como a grande imprensa fazia no início do século XX: um caso de polícia.
Essas observações são óbvias para qualquer jornalista agrário que tenha dois neurônios e uma ligação entre eles. Entretanto, parece que na redação dos telejornais diários a preocupação com a ética e a vida não estão presentes, e sim os valores do agrobusiness.
Texto produzido pelo Conselho Editorial Consciência.Net, em conjunto, em março de 2006. Leia também: Solidariedade às mulheres da Via Campesina: Quando é preciso gritar. Original deste texto: http://www.consciencia.net/2006/0314-monocultura.html
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