Europa se volta para a direita

Nos últimos anos, o antigo continente tem eleito cada vez mais líderes com tendências direitistas, ao contrário do que está acontecendo na América Latina. Países com longa tradição social-democrata ou socialista, como Alemanha, França e até a Suécia, são agora governados por líderes de direita.

Primeiro foi a Alemanha, em 2005, quando assumiu Angela Merkel, da União Democrática Cristã; em 2006, John Fredrik Reinfeldt, do Partido Moderado, chegou a primeiro-ministro da Suécia. E agora, neste fim de semana, Nicolas Sarkozy, da União por um Movimento Popular, foi eleito presidente da França.

A causa das seguidas vitórias da direita é a crise da social-democracia européia. Este regime foi extremamente bem-sucedido em criar sociedades com alto grau de liberdade, excelente nível de vida e desigualdade social relativamente pequena. Porém, o desemprego, o pequeno crescimento econômico e o grande número de pessoas dependentes do sistema de seguridade social têm causado problemas às economias desses países.

A crise não se deve a um fracasso da social-democracia, mas sim às mudanças ocorridas no resto do mundo nas últimas décadas: os Estados Unidos e a Grã-Bretanha adotaram políticas ultra-liberais a partir da década de 80, e desmontaram o sistema de seguridade social quase por completo (algo que o primeiro-ministro britânico Tony Blair reverteu parcialmente), reduzindo impostos e beneficiando o grande capital à custa das classes média e baixa; e a entrada na economia mundial de países, na sua maioria asiáticos, com mão-de-obra abundante e muito barata. Tudo isso fez com que os países social-democratas tivessem dificuldades em manter as empresas e indústrias em seus territórios, que se mudaram para países com impostos muito menores (como EUA), ou com mão-de-obra mais barata (Ásia, América Latina, e membros recentes da União Européia como Polônia, Hungria e República Tcheca).

Um traço comum entre Merkel e Sarkozy é que ambos, em suas campanhas, criticaram a Rússia, e falaram que deveriam aproximar seus países dos EUA. O argumento até foi o mesmo: ambos disseram que seus países compartem com os EUA os valores da democracia, enquanto que a Rússia não, e que não deveriam cooperar muito com um país que comete atrocidades na Tchetchênia.

Este argumento é outro mais da longa série de preconceitos e ódios da Europa ocidental contra a Rússia. Sim, houve crimes, abusos e violências cometidas contra a população civil na Tchetchênia, durante as duas guerras nesta república. Porém, foram casos isolados, e na maioria das vezes foram levados à justiça e condenados. Há até mesmo um coronel do exército russo preso por abuso. Porém, o que os EUA fizeram e fazem no Afeganistão, no Iraque e no campo de concentração de Guantánamo (não há outro nome para isso) não foram casos isolados de abuso, mas políticas intencionadas que vieram dos altos escalões do governo Bush.

A Rússia manda os terroristas para prisões depois de julgá-los e condená-los, nunca usou a pena de morte, nem sequer contra terroristas, anistiou a maior parte dos combatentes que entregaram espontaneamente as armas e não se envolveram em atendados, e matou alguns altos líderes terroristas que ou resistiram à prisão (como Aslan Maskhadov), ou porque não havia maneira de capturá-los com vida (como o extremamente sanguinário Shamil Basayev). As cidades tchetchenas estão já completamente restauradas, recebendo enorme investimentos para a recuperação da região, e há cada vez menos atentados.

Já o Iraque, 4 anos depois da invasão, continua arrasado em grande parte, com atentados cotidianos. Também o Afeganistão, invadido há mais de 5 anos, longe de estabilizar-se, está cada vez mais perigoso e violento, sendo já uma narco-economia. Os EUA mantém centenas de pessoas presas em um campo de concentração, sem nenhuma evidência que aponte seu envolvimento em atividades terroristas, sem direto a defesa, sem direito a visitas familiares, sem sequer inspeções por parte de organismos internacionais como Cruz Vermelha, Anistia Internacional e outras que possam verificar as reais condições dos presos. Dizer que os EUA compartilham dos valores democráticos e de direitos humanos, e que a Rússia comete atrocidades em larga escala, é um absurdo que só radicais de direita poderiam proferir.

Porém, apesar da retórica, o governo de Angela Merkel não foi muito distinto dos anteriores no que se refere às relações com a Rússia: há ainda grandes projetos de cooperação que continuam no mesmo ritmo. Até o projeto do gasoduto no mar Báltico, que levará gás natural russo diretamente à Alemanha, e ao qual os EUA e seus novos aliados europeus (Polônia e países bálticos) se opõem, está sendo implementado rapidamente. Isso porque a cooperação com a Rússia é muito interessante aos interesses dos europeus. É de se esperar que Sarkozy, mesmo que fale mal da Rússia, siga o mesmo caminho.

Carlo MOIANA

PRAVDA.Ru

Buenos Aires

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey