Por Gustavo Barreto, para o Fazendo Media - [email protected]
A agência de notícias EFE informou neste sábado (24/2) que o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez duras críticas ao jornal "O Globo" durante entrevista coletiva realizada no mesmo dia. Chávez respondia a uma pergunta de um repórter da publicação brasileira sobre o destino de uma televisão e um diário de Caracas. "Dou as boas-vindas a você como cidadão sul-americano. Não dou boas-vindas é ao (jornal) 'O Globo'", começou dizendo Chávez, que depois acusou o repórter de fazer perguntas "tendenciosas e propositais".
"Estão te pagando para você dizer coisas, em função da oligarquia brasileira, que é o plano do império dos Estados Unidos. Tristemente você pode acabar como um cachorrinho do império (...) escrevendo o que seus donos, do jornal 'O Globo', querem que você diga", afirmou o governante.
O jornalista havia pedido a opinião de Chávez sobre a multa judicial de US$ 50.000 ao jornal "Tal Cual" por publicar uma carta editorial a uma de suas filhas e à decisão de seu Governo de não renovar a permissão de uso da freqüência à "Radio Caracas Televisión" (RCTV), que apoiou um golpe militar fracassado contra o atual presidente em abril de 2002.
"Que posso responder se é uma atribuição legal e legítima do Governo dar ou não concessão a um canal de televisão? Isso não deve ser explicado", disse Chávez, citando, como exemplo, que o mesmo acontece com a negação ou a aceitação do beneplácito a um embaixador. Chávez lembrou ainda que a decisão de multar o jornal foi uma decisão judicial, e não do poder executivo. "Não vou opinar mais sobre este assunto, que tem a ver com a soberania dos poderes na Venezuela (...) Você está entrando em algo que é sagrado: a soberania deste país", afirmou.
Agressão à verdade
Ainda sobre o jornal "O Globo", Chávez reiterou que seus proprietários "são da mais rançosa extrema direita" e "vem agredindo há anos a verdade, o povo venezuelano, a mim, chegando a sabotar a integração com o Brasil". As Organizações Globo, uma das mais tradicionais organizações da direita brasileira, publicam em seus principais veículos textos editorais e reportagens contrárias à política de governo da Venezuela, muitas delas infundadas, como o Fazendo Media demonstrou em matérias anteriores. O jornal "O Globo" também possui uma parceria institucional com jornais de direita de toda a América Latina, incluindo meios da Venezuela.
O presidente venezuelano lembrou que seu colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, recentemente disse que os dois eram agredidos pela imprensa de seus países e que "O Globo" foi o maior representante da "imoral agressão contra Lula e contra o Brasil", ao supostamente ter sugerido que ele ordenasse um ataque militar ou uma invasão armada à Bolívia. "É o que queriam os donos d'O Globo', que fazem parte da feroz oligarquia que aplaudiu quedas de presidentes e reúne pessoas que roubaram, saquearam e abriram as portas aos gorilas e ao império", disse Chávez durante a coletiva.
"Não têm ética nenhuma", afirmou Chávez, e, dirigindo-se ao repórter, disse: "Eu sei que você vem aqui para cumprir instruções de seus chefes (...) Experimente escrever algo que seus chefes não gostem para ver se eles não te demitem imediatamente. (...) Uma ditadura é o que há em meios de comunicação como 'O Globo'".
Modelo não agrada à Globo
Quando se analisam os modelos políticos que adotam Brasil e Venezuela, é possível entender porque a Globo teme tanto a influência do Executivo venezuelano no cenário da América Latina. No começo de 2007, Chávez anunciou em Caracas que pretende reestatizar os setores de eletricidade e telefonia do país, privatizados antes de 1999. Segundo ele, esses são setores estratégicos para o desenvolvimento do país e devem voltar ao controle do povo venezuelano.
No Brasil, as Organizações Globo são uma das principais beneficiadas pelas privatizações do setor de telecomunicações, já que exploram os serviços de TV a cabo e mantêm parcerias com empresas privadas no ramo de telefonia. Além disso, o controle social dos meios de comunicação é uma reivindicação antiga dos movimentos sociais.
A medida foi colocada em prática por Chávez por meio do envio de uma lei denominada Habilitante ao Congresso, concedendo poderes ao Executivo para legislar sobre esse tema. A Lei Habilitante servirá também para que se elimine o controle que algumas empresas petroleiras estrangeiras têm sobre o processo de melhoramento do petróleo extra-pesado da área do rio Orinoco. Esses projetos serão transformados em propriedade do Estado e afetarão multinacionais como Chevron, ExxonMobil, BP, Statoil e Conoco Philips.
Em outro ponto que se distancia do consenso da elite brasileira, o presidente venezuelano afirmou que pretende por fim à autonomia do Banco Central. "O Banco Central não deve ser autônomo. Essa é a tese neoliberal", disse Chávez ao empossar os ministros do novo governo. Segundo Chávez, da Lei Habilitante serão derivadas outras em matéria econômica, social, de segurança e de defesa. A Assembléia Nacional é formada em sua totalidade por partidários de Chávez, depois que a oposição decidiu boicotar as eleições legislativas de 2005, decisão da qual se arrepende até hoje.
Reforma da Constituição
Segundo a 'Agência Carta Maior', o líder venezuelano anunciou uma profunda reforma da Constituição, para criar a "República Socialista da Venezuela" e substituir assim o nome oficial de "República Bolivariana da Venezuela", adotado na Constituição de 1999. Os anúncios foram feitos por Chávez no discurso pronunciado por ocasião da solenidade de posse do gabinete ministerial que o acompanhará no novo período de governo (2007-2013). Através da nova lei, Chávez ganharia a autoridade para aprovar leis por decreto e assim acelerar reformas econômicas na direção do "socialismo do século XXI" que pretende implementar na Venezuela.
Na cerimônia de posse do novo gabinete, Chávez também anunciou que irá estatizar a empresa de telecomunicações CANTV e empresas de energia não especificadas. Além disso, garantiu que realizará uma "guerra de morte" contra a corrupção e o burocratismo, que qualificou de "verdadeiras ameaças contra o processo revolucionário". Ao pedir aos ministros "mais esforço, eficácia política e clareza revolucionária", destacou a necessidade de "nacionalizar o que foi privatizado, citando explicitamente o caso da CANTV".
Outra vez, apesar de o processo de privatização no Brasil ter sido reconhecidamente corrupto, ilegal e oneroso aos cofres públicos - tal como demonstrou de maneira definitiva o jornalista Aloysio Biondi [ver os livros O Brasil Privatizado e O Brasil Privatizado II, ambos da Editora Fundação Perseu Abramo], o governo brasileiro se nega repetidamente a rever as privatizações de setores estratégicos, pressionado pela elite neoliberal que domina parte do governo e quase a totalidade da mídia.
Bem comum acima do lucro individual
Hugo Chávez iniciou no começo de 2007 seu novo mandato como presidente da Venezuela. Reeleito em dezembro, com cerca de 62% dos votos, anunciou que pretende aprofundar a Revolução Bolivariana, lançando as bases para o que chama de socialismo do século XXI. Destacou, entre outros aspectos, o desenvolvimento de novas relações trabalhistas com o objetivo de ampliar a participação dos trabalhadores na gestão das empresas.
O governo venezuelano pretende incentivar a criação de cooperativas de produção e resgatar empresas fechadas para serem administradas sob um regime de auto-gestão com os trabalhadores. Chávez pediu que o setor privado "não tenha medo do socialismo", destacando que, no novo modelo econômico, "deve prevalecer a busca do bem comum, acima do lucro individual desmedido que caracteriza o capitalismo e gera a pobreza das maiorias".
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