A idéia do realizador brasileiro Sérgio Oksman era de fazer um filme ficção com seu próprio pai, depois de vinte anos de ausência, tendo como pano de fundo a Copa do Mundo. Mas aconteceram dois imprevistos - não havia um clima de Copa no bairro onde vivia seu pai, nem no café, nem no restaurante e para piorar, quando a Alemanha bateu no Brasil, seu pai estava no hospital, morrendo logo depois.
Por Rui Martins, de Locarno
O resultado é o filme ter se tornado um documentário de um último encontro entre pai e filho, que viveram quase sempre separados. O velho Simão Oksman, nascido em Ourinhos, de pais judeus poloneses, vindos o Brasil antes da Segunda Guerra, levava vida dura em São Paulo com sua loja de consertos de aparelhos informáticos, mesmo gostando de futebol e tendo memorizado nomes de jogadores de outras Copas, não podia fechar seu comércio para ver os jogos.
O casamento de Simão durou pouco e Sérgio tinha cinco anos, quando seu pai foi morar num hotel, onde viveu quinze anos, deixando-o com a mãe. Os encontros entre os dois tinham sempre rádio no carro e futebol. Por isso, a idéia de Sérgio, de cadenciar o reencontro do pai, depois de mais de quinze anos de ausência como emigrante na Espanha, com os jogos da Copa do Mundo.
Uma boa parte das filmagens foi feita do banco traseiro do Fusca de Simão, onde se espremiam os responsáveis pela câmera e o som. Do lado de fora o céu nublado e a equipe brasileira de futebol não colaboram. Sérgio Oksman provavelmente tinha pensado num filme positivo e mesmo eufórico de alegria brasileira vitoriosa, de um jantar comemorativo com o pai com bandeiras desfraldadas na rua.
Mas o dibbuk entrou na história e carregou nas tintas. As referências à Copa param no hospital quando o Brasil perdia de 5 a 0. As referências ao pai se terminam em plano distante, sob a chuva, com a recitação do kadish. Acabou a Copa, acabou o pai e acabou o filme.
Entrevista com Sérgio Oksman
Pergunta - O produtor insiste em dizer ser uma ficção, então o roteiro previa a morte do pai?
Sérgio - Claro que não! Como íamos escrever no roteiro a morte de alguém real?
Pergunta - Então, a morte aconteceu de maneira imprevista?
Sérgio - Sim, talvez esteja havendo confusão na percepção do filme. Veja bem, a idéia do filme era a de um pai e um filho, que tiveram muito pouco de contatos na vida, se encontram para ter um pouco de futebol juntos como faziam na infância do filho.
Era isso que tínhamos previsto e também imaginamos a forma de rodar. Claro que morte não estava prevista e que foi uma bordoada do destino, foi a morte do pai e, no caso, a morte do meu pai. Então não é ficção, ficção é a forma de pensar e rodar o filme, a maneira de colocar a câmera e talvez o pai ser pai no filme e o filho ser filho, mas claro que essa morte não estava antes definida. Claro que a morte do pai dói, e outra coisa é o cinema. Uma coisa é eu enterrar meu pai e outra coisa é eu fazer um filme sobre meu pai. O pai do produtor do filme, o Carlos Muguiro, também morreu na montagem do filme e, neste caso, o pai do filme é também o pai do Carlos.
Todos nós temos um pai que morre mas que não precisa necessariamente se transformar em filme.
Pergunta - O nome do filme é Futebol mas parece haver pouco futebol...
Sérgio - Não, o futebol está o tempo todo, mas se fala do futebol de 1954.
Pergunta - E da Copa?
Sérgio - Falamos na Copa de 1974 o tempo todo, durante o filme vamos colocando os resultados da Copa à medida que vai acontecendo. Uma coisa é estar e outra é se ver a Copa. Não se vê.
Pergunta - Qual era seu objetivo com o filme sobre a Copa?
Sérgio - Meu objetivo era o de estar com meu pai do primeiro ao último jogo da Copa, mas meu pai morreu, porém a Copa estava sempre presente, embora não se veja muito.
Pergunta - Embora falando de futebol local passado, a impressão é a de que seu pai não estava muito ligado na Copa...
Sérgio - ...não estava muito ligado.
Pergunta - Me ficou a impressão e no começo do filme se fala "não tem clima de Copa", essa crise de que se fala já estava lá?
Sérgio - Um senhor de mais de setenta anos que precisar trabalhar todos os dias desde as seis e meia da manhã, isso mostra que alguma coisa não ia bem no país. Chegar nessa idade e ter tantas dificuldades para ganhar o pão de cada dia, era a prova de que a Copa do Mundo não era importante por mais que tentassem nos vender a Copa.
Pergunta - Foi difícil a filmagem de dentro do Fusca?
Resposta - Não, não foi difícil, quando falamos em ficção é por termos pensado o filme de uma maneira muito clara e a aplicação de uma metodologia muito antes de começar o filme. Cada dia rodar com planos abertos e rodar com o pai. Foi difícil como filho e não como diretor, ficar com o pai quinze dias no hospital, um pai com o qual não tinha muita proximidade. Mas o filme continuou porque já tinha sido pensado.
Pergunta - fale um pouco de seu pai...
Sérgio - mas eu acho importante o pai do filme e não o meu pai. O espectador vai querer conhecer o pai do filme, não o meu pai. A minha história pessoal não é importante.
Pergunta - você está sendo muito rígido, o filme mostra as duas coisas: o pai do filme e o seu pai, as duas coisas, e o espectador vai querer conhecer esse pai, porque quando vê o filme vai querer conhecer a história do personagem, antes e depois, o seu pai tem uma história.
Sérgio - meu pai não fugiu da Polônia na guerra, nasceu em Ourinhos no Estado de São Paulo, sempre falou em português, se casou, via os jogos do Palmeiras e morreu. Nisso eu sou rígido, a história do meu pai não é interessante, interessanate é a história do filme.
Pergunta - Quando foi para a Espanha?
Sérgio - Há vinte anos, fiz minha vida na Espanha, meus amigos são espanhóis, meu filho é espanhol e meus filmes foram feitos na Espanha.
Trailer
Rui Martins está em Locarno, convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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