Onde você guarda seu racismo (preconceito)?

Onde você guarda seu racismo (preconceito)?. 14896.jpegVocê saberia responder a pergunta titulo desse texto? Poucos são os que sabem, haja vista nem saberem ou tentarem esconder questão tão explicita que é o preconceito em nossas vidas, mas que por razões díspares escamoteiam-no. Nosso país não se exprime oficialmente como racista e preconceituoso; e de certo que seus membros assim também não o faz, muito embora, quem passa por tais constrangimentos possa evidenciar no dia-a-dia as praticas humilhantes transmutadas em brincadeiras, quando não em notas explicitas. Entretanto, volta e meia eclodi noticias de atos racistas ou/e preconceituosos na imprensa nacional (e internacional também...), alguns casos são apenas a manifestação da valorização do caso por parte desta mesma mídia - quem não se lembra do caso Grafite - que como todos estamos cansados de saber, muitas visam apenas à audiência e conseqüentemente os lucros, outras já são fatos de extremado repúdio que estagnados e estupefatos, observamos, como algo do tipo pode ainda persistir em existir (?).

Coisas como uma garota impedida de entrar em uma sala de alua pelo tom e o tamanho do vestido, seguranças barrando indivíduos de entrar em "locais" por não estarem adequadamente vestidos, mesmo que estes locais sejam públicos, ou quando particulares o "barrado no baile" tenha pagado para entrar, ou ainda pessoas do mesmo sexo sendo repreendida, agredida e retirada a força de lugares públicos por apenas se supor sua orientação sexual. Poderíamos elencar inúmeros casos aqui de preconceito, mas não é o caso, seria enfadonho; o estanque é saber que a questão do preconceito é uma realidade em nosso país, como também a questão racial NÃO é apenas uma questão de desigualdade econômica.

Nas últimas semanas pudemos observar exemplos públicos dessas manifestações. Primeiro foi o caso da banana atirada no jogador da Seleção Brasileira de Futebol, Neymar, em partida contra a Escócia (fora do Brasil...), depois o caso pavoroso do Dep. Federal-PP/RJ, Jair Bolsonaro, que além da manifestação racista, foi também homofônico, algo até notório para ele, que em medida alguma tenta disfarçar, aliás, ele bem que faz de mostrar. Como não há impedimento algum, ele, o político, não se constrange em agredir, os homossexuais. Que o Deputado e/ou quem quer que seja, não goste de gays, lésbicas e simpatizantes, e também de negros, pobres e maltrapilhos, ninguém tem nada haver com isso, é problema deles, mas daí a sair proferindo impropérios contra estes, agredindo verbalmente ou fisicamente, ainda mais partindo de pessoa pública; com investidura pública, ai é absurdo! É caso de investigação e comprovado o delito, punição.

Os dois casos acima citados, dizem respeito a pessoas públicas, o segundo ainda envolve uma "artista" filha de um grande artista brasileiro que foi Ministro de governo e etc. Mas, há um terceiro caso que não envolve nenhum político, artista ou jogador de futebol e foi pouquíssimo explorado pela imprensa nacional, normal né? Trata-se do caso d'um baiano, de Feria de Santana, estudante de uma universidade pública gaúcha, que supostamente foi discriminado e agredido por policiais militares naquele estado. Helder Santos, 25 anos, mais conhecido em sua terra natal como Helder Ran, teve de deixar a cidade de Jaguarão, no sul gaúcho, após denunciar os fatos a Corregedoria da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e a imprensa local, pois segundo o mesmo passou a receber cartas com ameaças de morte. Em vídeo produzido pela Catarse - Coletivo de comunicação, e divulgado no Youtube, o estudante narra uma seria de fatos contra os policiais naquela cidade, se comprovado uma nodoa gigantes para Corporação. Que, não obstante, deve-se dizer, já abrira uma sindicância para apurar os fatos, e segundo o Comando, forma confirmados indícios de agressão corporal; abuso de autoridade e injuria racial - que difere do crime de racismo - havendo a confirmação, este seria o crime mais apropriado para este caso em particular.

O Helder "Ran" Santos enquadra-se no biótipo, especifico, para as abordagens indistintas das policias: nego, rastafári, tatuado, "universitário"... Aliás, o tipo que a sociedade acha que é o marginal, e por esta feita deve ser abordado pela policia, pois é um ladrão em potencial, não por sua condição de suspeição, mas por sua aparência, na matemática perversa social, negro é igual à pobre, pobre e igual à marginal...

A cada segundo acredito piamente nos meus professores, que outrora diziam em sala: "O Direito Penal nada mais é que peça de controle e exclusão social."

É através desse mecanismo que o status quo se mantém. A tão propalada "fundada suspeita" que nos policiais nos arvoramos em dizer que é a que nos pautamos, em nossas abordagens, é a suspeita do fácil, é a do estigmatizado pela sociedade que quer lhe, longe por sua aparência, por sua condição financeira, sexual, por seu biótipo descaracterizado. Nos que somos produtos dessa mesma sociedade consumerista, que exige a cor da pele, a textura do cabelo e o tom dos olhos, que mais comumente determina como nos vestir, se portar, as "drogas que usar", o transporte adequado... Reproduzimos esse desejo e invariavelmente em nos mesmo, pois policiais na sua grande maioria saem dos guetos. 

E não pense que esta é uma condição apenas de caráter sócio-econômico, não, não é não.  Um dos diretores executivo de jornalismo da rede Globo, Ali Kamel, nos idos de 2006 lançou um livro chamado: Não Somos Racistas. Onde o autor debate a condição da política de cotas para negros nas universidades públicas. Livro muito bem escrito, com lógica e argumentação, mas que não surpreende a posição tomada pelo autor, que esquecendo-se do que imprime a lógica do bom jornalismo, pende a argumentar para apenas um lado onde o discurso chega a tomar um viés proselitista. Apesar do esforço não convence. Por inúmeros motivos, para ser suscito, cito Alex Castro:

"O racismo é um problema de classe social, oras, racismo é um problema socio-econômico, ou você acha que é um problema literário ou culinário?"

Pois como quer externar o autor, os dois estão intrínsecos, caminham juntos... O cotidiano de uma vivencia negra, ou "diferenciada", principalmente na periferia, é experiência única, e a harmonia pintada pelo jornalista global, não é tão harmoniosa assim, como bem cita Rogério Beier:

"...Sentindo na pele a discriminação racial da polícia, da escola pública, da saúde pública, das empresas privadas e de muitos segmentos da sociedade, que se escondem atrás de posturas hipócritas contra o racismo, jamais admitindo a não conformidade que sentem contra os afro-descendentes..."

Ou no belíssimo livro Preconceito e Discriminação de Alfredo Guimarães, que através deste estudo nos mostra que a forte hierarquia social vigente e duradora do país é a causa principal do racismo, pois se há desigualdade há racismo! E assim diz o autor:

"...Para combater o racismo e para reduzir as desigualdades econômicas, precisamos, antes de tudo, denunciar as distâncias sociais que as naturalizam, justificam e legitimam".

O problema do Brasil é como o grande sociólogo Florestan Fernandes falou, as pessoas têm preconceito de não terem preconceito, o que dificulta qualquer tipo de estudo, ou qualquer tipo de tentativa de dissipar esses conceitos malformados e enraizados. Numa sociedade que sua grande maioria, é negra, e esta mesma maioria é composta de miseráveis, e já uma relativa minoria branca é abastada e rica, com absoluta certeza, temos ai uma definição de sociedade racista!

É nesse ambiente que se reproduzem às máximas policiais, não que necessariamente todo policial seja um racista por excelência, não óbvio que não, mas alguns são dando conta disso ou não. Outros apenas reproduzem comportamentos sociais e institucionais, que muitas vezes enraizaram-se primeiramente, ou não pelo quesito sócio-aparente.

A partir de tal prisma, o insigne Daniel de Andrade cita em belo artigo sobre o tema, a pesquisa de Silvia Ramos e Leonarda Musumeci com grupos sociais diferentes, e nessa pesquisa demonstraram como dadas características estavam interligadas em diferentes classes sociais, podendo assim chegar próximo do que a sociedade define como "elemento suspeito" que por sua vez, deve ser abordado pela polícia. A aparência diferiria de grupo para grupo, todavia, em cada um dos desenhos seja de um negro com roupas caras, seja de um "punk", demonstra características que chamariam a atenção da polícia, mesmo sendo desenhos de pessoas diferentes, porém sua aparência está fora do padrão aceito pela sociedade, ou seja, negro, mal vestido, "punk", "tatuado".

"Vale ressaltar que, em todos os grupos focais pesquisados, a maioria das características elencadas se referia à aparência da pessoa e não a sua atitude ou gestos. Portanto, para os grupos focais isso é que conta mais, a aparência é o que determina para uma abordagem policial."

É essa fundada suspeita social e policial hodierna, é o efeito Lombrosiano, a brasileirado por Nina Rodrigues, totalmente contrário à igualdade entre as raças frente ao Direito Criminal. Para ele a superioridade dos brancos em detrimento dos negros e mestiços era de tal forma a comparar estes a animais em processo de civilização. Ainda hoje é assim, talvez nunca mude, é neste diapasão que se quer instituir uma busca pessoal indistinta por meio de metas e cronogramas, no alto de uma "fundada suspeita" subjetiva, que para muitos esta pautada na aparência. Pois como Ramos elenca:

 "Mesmo tendo um alto índice de membros negros, sejam eles oficiais ou praças, as polícias militares, normalmente, contrariando as opiniões populares, se dizem não racistas. O acesso e a ascensão nas carreiras militares, tornam-se um atrativo para os negros e mestiços, pois, como são firmadas em hierarquia e disciplina torna a vida profissional menos preconceituosa do que a vida civil, trabalhando em uma empresa qualquer por exemplo. No entanto, a grande participação de negros nos quadros das corporações não muda a visão racista que se tem no momento da escolha de um suspeito."

É sobre esse sistema penal, pelo fito do atual estado policial que o conspícuo Juarez Cirino dos Santos, levanta:

"Todo esse sistema de controle social está no discurso oficial de que o direito penal serve para proteger os bens jurídicos, prevenir a prática de crimes, está representado por uma igualdade, por uma prevenção geral. No entanto se tem um controle social formado por diversas instituições, que trabalham para manter o mesmo sistema de controle que se repete há muito tempo, controlando as classes desfavorecidas em favor de poderosos, ou seja, a criminalização de fatos praticados pelas classes de proletários, um sistema que visa garantir a manutenção do poder em relação à classe dominada..."

            Temos muitos Helders, Brasil a fora, que independendo de serem negros ou gays, rastafáris ou roqueiros, maltrapilhos, tatuados etc. são pessoas, até que se prove contrário sua aparência não deve criminalizá-lo; tentar esconde que essa é a realidade também não ajuda. Acha que não se tem preconceito, por pegar na mão de um negro, é negar a si mesmo uma realidade, achar que infelizmente os negros são simplesmente mais propensos a criminalização e por isso merecem ser mais abordados pela policia e a partir disso você deixa de ter culpa; e a culpa é sócio-econômica, é vendar-se, e recolher-se a ignorância da escuridão, tão racista quanto o preconceito homofóbico reproduzido pelo Deputado Bolsonaro.

Enfim, devemos admitir que somos, sim, um país racista, nossa policia reproduz esse racismo intricado em nos, que transmutado em condição social é a face do puro preconceito que ainda nutrimos em nossas almas. As policias precisam debater abertamente o assunto e devem tentar ensinamentos de forma a agir distinta, com tolerância, com profissionalismo, e como disse o Ten. PM blogueiro Danilo Ferreira: "Não é impossível, e seria belíssimo, que as polícias passassem a ensinar tolerância aos brasileiros."

Então, onde você guarda seu racismo? Pela imposição etnocentrista, todos somos em dada medida preconceituosos e racistas; e em algum lugar esta o nosso preconceito, exorcize-o, tente, não é fácil, mas jogue-o fora, não é bom guardar o que não presta, apodrece.

¹Ewerton Monteiro, é Policial Militar, graduando no bacharelado de Ciências Jurídicas da FAT - Faculdade Anísio Teixeira e graduando em licenciatura em História da UNEB - Universidade do Estado da Bahia.

Elaborado em 01/04/2011

           

*Ewerton Monteiro

[email protected]

O vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=ZCpzSlfQDu8&feature=player_embedded#at=17

Foto: http://panquecas.blogs.sapo.pt/

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey