Por José Luis Rodríguez Zapatero, chefe de governo da Espanha
Em um suplemento especial oferecido aos seus leitores, o jornal espanhol El País publicou esta semana o perfil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até aí, nada de novo. A novidade é que o perfil foi escrito pelo presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero.
No domingo, o El País irá para as bancas com o suplemento especial "Os Cem do Ano", sobre personalidades íbero-americanas que marcaram o ano de 2009. "Retratados por Mariano Rajoy, Javier Solana, Lydia Cacho, Bigas Luna, Tom Ford, Vicente del Bosque e mais 91 assinaturas. Nesta quinta-feira (11) o jornal adiantou o perfil do presidente do Brasil, Lula da Silva, personagem do ano 2009, traçado pelo presidente do governo, José Luis Rodriguez Zapatero".
Leia abaixo o perfil publicado no último domingo e assinado por Zapatero:
Este é um homem cabal e tenaz, pelo qual sinto uma profunda admiração. O conheci em setembro de 2004, depois da incorporação da Espanha à Aliança contra a Fome, que ele liderava, em uma cúpula organizada pelas Nações Unidas em Nova York. Não podia ter havido uma ocasião melhor.
Luiz Inácio Lula da Silva é o sétimo dos oito filhos de um casal de trabalhadores analfabetos, que viveram a fome a e a miséria na área mais pobre do Estado brasileiro nordestino de Pernambuco.
Teve que compartilhar seus estudos com o desempenho dos mais variados tipos de trabalho e se viu obrigado a deixar a escola, com apenas 14 anos, para trabalhar no chão de fábrica de uma empresa metalúrgica dedicada à produção de martelos. Em 1968, em plena ditadura militar, deu um passo que marcou sua vida: filiou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema.
Da mão desse homem, seguindo o caminho aberto por seu predecessor na presidência, Fernando Henrique Cardoso, o Brasil, em apenas 16 anos, deixou de ser o país de um futuro que nunca chegava para converter-se em um formidável realidade, com um brilhante porvir e uma projeção global e regional cada vez mais relevante. Por fim, o mundo se deu conta que o Brasil é muito mais que carnaval, futebol e praias. É um dos países emergentes que conta com uma democracia consolidada e está convocado a desempenhar nas décadas seguintes uma crescente liderança política e econômica no mundo, tal e como já vem fazendo na América Latina com notável acerto.
Lula tem o imenso mérito de ter unido a sociedade brasileira em torno de uma reforma tão ambiciosa como tranquila. Está sabendo, sobretudo, afrontar, com determinação e eficácia, os desafios da desigualdade, a pobreza e a violência, que tanto determinaram a história recente do país. Como consequência disso, sua liderança goza hoje no Brasil de apoio e apreço majoritários, mas muito mais importante ainda é a irreversível aceitação social de que todos os brasileiros tem direito à dignidade e à autoestima, por meio do trabalho, da educação e da saúde.
Superando as adversidades de toda ordem, Lula percorreu com êxito esse longo e difícil caminho que vai desde o interesse particular, em defesa dos direitos sindicais dos trabalhadores, ao interesse geral do país mais populoso e extenso do continente sul-americano. Sem deixar de ser Lula, nessa longa marcha conseguiu, além do mais, despertar as esperanças de muitos milhões de seus conterrâneos,em especial daqueles mais humilhados e ofendidos pelo açoite secular da miséria, proprocionando-lhes os meios materias para começar a escapar das sequelas desse círculo vicioso.
Ao mesmo tempo, nos sete anos de sua presidência, o Brasil ganhou a confiança dos mercados financeiros internacionais, que valorizam a inexistência de dívidas de sua gestão, a capacidade crescente de atrair investimentos diretos e o rigor com que geriu as contas públicas. O resultado é uma economia que cresce a um ritmo de 5% ao ano, que resistiu ao ataque da recessão mundial e está saindo mais fortalecida da crise.
Após converter-se no presidente que chegava ao cargo com o maior apoio eleitoral, em sua quarta tentativa, Lula manifestou que é inaceitável uma ordem econômica na qual poucos podem comer cinco vezes ao dia e muitos permanecem sem saber se conseguirão ao menos comer uma vez. E defendeu: "Se ao final de meu mandato os brasileiros puderem tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias, então terei realizado a missão da minha vida".
Empenhado nisso segue esse homem honesto, íntegro, voluntarioso e admirável, convertido em uma referência inescapável para a esquerda do continente americano ao sul do Rio Grande. Tem uma visão do socialismo democrático que põe o acento na inclusão social e na justiça meio-ambiental, para fazer possível uma sociedade mais justa, decente, fraterna e solidária.
O Brasil logo ocupará um lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, está a ponto de converter-se em uma grande potência energética e em 2014 sediará o Campeonato Mundial de Futebol. Quando nos vimos em outubro, em Copenhague, Lula chorava de felicidade, como uma criança grande, porque o Rio de Janeiro acabava de ser eleita a cidade organizadora dos Jogos Olímpicos de 2016. A euforia que o invadira não o impediu ter a tempera necessária para vir me consolar porque Madri não havia sido escolhida e me dar um forte abraço.
A mim , não me estranha nada que este homem assombre o mundo.
José Luis Rodríguez Zapatero é presidente do Governo espanhol.
http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=5a7b238ba0f6502e5d6be14424b20ded&cod=5217
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