O procurador-geral da República de Moçambique, Joaquim Madeira, apresentou, semana finda, o informe anual sobre a situação da legalidade e justiça. Após apresentação pública do informe, que o apresentou no parlamento moçambicano, recebeu críticas vindas do maior partido de posição, Renamo, e da sociedade civil.
Josué Bila
Em seu documento de 107 páginas, o procurador Madeira afirma que a legalidade, o combate ao crime e a administração da justiça funcionaram bem no ano transacto.
Madeira, citado pelo jornal Notícias, revela que, em 2006, a Procuradoria-Geral da República (PGR), seus órgãos subordinados e o Ministério Público foram solicitados, em audiências e na linha do procurador, 7034 vezes, mais de 1269 do que em 2005. Há ainda 11 796 processos despachados, representando mais de 5865 do que em 2005, entre outras realizações, escreve o jornal diário pró-governamental notícias, citando o procurador.
A criminalidade reduziu de 45950 para 36457 casos de 2005 a 2006 e os acidentes de viação também registaram uma diminuição no período em referência, enquanto que os tribunais proferiram 101383 sentenças e acórdãos, superando em 47.5 por cento a produtividade anterior, para além de 27810 processos findos por outros motivos, anota.
O PGR revelou ainda, segundo a publicação diária supracitada, que a situação prisional é actualmente de 12396 reclusos, dos quais 7215 julgados, havendo indicação de que os serviços prisionais possuem um programa que vai permitir a separação dos mesmos de acordo com as suas idades, aprendizagem de profissão na cadeia e elevação de nível académico.
Isto é fruto do esforço abnegado e dedicação dos julgadores e dos funcionários envolvidos; é o corolário das acções contínuas de recrutamento, formação e enquadramento de magistrados e funcionários. Trata-se, sem dúvidas, pelo menos em termos numéricos, de uma prestação positiva que gostaríamos que a sociedade reconhecesse, afirmou Joaquim Madeira.
O que diz a Renamo
João Alexandre, deputado da Renamo-UE, é citado pelo jornal independente «Canal de Moçambique» a dizer que o informe é igual ao dos anos passados, estando simplesmente cheio de lamentações.
Estávamos à espera de uma informação com dados mais significativos quanto à criminalidade. Ele debruça-se mais da organização interna do seu sector e alguns factos no âmbito da legalidade. Sentimos estarmos perante um procurador que se diz ameaçado e impedido de manter a legalidade neste país. Em suma, noto no informe que o Procurador-Geral da República ainda não se assume como garante da legalidade no País.
Por seu turno, Máximo Dias, também da Renamo-UE opina que o Procurador mostrou mais uma vez que é igual a si próprio sob ponto de vista de ano para ano vir ao parlamento dizer a mesma coisa. Para além de nos ter informado estar a melhorar a capacidade do seu efectivo, nada mais de novo trouxe no que diz respeito à segurança interna do cidadão, nem mesmo quanto ao combate à corrupção bem como à violação da lei.
Máximo Dias acrescentou que o país continua na mesma, sem se vislumbrar nenhuma melhoria no aspecto rigoroso da legalidade.
O deputado da Renamo, Eduardo Namburete, na sua intervenção no parlamento e atacando ao procurador Madeira, escreve que o seu informe, senhor Procurador Geral da República, não trouxe nada de diferente daquilo que já nos habituou, e creio que desta vez, na tentativa de inovar, a informação ficou mais vaga. Falou de muitas coisas, desde a organização interna, formação, mas o essencial que o povo quer ouvir daquele que é o garante da legalidade não apareceu.
Acrescenta Namburete: O senhor Procurador Geral da República falou do caso do Ministério do Interior. Sobre isto, falou e não disse nada. Disse que no dia 6 de Março recebeu a auditoria efectuada ao Ministério do Interior e ao Comando Geral da Polícia. Isso todos já sabiam. Que eram dois volumes. Também já sabíamos. Que já foram ouvidas 16 pessoas em declarações e 28 em perguntas. Também já sabíamos
Que há mais arguidos por ouvir. Também sabemos. Diz que parece haver a necessidade de uma auditoria mais completa, e adianta que o tempo não vai permitir, mas afirma que há lacunas que importa colmatar. O que é que vai fazer senhor Procurador Geral ? Vai mandar fazer mais uma auditoria ou não ? E termina a sua narração sobre este caso com um alerta sobre os riscos que os Magistrados e Investigadores correm. Em nenhum momento o senhor Procurador Geral da República nos disse o que é que este caso envolve. Quem são as pessoas envolvidas? Quanto dinheiro está envolvido? Falou, falou, e não disse nada.
Apresentou o caso da Auditoria do Banco Austral, onde disse que recebeu o dossier da auditoria forense e que neste momento o material solicitado, depois de uma paragem de três meses, está em estudo. Mais uma vez o senhor Procurador Geral da República não disse nada. O que essa auditoria forense trata, questiona?
Diz ainda Namburete: Sobre o caso do nosso saudoso colega José Gaspar de Mascarenhas, assassinado há um ano, disse o Procurador que o caso está a ser investigado. Isso também sabíamos.
O senhor Procurador-Geral da República não falou do processo autónomo do caso Cardoso; não falou do caso BCM; não tocou nem ao de leve o caso da polémica moradia da avenida do Zimbabwe em que a Primeira- Ministra é mencionada como tendo usado a sua influência para beneficiar o seu filho; não tocou no assunto da mediatizada casa de «1.8 milhões de dólares» supostamente adquirida pelo casal Albano Silva e Luisa Diogo, a Primeira Ministra, em Portugal. Portanto, o senhor Procurador Geral da República elegeu três casos que pautou como sendo os que mais impacto tiveram na sociedade moçambicana, sobre os quais não disse nada; e sobre aqueles que efectivamente tiveram e tem impacto na sociedade moçambicana o senhor Procurador Geral da República não disse nada, nem sequer dedicou uma única palavra, escreve Namburete.
Frelimo, partido governamental
Feliciano Mata, porta-voz da bancada parlamentar da Frelimo, contrariamente à opinião dos seus colegas da oposição, Renamo, indicou que a sua bancada, Frelimo, nota uma certa evolução do conteúdo da informação apresentada desta vez, anota o Canal de Moçambique.
O Procurador Geral fez uma abordagem profunda da situação da justiça no país, considerou, procurando espelhar o quadro geral de sua administração; os avanços alcançados e os problemas registados colocando-os como desafios que se colocam no sector e em particular para o Ministério Público.
Mata disse ainda que sentimos de ponto de vista de organização do Ministério Público que houve um grande investimento em termos de afectação de recursos humanos qualificados para a função da magistratura do Ministério Público.
Entretanto, o mesmo interlocutor disse haver, todavia, necessidade de se acelerar a reforma legal para se conferir maior estabilidade aos magistrados e criar se um quadro legal que permita uma celeridade processual e a abrangência dos crimes que hoje não estão previstos no Código do Processo Penal.
Somos da opinião que a Procuradoria tem de ser célere com os casos que têm estado a preocupar a sociedade já há muito tempo tais como o processo autónomo do Carlos Cardoso, do Siba Siba, embora compreendamos a complexidade que envolve o esclarecimento dos e o trabalho que está a ser realizado.
Julgamos que se continue a agir para se encontrar caminhos que permitam o seu desfecho rápido., concluiu Feliciano Mata.
Já Julião Caixote Nembe e Ossumane Ali Dauto, igualmente citados pelo Canal de Moçambique, alinharam no diapasão das declarações do porta-voz da bancada da Frelimo, ao afirmarem que a informação dá o espelho daquilo que a Administração da Justiça tem feito no país, o que permite fazer uma comparação ao passado o que dá a entender de que a justiça em Moçambique está em bons caminhos.
De um modo geral o informe abordou questões que corresponderam à nossa expectativa e no debate os deputados levantam questões que já foram debatidas anteriormente e encorajam o procurador a trabalhar, disse Julião Nembe.
Dauto também disse praticamente a mesma coisa que Nembe. Para a Frelimo está tudo bem e no trilho certo.
Sociedade civil
(Extractos de uma breve análise do CIP ao discurso do Procurador Geral da República na AR, hoje 18 de Abril de 2007)
Centro de Integridade Pública (ONG moçambicana)
Informe do PGR mostra fraquezas no Sistema Nacional de Integridade
O informe de 2007, apresentado hoje (ontem) na AR mostra, na opinião do CIP, algumas fragilidades do sistema de integridade em Moçambique, as quais devem ser resolvidas com urgência:
O Ministério Público mostra-se incapaz de investigar casos em que estejam envolvidos certo tipo de arguidos (diz o informe que "há arguidos que se recusam a fazerem-se presentes às audições. Entendem que é vergonhoso e humilhante serem ouvidos no GCCC, mas não acham vergonhoso os actos que praticam e pelos quais são chamados ao gabinete" p.91);
O Ministério Público admite explicitamente que existem arguidos intocáveis (diz o informe que "outros promovem reuniões para provarem a sua inocência e alegarem pretensas perseguições contra si, mas recusam-se prová-lo em sede própria que é no processo", p.92); (diz o informe que "outros ainda mandam exposições exigindo o arquivamento de seus processos e ainda, que se lhes peça desculpas pelo processo", p.92);
Estas afirmações do PGR significam que o Estado é incapaz de exercer o seu monopólio de violência física; o Estado é impotente perante determinadas redes; o Estado está capturado por essas redes, as quais até se impõem ao PGR;
O PGR foi investido no cargo para zelar pela legalidade. No seu informe ele se revela impotente, dando sinais concretos ao Presidente da República de que não consegue actuar contra os bloqueios do sistema; ele sacode de si a responsabilidade de zelar pela legalidade, atirando-a para o Presidente da República;
O PGR fala de ameaças que recebe para não investigar os casos Banco Austral e o roubo ao Ministério do Interior; mas não diz o que fez de concreto para ser ameaçado; não mostra donde é que surgem e qual é a verdadeira natureza das ameaças; a opinião pública precisa de mais informação para se simpatizar com o PGR;
Uma comparação dos informes do PGR dosúltimos anos mostra uma total falta de continuidade dos trabalhos do Ministério Público: se no ano passado, o PGR fazia referência ao processo autónomo do caso Carlos Cardoso, este ano nem uma linha; se no ano passado dizia que alguns casos provenientes do relatório e parecer do Tribunal Administrativo sobre a Conta Geral do Estado estavam a ser investigados, este ano nem uma referência sobre o desfecho desses casos.
O silêncio mais ensurdecedor do PGR é relativamente ao assassinato do economista Siba Siba Macuacua. Nem uma linha. O PGR faz apenas uma referência passageira à Auditoria Forense ao Banco Austral, mas essa Auditoria Forense é uma fonte de informação vital para o esclarecimento de dois casos: a gestão danosa do BA e o assassinato do economista.
O informe também mostra que o caso Banco Austral não está a ter a importância de um caso urgente. Vejamos: o informe diz que a Auditoria Forense foi recebida na PGR a 19 de Junho de 2006; que depois foi requerido outro material "a quem de direito", o qual não foi obtido com brevidade, tendo o processo parado por três meses. Por outras palavras o processo parou até Setembro de 2006. Desde essa data até cá passaram-se mais 6 meses e, por isso, era vital que o PGR mostrasse o que é que foi feito nestes seis meses.
A administração da Justiça precisa de ser melhorada em Moçambique. A PGR tem uma quota parte de responsabilidade nesta matéria. Todos os anos, a opinião pública recebe informação de pouca qualidade sobre o estado da legalidade no geral e sobre o combate à corrupção, alimentando a percepção de que nada está a acontecer, de que o sistema está corroído até o tutano, mergulhado numa rede de cumplicidades e jogos de silêncios, mostrando um Estado ausente, incapaz, capturado.
Cada vez mais se capta, em Moçambique, uma instrumentalização da dependência externa, construindo-se estratégias de reconstrução da Justiça e combate à corrupção pouco realistas (mas seguindo-se os cronogramas da avaliação conjunta com os doadores), planos de acção desenhados sob joelho e foruns cuja constituição não obedece a critérios de integridade. Todo o edifício da reforma do judiciário assenta no cumprimento de indicadores quantitativos, deixando a qualidade e a melhoria do serviço ao público em segundo plano.
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