Estado português e tortura

A deputada europeia Ana Gomes declarou na ilha Terceira ter recebido denúncias de avistamentos de pessoas acorrentadas a serem transportadas na base das Lajes, eventualmente sob custódia dos serviços secretos norte-americanos. Não temos – como provavelmente a deputada não tem – mais do que essa informação.

Estes factos não tornam admissíveis as declarações do Presidente do Governo Regional (no fundamental, que ele próprio não teria visto tais aparições) a respeito do assunto. Ao invés tornam o Estado português, e em particular o Governo dos Açores, cúmplice do que possa ter sucedido (ou estar a suceder) e mesmo do que se teme que possa acontecer.

O Estado português, bem assim como os seus agentes, em função dos compromissos internacionais de prevenção contra a tortura subscritos e ratificados por Portugal, comprometeram-se a, e por isso têm obrigação de agir proactivamente de modo a perseguir e prevenir quaisquer actos de tortura, no âmbito da sua soberania. Isso significa que perante qualquer denúncia de existência de condições de eventuais situações de tortura cabe ao Estado e aos seus agentes proceder a investigações e tomar medidas preventivas, ainda que não seja possível detectar casos de tortura reais (o que de resto nunca será se nunca se investigar).

A questão é esta: porque é que quem denunciou o avistamento à deputada Ana Gomes não o fez às autoridades açorianas? Ou se o fez, o que fizeram estas últimas? O Presidente do Governo veio publicamente explicar que as autoridades açorianas não estão (nem podem estar, por ordens superiores, como se constata) receptivas a denúncias desse género e, mesmo que ainda assim alguém mais distraído possa não ter percebido isso, caso a denúncia seja formalizada deve ser desvalorizada.

O que o Presidente do Governo dos Açores veio informar o país é que a tortura não existe nos Açores porque ele e o seu governo vão virar os olhos para outro lado sempre que isso possa acontecer, quando a sua obrigação é correr a evitar que possam de alguma maneira existir condições propícias a que a tortura possa ocorrer. Sendo certo que, nos Açores como em toda a parte, a tortura é um flagelo que põe em risco a moral de toda a autoridade.

Num tempo em que o Estado norte-americano sofre pressões bem sucedidas para legalizar a tortura e recentes altos dirigentes são publicamente acusados de terem promovido oficialmente a tortura, por que razão os Açores estariam a salvo destas políticas? Por serem um santuário ou por serem governados gente de fé, ainda que ignorante das suas obrigações de Estado? O direito internacional a que o Estado português aderiu não vincula os Açores?

ACED

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey