José Dirceu, ex-ministro Chefe da Casa Civil
Em seu relato Juventude, Joseph Conrad menciona a cumplicidade entre o pão e as tempestades, na luta pela sobrevivência de trabalhadores portuários ingleses do século 19. Quando uma embarcação avariada pela fúria implacável da chuva e do vento aportava no cais, era como se a visita da morte ressuscitasse o metabolismo exaurido do lugar.
O reparo da montanha flutuante de madeira assegurava trabalho e comida a toda uma comunidade, durante meses. Ainda hoje, costuma-se dizer que a construção de um navio equivale à implantação de uma fábrica no coração de uma economia, tal a transfusão de demandas e empregos que ela injeta.
Por isso, é uma vitória que o Congresso tenha, finalmente, no dia 20 de dezembro, conseguido liberar a Transpetro (Petrobras Transporte S.A.) para contratar, imediatamente, a fabricação de 26 navios de um total de 42 embarcações a serem construídas por estaleiros nacionais até 2015.
A Transpetro precisava da aprovação do Senado para elevar seu limite de endividamento e tomar recursos junto ao Fundo da Marinha Mercante, que tem US$ 2,6 bilhões ociosos. Só com essa autorização, afinal votada, poderá deslanchar as licitações já aprovadas pelo Tribunal de Contas da União.
A oposição impediu a votação, durante quase cinco meses. Uma das restrições alegadas para esse embarreiramento dá a exata noção do descompromisso de certos setores com o desenvolvimento. Argumentava-
A Petrobras trabalha com 110 petroleiros, 63 fretados e 47 de frota própria - boa parte envelhecida. A compra de novos navios permitirá à estatal economizar US$ 200 milhões em frete por ano. Além de gerar 22 mil novos empregos, a encomenda inclui exigências de 65% de nacionalização de equipamentos, o que adiciona um novo degrau tecnológico ao setor naval e intensifica o treinamento da mão-de-obra brasileira.
A demora enfrentada pela Transpetro não é um fato isolado. O neoliberalismo, hegemônico nos anos 90, montou um verdadeiro cipoal de restrições e terceirizações que dificultam sobremaneira a indução pública do crescimento. Pouco depois de sua posse, em 2003, ao perceber esse ardil, o presidente Lula fez um desabafo premonitório: "O Brasil foi terceirizado"
Nos últimos meses, Lula tem dado demonstrações de que pretende destravar os gargalos do crescimento nesse segundo mandato. Há inúmeras barreiras a atacar. Encabeça a lista esse acanhamento imposto ao Estado, que impede o país de aglutinar energias para mudar suas circunstâncias.
Assim, para fazer acelerar o projeto de desenvolvimento é preciso, antes de mais nada, recuperar o papel indutor do Estado no processo de crescimento. Entre as medidas já anunciadas, várias perfilam em torno desse novo centro de gravidade: a desoneração do capital destinado a novos equipamentos produtivos (máquinas ou edificações), a mobilização de fundos públicos para subsidiar a habitação popular (a exemplo do que foi o BNH nos anos 60/70), a isenção de impostos para fundos de infra-estrutura, bem como a reconstituição do comando estratégico da Eletrobrás na área de energia. Não há nada de radical nisso. Ao contrário. São sinais de que o governo entendeu o recado das urnas e se prepara para dar um basta ao Estado mínimo e sua fracassada tentativa de equilibrar a economia sem crescimento nem distribuição de riqueza.
As forças que vão espernear são as mesmas que tentaram barrar o programa de modernização e expansão da frota da Transpetro no Congresso. Houve, de sua parte, uma motivação adicional nesse caso específico. A Petrobras é o espinho mais incômodo atravessado na goela neoliberal. O desempenho da empresa, inatacável, reduz toda narrativa privatizante a blá-blá-blá ideológico de má qualidade. No ano passado, a Petrobras registrou o maior lucro líquido da história econômica nacional: R$ 23,7 bilhões. No segundo mandato de Lula, seu portfólio prevê investimentos de US$ 87 bilhões. E mais 800 mil novos empregos.
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