Jerónimo de Sousa: A libertação da submissão ao Euro é necessária e possível
Permitam-me que em primeiro lugar saúde o conjunto de intervenções que aqui foram realizadas nesta sessão pública que tem como designação o lema da campanha nacional que o PCP tem vindo a desenvolver desde Março e que são um valioso contributo para a necessária reflexão e intervenção política do Partido Comunista Português, naquilo que são aspectos centrais e estruturantes que se colocam à economia portuguesa, às condições de vida dos trabalhadores e do povo, à soberania e ao desenvolvimento do País.
Por aqui passaram as questões do aparelho produtivo nacional, do investimento público e privado, do emprego, da precariedade e dos direitos dos trabalhadores, da banca pública e privada, do Orçamento do Estado e da política fiscal, do comércio externo e do mercado interno, da dívida pública e privada, dos instrumentos de gestão soberana no plano nacional e que estão, como temos vindo a afirmar, profundamente condicionados pelas regras e imposições da União Europeia e do Euro, pelos interesses do grande capital monopolista nacional e estrangeiro.
Aqui ficou bem patente o conjunto de graves e complexos problemas com que o povo e o País continuam confrontados. Por aqui passaram também os principais eixos de ruptura e proposta que apresentamos para a solução dos principais problemas nacionais. Da parte do PCP, estamos convencidos que é cada vez mais necessário continuar a afirmar uma política alternativa, uma política patriótica e de esquerda.
O PCP tem valorizado tudo quanto tem sido possível alcançar neste período que decorreu desde a derrota do Governo PSD/CDS nas eleições legislativas de Outubro de 2015. Inseparáveis da intensa luta dos trabalhadores e das populações, bem como do papel e acção decisiva do Partido Comunista Português, cada um destes avanços e conquistas, seja na devolução de rendimentos e direitos que foram roubados, seja em novas aquisições e até na recuperação de emprego e no crescimento económico - só possíveis no quadro da actual relação de forças - é um passo em frente que precisa de ser consolidado.
E é esta a realidade de Portugal hoje: um País amarrado aos interesses do grande capital, profundamente dependente do estrangeiro, limitado na sua soberania, condicionado nas suas opções estratégicas, com problemas estruturais que reclamam respostas igualmente estruturais que o libertem das amarras que impedem o progresso, a justiça social, o crescimento e o desenvolvimento económicos.
A moeda única tem um câmbio tendencialmente ajustado à capacidade produtiva e exportadora da Alemanha, aos seus níveis salariais e de produtividade, ao seu perfil industrial e comercial, às exigências das suas instituições financeiras.
Não tem em conta a realidade, as necessidades e os interesses da produção e da economia portuguesa. Menos ainda as suas potencialidades. Muito pelo contrário, cria uma pressão permanente que debilita a nossa indústria, a nossa capacidade de produzir riqueza, o nosso desenvolvimento, a nossa soberania.
O Euro priva os Estados dos instrumentos monetário, financeiro, cambial e, em larga medida, orçamental para promover um desenvolvimento que leve em conta as suas realidades nacionais, no nosso caso, a recuperação dos nossos enormes atrasos e do retrocesso verificado, particularmente nesta última década e meia de introdução do Euro.
O pacto de estabilidade e crescimento e os seus complementos, prejudicam o investimento e condicionam severamente o crescimento.
Em Portugal, reduziu o investimento, público e privado, a mínimos históricos, ao nível mais baixo, em percentagem do PIB, desde os inícios da década de 50 do século passado. Recuámos muito nestes anos. Os recuos foram imensos. O aparelho produtivo nacional descapitalizou-se e degradou-se de forma preocupante.
A integração monetária tem matado a capacidade produtiva nacional, comprometendo seriamente o futuro do País. Como o País não tem crescido de forma consolidada, não liberta recursos suficientes para o investimento de que precisamos e se impunha para romper com os grandes atrasos.
A moeda única também prejudicou a actividade produtiva com as suas apreciações excessivas, encareceu exportações, substituiu produções nacionais por importações (em vez de substituir importações por produção nacional), contribuiu para arruinar a indústria e a agricultura.
Não podemos esquecer que o conjunto da agricultura e pescas, mais a indústria, energia e construção está hoje reduzido a um quarto da produção nacional e perdeu cerca de um terço dos seus trabalhadores desde a adesão ao Euro.
Não podemos deixar de verificar que o Euro, em vez do apregoado progresso social significou aumento do desemprego e da precariedade, contenção dos salários e aumento da exploração, desigualdades sociais e pobreza, emigração forçada e envelhecimento, desordenamento do território e degradação das funções sociais do Estado.
Não podemos deixar de constatar que, em vez de investimento, de expansão comercial e de crescimento, significou desinvestimento e degradação produtiva, perda de competitividade e endividamento externo, estagnação e recessão.
Em vez da modernização, da racionalização, de um novo modelo de especialização da economia, significou desindustrialização, privatização e "desnacionalização" das empresas estratégicas, enfraquecimento da intensidade tecnológica das exportações, um perfil produtivo debilitado, dependente e periférico.
Em vez de contas públicas equilibradas, significou endividamento público, descontrolo orçamental e agravamento do défice.
Em vez da convergência económica e social europeia, divergência.
Tais foram os resultados do Euro. Nada do que prometeram ao povo português.
Para o PCP, é para produzir mais e dever menos, é para criar mais riqueza e distribuí-la melhor, é para criar emprego e afirmar direitos, é para melhorar os serviços públicos e dinamizar o crescimento e o desenvolvimento económicos, que o PCP considera, como condição necessária, embora não suficiente, a necessidade da libertação do País da submissão ao Euro.
Da mesma forma que o PCP não se deixou contaminar nem condicionar pelos cantos de sereia que ecoaram por essa Europa fora e que prometiam que, com a entrada na moeda única, Portugal passaria a partilhar os níveis de desenvolvimento, os salários, os rendimentos e as condições de vida existentes nas grandes potências da União Europeia, também hoje, mais de uma década e meia de integração monetária, quando estão à vista de todos, os falhanços, as contradições, os constrangimentos que a mesma impõe ao nosso povo, o PCP não fica mumificado perante um processo que, tendo custos, assume que a libertação do país da submissão ao Euro, com a recuperação da sua soberania monetária, orçamental e cambial é passo determinante para um aumento substancial da produção nacional, a criação de emprego, a afirmação da nossa soberania.
Mais do que isso. Quanto mais tempo for adiada a discussão necessária, quer sobre a dissolução da União Económica e Monetária que o PCP defende desde 2007, quer sobre a libertação do País da submissão ao Euro, preparando a sua saída, articulando-a com a renegociação da dívida e a recuperação do controlo público da banca, mais difícil se tornará, libertar Portugal do espartilho a que foi submetido e empreender um rumo de desenvolvimento económico. Não nos podemos iludir com alguns ganhos que são importantes, mas insuficientes. Temos que ter presente o tempo longo e os níveis de recuo verificados e o quanto precisamos de recuperar o tempo perdido no desenvolvimento do País.
A discussão que se desenvolve hoje de forma aberta no seio da União Europeia em que, recusando o falhanço, as contradições e os problemas resultantes da moeda única, se insiste num caminho de aprofundamento do federalismo em todas as suas dimensões, como aliás ontem ouvimos o novo presidente francês ao lado de Angela Merkel, confirmando o poderio do directório destas grandes potências, não deixa de ser um sinal claro de que Portugal não pode continuar à espera daquilo que outros decidem lá fora.
Aquilo que o País precisa não é de alienar ainda mais parcelas da sua soberania, de entregar ainda mais poderes a Bruxelas e a Berlim, de se submeter ainda mais às orientações e posições políticas da Comissão Europeia. Foi com esta União Europeia que foram impostas durante os quatro anos de um empenhadíssimo governo do PSD/CDS as medidas mais brutais no plano dos direitos e rendimentos dos trabalhadores, que se atingiram níveis de retrocesso social só comparáveis com os tempos do fascismo, que se avançou na exploração e empobrecimento de um povo e de um País. Foi com esta União Europeia, e em nome da zona Euro, que o País foi empurrado para um nível de endividamento sem precedentes, que empresas estratégicas passaram das mãos do Estado para as mãos dos grupos monopolistas, sobretudo estrangeiros. Foi com esta União Europeia, e em nome do Euro, que o País foi sujeito a ameaças e sanções, a imposições de tipo colonial, acusado de "viver acima das suas possibilidades".
Um país que não controla a sua moeda, que não decide livremente sobre o seu orçamento público, que perdeu o controlo das suas empresas estratégicas, que importa muito daquilo que poderia produzir cá dentro, que investe bastante menos do que o que seria necessário para repor o desgaste das suas infraestruturas e equipamentos, que gasta em juros com a sua dívida mais do que qualquer outro país da União Europeia, que está completamente exposto às crises e instabilidades no plano internacional, não pode aceitar que o caminho que lhe seja proposto seja o de continuar como o bom aluno da política das grandes potências e do grande capital.
O salto em frente, o aprofundamento da componente federalista, neoliberal e militarista presente nos Tratados Europeus, não serve o povo português, nem serve os povos da Europa.
Perante os problemas e insanáveis contradições da zona Euro já aqui descritos, há também os que procuram defender a permanência no Euro e o aprofundamento da União Económica e Monetária, não pelas "vantagens" que decorrem para o País, mas pelos custos e dificuldades que representaria uma saída.
Queremos aqui afirmar que o PCP não ignora os custos de um processo de recuperação da soberania monetária. Custos que responsabilizariam em primeiro lugar todos os que impuseram a moeda única, mas também custos, que podem ser minimizados, se existir uma correcta preparação que defenda os direitos e rendimentos dos trabalhadores, as poupanças da população, o funcionamento da economia, a produção nacional. E custos que são incomparavelmente menores aos que resultam já hoje, e se projectam ainda mais no futuro, com as regras e imposições do Euro que criam desemprego, injustiças, desigualdades e atraso. Que aprofundam ainda mais o fosso entre os países da periferia da zona Euro e as grandes potências, bem como as desigualdades entre a grande burguesia monopolista e a grande massa de trabalhadores e outras camadas antimomopolistas.
Custos, mas também vantagens e possibilidades que hoje o País não tem. A vantagem de ter uma moeda que reflicta a economia nacional, de ter um banco central emissor, de poder decidir sobre a sua política orçamental, de poder defender o aparelho produtivo e o emprego, de ter os meios necessários ao bom funcionamento dos serviços públicos, de ter uma trajectória de crescimento económico bem acima dos 0,6% de crescimento médio ao longo dos últimos 18 anos, ou seja, desde que Portugal está na zona Euro.
É esta realidade que é preciso ter também presente na avaliação dos dados do crescimento económico que se tem verificado na nova fase da vida nacional, nomeadamente no primeiro trimestre do presente ano, numa trajectória contrária àquela que predominou durante o governo PSD/CDS. Pois se estes dados reflectem a importância que teve a reposição de rendimentos às camadas populares na dinamização do mercado interno, também sabemos que a sua consolidação futura precisaria de outras opções políticas que o governo PS não tem tido.
Entre outros aspectos, seria necessário ter a iniciativa de propor a renegociação da dívida pública, não apenas nos prazos e juros como defende do Governo, mas também nos montantes, daquela que é uma das maiores dívidas do mundo. Uma renegociação que assumisse uma redução substancial dos juros pagos aos credores que com ela têm especulado, reduzindo o serviço da dívida de modo a libertar recursos para o investimento público e os direitos sociais. Uma renegociação que mais do que um importante exercício técnico, deve expressar uma firme determinação política. E uma renegociação da dívida que não está dependente das decisões de terceiros, assumindo todas as implicações que um processo político dessa natureza comporta, incluindo, a possibilidade de emitir moeda e de intervir na banca.
Nos próximos meses, os limites e imposições decorrentes da integração no Euro, estarão bem presentes na discussão do Orçamento do Estado para 2018 como testemunham o Plano Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade que o Governo submeteu a Bruxelas.
Conscientes dos limites que o próprio governo assume, da nossa parte tudo faremos para se ir mais longe na criação de emprego, no combate à precariedade, na evolução dos salários e carreiras dos trabalhadores, para prosseguir o aumento das reformas, para reforçar o investimento público e apoiar a produção nacional, para dar resposta às carências urgentes do Serviço Nacional de Saúde ou da Escola Pública, para se progredir na reversão do agravamento fiscal sobre o trabalho e introduzir justiça na tributação do grande capital.
Ao longo dos anos, o Partido identificou problemas, estudou soluções e propostas, apontou um caminho alternativo à política de direita que se desenvolveu no País. Num momento particularmente complexo no plano nacional, mas também internacional, o PCP propõe ao povo português um rumo e uma política alternativa. Uma política patriótica e de esquerda que rompe com imposições externas e interesses contrários aos dos trabalhadores e do povo. Uma política que assume a defesa dos interesses nacionais e que se desenvolve de forma a assegurar o cumprimento da Constituição da República.
Entre os eixos centrais da política patriótica e de esquerda, está a libertação da submissão ao Euro, que achamos necessária e possível. Que articulamos com a renegociação da dívida pública e a recuperação do controlo público da banca. Que apontamos como necessária ao aumento da produção e do emprego, à diminuição da nossa dependência e das desigualdades. Estamos convencidos que são cada vez mais os trabalhadores, os democratas e patriotas que compreendem que só será possível responder a problemas estruturais com respostas também elas estruturais.
É também nesse combate que continuaremos empenhados!
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