Milton Lourenço (*)
Quem vive o dia-a-dia das atividades portuárias sabe que está em gestação um problema que, mais cedo ou mais tarde, vai colocar em xeque o desenvolvimento econômico do País: a falta de investimentos públicos não só na infraestrutura de transporte como a retração de investimentos privados na construção de novos terminais portuários.
O ovo da serpente foi colocado e vem sendo acalentado pelo próprio governo desde 2008, quando, por meio do decreto nº 6620, passou a exigir que os investidores que pretendam construir terminais portuários tenham de comprovar que o empreendimento destina-se a movimentar carga própria e não de terceiros.
Como se sabe, a metáfora - que já foi utilizada pelo cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) para intitular um famoso filme de 1977 - expressa a comprovação de uma grande adversidade em processo de incubação. Afinal, ao colocar-se o ovo da serpente de encontro à luz é possível ver, através da transparência da casca, a serpente (o monstro) que irá nascer.
Se empreendimentos vultosos como o da Embraport e o da Brasil Terminais Portuários (BTP) no Porto de Santos, que devem entrar em funcionamento em 2012, escaparam daquela restrição draconiana, os demais projetos que estavam em gestação foram prudentemente arquivados. O resultado disso, segundo estimativa da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), é que R$ 6 bilhões deixaram de ser investidos.
Ora, isso ocorre exatamente num momento em que todos os estudos indicam um crescimento da demanda para mercadorias em contêineres. Em 2010, os terminais portuários brasileiros movimentaram 74 milhões de toneladas de cargas conteinerizadas, 14% a mais que em 2009, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). E, ao que tudo indica, neste ano, deverá movimentar mais ainda, pois, só no primeiro semestre, esse crescimento andou ao redor de 20%, o que significa que, faltamente, em poucos anos, poderão faltar terminais para atender a essa demanda crescente.
Hoje, segundo dados da Associação dos Usuários de Portos da Bahia (Usuport), já há um déficit de US$ 4 bilhões em novos terminais de contêineres. Em outras palavras: em vez de estimular a iniciativa privada para que esse déficit seja reduzido, o governo decidiu fazer exatamente o contrário, desestimulando um setor que, desde o processo de privatização iniciado há 18 anos com a Lei de Modernização dos Portos (8630/93), investiu cerca de US$ 2 bilhões em terminais de contêineres.
No Porto de Santos, os terminais estão com capacidade para atender até 3,2 milhões de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) e, de fato, ainda há uma certa "folga", pois, em 2010, o volume chegou a 2,7 milhões de TEUs. Mas é só uma questão de tempo, pois a situação afigura-se mais que preocupante, como constata quem desce a Via Anchieta a qualquer hora do dia e vê a situação caótica do trânsito de carretas com contêineres em direção às vias de acesso ao cais.
Aparentemente, isolados em seus gabinetes refrigerados em Brasília, os responsáveis pela condução da política portuária brasileira não enxergaram ainda a gravidade do problema, pois, em vez de facilitar e estimular o investimento privado, o que mais fazem é aumentar não só a carga tributária como embaraçar os processos para a aprovação de novos terminais portuários - que hoje levam de cinco a seis anos para sair do papel. Quer dizer: há um ovo de serpente depositado e um monstro em gestação.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC).
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