No dia 6 de dezembro de 2008 as agências de informação anunciavam que uma violenta rebelião popular havia sacudido as principais cidades da Grécia para protestar contra o assassinato do estudante de 15 anos Aléxis Andréas Grigoropulos, abatido a tiros pela polícia anti-motim.
Durante três dias as televisões do mundo inteiro visualizaram as cenas de violência da guerrilha urbana que havia paralisado a capital Atenas, Salonicco, Patrasso, Kavale e também as ilhas de Creta, Rodi e Corfu, quando foi evidente que o assassinato do jovem Aléxis no bairro de Exarquia fortaleza do movimento estudantil e dos grupos anarquistas - foi provocado "ad hoc" pela polícia para criar um clima de terror e esvaziar a greve geral que as centrais sindicais Adedye (funcionalismo público) e GSEE (setor privado) e os partidos de esquerda, KKE (Comunista), Pasok (social democrata), Synaspismos (Movimentos Sociais) e Verdes, haviam proclamado para dia 10, a fim de protestar contra a crise econômica, as privatizações e o aumento do desemprego.
Este motim fez cair a máscara do governo conservador de Kostas Karamalis (Nova Democracia), mostrando os elementos de grave crise econômica e financeira existente que, na realidade, era a ponta de um iceberg submerso pronto a emergir na "área do Euro".
Entrevistado por telefone, Yannis Bournous, responsável pelas políticas européias do Synaspismos (o partido dos movimentos sociais com 13 deputados no Parlamento), declarava: "O assassinato do jovem Aléxis, em 2008, foi apenas o estopim da revolta dos gregos contra a crise econômica. Por sua parte, a União Européia sabia perfeitamente que o governo Karamalis estava levando a Grécia para a falência.
Depois, em 2009, quando o Pasok de Georgios Papandreu ganhou as eleições e nós do Synaspismos e os comunistas do KKE aumentamos a presença no Parlamento, a União Européia ignorou todos os alertas vindos da Grécia e, sobretudo, os estudos apresentados no Parlamento Europeu pelos representantes da esquerda européia.
Estudos e análises advertindo que a crise econômica e financeira na União Européia não ficaria limitada somente a um país e tampouco seria provocada por um acidente nas bolsas de valores. Outra advertência indicava que a crise era, também, o resultado de dois fatores: a) as políticas especulativas praticadas em certos países da União por parte de bancos e instituições financeiras dos países ricos da mesma União, com a condescendência dos respectivos governos e do próprio Banco Central Europeu; b) o mau funcionamento da estrutura financeira da União e seu processo centralizador gerenciado pela Alemanha".
Grécia: déficit de 14% do PIB
De fato, o jornal holandês NRC Handelsblad no início da crise grega publicou o memorando que o então comissário europeu, Joaquim Almunia, no dia 2 de julho de 2009, levou à direção da Ecofin, formada pelos ministros das finanças dos países da "área do Euro", no qual eram confirmados os riscos e os alertas apresentados antes da reunião do Ecofin em Praga, em junho de 2009, quando o ministro das finanças grego, Papathanassiou (governo conservador Karamallis), admitia que "o orçamento grego poderia ter um buraco vermelho de até 6% do PIB". Diante disso o então comissário europeu, Joaquim Almunia, concluía seu memorando com a seguinte denúncia: "... caso as tendências em curso continuem, na realidade o déficit orçamentário do governo grego poderá chegar a até 10% do PIB".
Por absurdo, os ministros da União Européia e o próprio comissário Almunia arquivaram a crise grega. E quando o novo primeiro-ministro grego, o social-democrata Georgios Papandreu, logo após as eleições de outubro, informou que o déficit orçamentário seria de 12,7% para depois especificar que o mesmo já havia atingido 14% do PIB, em Bruxelas, ninguém sabia o que fazer.
Oficialmente, a crise grega explodia nos mercados financeiros no dia 8 de dezembro de 2009, quando a agência de riscos "Fitch´s" rejeitava o grau de confiabilidade do governo e de cinco bancos da Grécia em pagar suas dívidas. Mesmo assim os ministros da União Européia não se manifestavam, enquanto a imprensa alemã enaltecia a opção drástica do presidente do Bundesbank (Banco Central Alemão), Alex Weber, segundo o qual "uma intervenção européia coordenada em favor da Grécia era inconstitucional e a ajuda do FMI não daria resultados sem a aplicação de regras rígidas e duradouras na economia da Grécia".
Faltou somente dizer que a Grécia devia sair da "área do Euro" para promover a "operação default", a partir da qual optaria por uma maxi-desvalorização da dracma e transformaria o país em um estande de produtos para a exportação, tal como fizeram a Polônia, a Itália e a Espanha em 1992, antes da entrada em vigor do Euro.
Porque a União Européia não interveio?
É importante lembrar que para a Grécia poder ingressar, em 2001, no sistema de moeda européia teve que falsear seu déficit orçamentário, que de 4,1% do PIB foi, milagrosamente, corrigido para 2%, tal como o primeiro-ministro social-democrata, Georgios Papandreu, acertou com as autoridades da União. Uma mentira que se perpetuava em 2004 com a vitória eleitoral do conservador Karamallis, tanto que a porta-voz da União Européia, Amélia Torres, em Bruxelas, em 20 de março de 2005, oficializava a mentira ao dizer: "as autoridades gregas cobriram amplamente os buracos orçamentários e solucionaram as falhas do seu sistema estatístico. Por isso, hoje, a situação da Grécia é notavelmente melhor".
Quando isso aconteceu, os técnicos de Eurostat (o organismo de análise e estatísticas econômico-financeiras da União Européia) rejeitaram as falsas informações do governo grego, mas tiveram de aceitá-las em função da "solidariedade neoliberal" que havia tomado conta dos 16 governos da "área do Euro".
A partir dessa encenação iniciou-se um complexo processo especulativo cujos principais beneficiários foram os bancos alemães, seguidos pelos franceses e as seguradoras italianas. Por sua parte, todos os governos gregos que se sucederam na Praça Syntagma (sede do Parlamento) direcionaram a maior parte dos empréstimos europeus para sustentar o clientelismo eleitoreiro e refinanciar a dívida pública com uma desordenada emissão de títulos do Estado, de forma que nos últimos quatro anos o valor da dívida pública passou de 180 bilhões de euros para 320 bilhões.
Mais anacrônico era o tecido social dos "poupadores que compravam os títulos da dívida grega". Na sua maioria, eram representados por indivíduos ou entidades ligadas à economia paralela, à corrupção ou que, através do clientelismo político, conseguiam fraudar a receita grega, cujo rombo hoje é calculado em 30%. Por sua parte, os governos gregos tanto o conservador da Nova Democracia quanto o social-democrata do PASOK - fecharam os olhos. Isso no momento em que, em uma sociedade empobrecida com os programas neoliberais, os únicos poupadores que podiam comprar os títulos da dívida pública eram quem lucrava com a corrupção, a fraude fiscal e a economia paralela, onde os "corretores" das máfias internacionais (italiana, russa, israelense) investiam nos "bonds gregos" paras reciclar seus lucros ilegais.
De fato, o Secretário Geral do Partido Comunista (KKE), Alex Papariga, ao questionar o aleatório programa de saneamento fiscal do governo Papandreu, dizia: "Como é possível que em um país como a Grécia haja somente 5.000 famílias que declaram uma renda anual de 100.000 euros, quando é suficiente ir ao porto do Pireo para encontrar milhares de barcos luxuosos que são a prova de que a evasão fiscal dos ricos é generalizada, enquanto os únicos a pagar os impostos são os trabalhadores do funcionalismo público e os do setor privado?".
Este perverso esquema de "poupança" entrou em crise quando, com a derrota do conservador Karamallis, os "poupadores" ficaram amedrontados com o crescimento do partido comunista "KKE", a afirmação da coalizão da esquerda social "Synaspismos" e, sobretudo, com a pressão popular sobre o governo social-democrata de Georgios Papandreu por parte da central sindical comunista "PAME". O medo por uma iminente ruptura do status quo fez com que os "poupadores" retirassem dos bancos gregos seus títulos para negociá-los em dólares nas filiais dos bancos alemães e franceses, agenciando com eles a transferência "em off" para os bancos de Jersey, Ilhas Channels, Luxemburgo e Malta, isto é, os paraísos fiscais europeus.
Quando o Banco Central grego se deu conta de que ninguém estava comprando seus "bonds" era demasiado tarde, inclusive porque os bancos alemães e franceses que haviam especulado sobre a compra em dólares da quase totalidade dos títulos agora exigiam o pagamento de uma dívida equivalente a 100 milhões de euros, e cuja perspectiva era a insolvência absoluta.
Somente quando a insolvência dos títulos gregos começou a atingir a confiabilidade dos bancos alemães que a primeira-ministra alemã, Ângela Merkel, interveio, pedindo ao parlamento alemão que votasse com urgência um pacote de ajuda financeira de 8,5 bilhões de euros para a Grécia não declarar default e abandonar o sistema monetário europeu. Em segundo lugar, Merkel, para garantir o pagamento aos bancos alemães, informava os presidentes do Banco Central Europeu, Jean-Cleaude Trichet, e do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que o governo alemão aceitava a proposta de um maxi-refinanciamento da dívida grega no valor de 110 bilhões de euros.
Uma ajuda financeira que, na realidade, servia apenas para evitar a bancarrota dos bancos alemães, franceses e seguradoras italianas que haviam especulado com os "bonds" gregos e para enquadrar o Estado grego, podendo finalmente intervir em sua economia aplicando as receitas recessivas do FMI, cujo custo seria pago unicamente pelos trabalhadores gregos até 2020.
Crise do modelo de Estado europeu
O Tratado de Maastricht, mais que criar um novo modelo político para os países da União Européia, enquadrou toda a política européia em um complexo xadrez regulamentado por normas jurídicas definidas por cada área específica de jurisdição. De fato, a crise do chamado "Estado Moderno Europeu" - para além da contingência grega se tornou evidente no momento em que esse Estado, embutido de neoliberalismo, foi incapaz de prevenir as desastrosas situações financeiras que seu mercado produziu e, conseqüentemente, não teve capacidade de solucionar tais crises, a não ser com a confirmação dos limites de sua própria natureza política. Isto é a prática neoliberal de repassar para o cidadão o ônus da crise econômica provocada pelos bancos com a especulação financeira.
No caso da Grécia a solução é dramática, chegando a impor a redução em 30 % dos salários do funcionalismo público e 20%, no setor privado. Há ainda o corte do 13º e do 14º salários, o aumento da idade para ter direito a aposentadoria, sem contar os cortes orçamentários nos serviços públicos mais populares, tais como a educação e a saúde, onde o que não será privatizado será desativado.
Por outro lado, ficou evidente que, quando se trata de pagar os custos de uma crise financeira na União Européia dos 27 ou, sobretudo, nos 16 países da "área do euro", prevalecem as antigas divisões entre os países que financiam as dívidas e aqueles que não conseguem zerar seu déficit.
Assim, após a crise grega, na União Européia, configura-se a presença de uma "área de risco permanente" representada por Grécia, Portugal, Espanha, Itália e Irlanda, cujos déficits orçamentários devem ser pagos apenas pelos seus cidadãos, com uma maior taxação dos bens de consumo e o corte dos investimentos nos serviços públicos. Enquanto isso, nada acontece com a burocracia e a classe política, que, com sua complacência e incompetência, contribuíram para a ampliação dos vícios institucionais, isto é, a especulação financeira, a corrupção, o clientelismo político e a fraude fiscal.
Vícios que, por absurdo, ao transitarem pelos mercados sob forma de lucro, perpetuam a manutenção de um equivocado Estado moderno e uma confusa política européia comunitária. Nela, os interesses da União Européia gravitam e dependem das cumplicidades político-financeiras de uma classe política aparelhada pelos mercados nas instituições dos Estados e acostumada a privilegiar, antes de tudo, os interesses do mercado, mesmo que desta forma a própria democracia burguesa e o Estado de Direito se transformem em mera retórica eleitoreira.
União Européia: 23 milhões de desempregados
Nos 27 países que hoje formam a União Européia, o desemprego atingiu formas alarmantes, tendo alcançado o número de 23 milhões de desempregados, equivalentes a 9,67% da população ativa. Segundo o instituto de pesquisa e estatística da União Européia, Eurostat, nos 16 países da "área do euro", o desemprego já é da ordem de 10,7%, o que significa que nestes países há 15.808.000 desempregados. Um exército de reserva que a cada mês agrega 101.000 novos desempregados, na sua maioria homens com 50 anos e jovens até 25 anos à procura do primeiro emprego.
Todos os economistas admitem que, nos países da União Européia, o desemprego vai subir porque as empresas, na sua totalidade, visam o aumento da produtividade intensificando a exploração nos locais de trabalho com o aumento dos ritmos de produção, além de reduzir os custos de segurança. Desta forma, entre março de 2009 e de 20010, nos 27 países da União Européia, foram suprimidos 2.500.000 empregos, sendo 1.389.000 correspondentes à situação fabril nos 16 países da "área do euro". De fato, também nos países "ricos" da União Européia começa a agitar-se o fantasma do desemprego. Por exemplo, na opulenta Holanda, em 2009, o desemprego já atingia 4,1% da população ativa e, na Áustria, 4,9%.
Isto explica por que, em março, o Eurostat alertava que na Espanha os desempregados atingiam 19,1% da população ativa, enquanto na Grécia chegavam a 16% e na Itália alcançavam o limite histórico de 12%, sendo que o desemprego juvenil italiano atingia o recorde europeu, com 27%.
Um cenário que desmonta a ineficiência do modelo de "governança européia", representado pela União Européia e implementado sobretudo nos 16 países da "área do euro", onde as políticas dos governo conservadores, juntamente aos programas do neoliberalismo sejam eles alemães ou britânicos , não funcionam mais, a partir do momento em que este Estado moderno, para salvar sua essência representada pela sociedade de mercado, não pensa duas vezes em sacrificar a única riqueza do cidadão: sua força de trabalho e o salário.
Achille Lollo é jornalista italiano, diretor da ADIA TV e autor do vídeo "Palestina, Nossa Terra, Nossa Luta".
07 Junho 2010 Escrito por Achille Lollo 29-Mai-2010
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